sexta-feira, 29 de abril de 2011

RISCO DE SER UM MÉDICO ÉTICO: SER PRESO.

Caros leitores.

Seria possível um médico cuidadoso, estudioso e vigilante na ética médica correr o risco de ser preso, justamente por ter esses qualificativos? Para a perplexidade de todos nós, a resposta é “sim”.

Assim nos traz o vigente Código de Ética Médica em seu Art. 89:

“É vedado ao médico: liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.”

Pela interpretação do texto acima, ainda que solicitado via mandado judicial para ser anexado aos autos de um processo, o prontuário só poderá ser liberado com a autorização expressa do paciente. Caso o paciente se negue a liberar o seu prontuário, até mesmo a ordem judicial poderá ser descumprida.

No entanto, assim coloca o inciso V do Art. 14 do Código de Processo Civil (CPC):

“São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.”

Percebemos que o CPC qualifica como atentatório ao exercício da jurisdição o descumprimento de qualquer mandado judicial.

Já o Art. 330 do Código Penal qualifica o descumprimento de ordem judicial como crime, vejamos:

“Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.”

Agora imaginem um médico, inquestionavelmente responsável pela boa guarda do prontuário de seus pacientes, sendo solicitado mediante ordem judicial para entrega do prontuário de um determinado paciente. Por sua vez, este paciente se nega expressamente a fornecer as cópias de seu prontuário ao juiz. E agora? O médico deve seguir o Código de Ética Médica ou o Código Penal? Ser ético ou ser correr o risco de ser preso?

Vejam o absurdo: se o médico for ético conforme seu código profissional, poderá ser preso. Em contra-partida, se for anti-ético conforme seu código profissional, ainda que seja penalizado administrativamente em seu CRM, não correrá o risco de ser preso.

Por que os médicos são frequentemente expostos a situações como essa? Convém lembrar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Nesse tipo de Estado, as leis costumam seguir uma hierarquia determinada. No Brasil, isso não é diferente. De maneira hiper simplificada, colocarei o ranking das principais normas que podem estar envolvidas com o assunto que tratamos:

1)   >> Constituição Federal – a lei mais importante do Brasil, a qual todas as outras se submetem;
2)   >> Lei Ordinária / Decreto-Lei (ex.: Código Penal);
3)   >> Resolução de Autarquias*.

*Autarquias são órgãos da Administração Pública Indireta, como por exemplo: CFM (Conselho Federal de Medicina), COFEN (Conselho Federal de Enfermagem), COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), CFO (Conselho Federal de Odontologia), Conselho Federal de Fonoaudiologia, Conselho Federal de Psicologia, etc. O Código de Ética Médica é uma Resolução do CFM (Resolução 1931 / 2009).

É muito importante lembrar, que uma norma inferior (aqui representada pelo o Código de Ética Médica) não deveria contrariar uma norma superior (aqui representada pelo Código Penal). Sobre isso, assim se posicionou o Supremo Tribunal Federal (STF):

Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398. Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/07)

Pela desobediência do Art. 89 do Código de Ética Médica ao Art. 330 do Código Penal (já citados), os médicos acabam tendo que optar entre serem éticos ou correrem o risco de serem presos. Lamentável.

Não fugirei da seguinte pergunta: que opção tomar num caso como o exposto, ser ético ou correr o risco de ser preso? Darei minha resposta sem o menor interesse de convencimento a quem quer que seja. Estejam à vontade em suas convicções. Eis a minha: o Código Penal tem status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM. Por isso, e apenas por isso, prefiro seguir as instruções oferecidas pelo Código Penal.

Continuo justificando meu posicionamento com base nos 2 exemplos abaixo:

1)      Se em alguma provável sindicância o CFM/CRM disser que não cometi nenhuma infração, mas por outro lado, num processo judicial o juiz entenda que meu registro de médico deva ser cassado. Qual decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?

2)      De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM/CRM casse meu exercício profissional, mas por outro lado, num processo judicial o juiz me absolva de qualquer acusação e ratifica que é livre o meu exercício profissional. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz.

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, é melhor obedecer ao mandado judicial do que às Resoluções/Pareceres do CFM/CRMs.

Respeito os que pensam de forma contrária. O assunto é polêmico.

Ratifico meu imenso apreço pelas normativas expedidas pelo CFM/CRMs. A crítica pontual que ora faço, nem de longe macula o excelente serviço prestado pelo(s) CFM/CRMs a toda classe médica, da qual honrosamente faço parte.

Estejam à vontade para emissão de suas opiniões.

Um forte abraço a todos! Até a próxima semana.

Que Deus nos abençoe.


Marcos H. Mendanha


Twitter: @marcoshmendanha

sexta-feira, 22 de abril de 2011

EMPRESA NÃO PAGA EXAMES COMPLEMENTARES: E AGORA?

Prezados leitores, que estejam bem!

Segue abaixo uma pergunta que veio através de e-mail.

“Olá Marcos

Tudo bem? Quanto tempo, né? Parabéns pelo blog, está ótimo...
Estou com uma dúvida: se uma empresa se recusa a fazer os exames complementares (de acordo com os riscos levantados pelo PPRA), pode ou não emitir o ASO ?

Obrigada.

Abraços.

XXXX”

Primeiramente, vale lembrar que em nossa prática laboral temos visto uma enormidade de exames solicitados no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) que não guardam absolutamente nenhuma relação com a função em análise. Quanto a essa prática tenho inegociáveis reservas, especialmente pelo caráter de exclusão social que ela representa.

Não considero razoável, por exemplo, solicitar VDRL (exame para rastreamento de sífilis) para um “auxiliar administrativo”, empregado em um escritório de contabilidade. Por que? Pois entendo que se o exame clínico for satisfatório, não será o resultado do VDRL que o qualificará como “inapto”, ou seja, nesse caso o VDRL não é decisivo para fins de aptidão laboral. Alguns dirão: “mas pelo menos assim o médico poderá incentivar esse trabalhador a cuidar de sua saúde.” Ora, se o médico for partir dessa premissa, terá que pedir também, além do VDRL, sorologias para hepatites, HIV, provas de atividades inflamatórias, fazer rastreamento de Doença de Chagas, Tomografia e Ressonância Magnética de corpo inteiro para detecção de tumores em estágios iniciais, etc., etc., etc., para todos os trabalhadores do Brasil. Isso também os incentivaria a cuidar de suas vidas... mas é dispendioso, discriminatório, e exageradamente inaplicável.

Mesmo respeitando embora não concordando com outras condutas, em nossa prática laboral adotamos o seguinte protocolo: além dos exames compulsórios legalmente previstos, em geral, só prescrevemos exames que, mesmo que o paciente estivesse “apto” clinicamente, o resultado do exame complementar poderia comprometer sua aptidão. Apenas isso, nada mais.

Agora, partindo do princípio de que os exames solicitados são pertinentes à função em análise, e que o resultado desses exames é um fator essencial na decisão de conferir “apto” ou “inapto” a esse trabalhador, repouso meu entendimento no sentido de que: se uma empresa nega a autorização para fazer os exames complementares (de acordo com os riscos levantados pelo PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) não deve ser liberado pelo Médico do Trabalho / Médico Examinador.

Fundamentos:

Princípio Fundamental no II do atual Código de Ética Médica: “O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”

Princípio Fundamental no VI do atual Código de Ética Médica: “O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.”

Princípio Fundamental no VII do atual Código de Ética Médica: “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”

Exemplificando: vejo como negligente a atitude de um Médico do Trabalho / Médico Examinador que, após a realização do exame clínico, emite o ASO, por exemplo, de um “auxiliar de produção” de uma mineradora que se expõe vigorosamente à poeiras contendo sílica, sem a devida realização dos exames complementares pertinentes à essa função (alguns, já preconizados no Quadro II da Norma Regulamentadora no 7). Com fulcro no Princípio Fundamental no VII do atual Código de Ética Médica (citado acima), usando de sua (muitas vezes só teórica) autonomia, e considerando que a situação exemplificada não é de urgência ou emergência, na situação exemplificada, o Médico do Trabalho / Médico Examinador só deverá liberar o ASO após a realização do exame clínico e de todos os exames complementares prescritos no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional).

Daí vem a pergunta que originou esse texto: e como proceder com o empregador que, mesmo diante da necessidade de realização dos exames complementares, se recusa a custeá-los / realizá-los? Resposta: não há receita para isso. Os livros técnicos passam muito longe de estabelecer uma saída harmoniosa e definitiva para essa situação. O que escrevi acima (sobre a não liberação do ASO na ausência de exames complementares essenciais à função) certamente que há muito tempo não é novidade pra nenhum dos leitores desse texto. Mas simplesmente dizer ao empregador “o ASO não será liberado com base no Código de Ética Médica enquanto o Senhor não autorizar a realização dos exames complementares prescritos” pode, infelizmente, gerar um mal estar incrível, e pior,  custar o emprego do Médico do Trabalho / Médico Examinador. E agora?! Cabe-nos perguntar também: de que vale um médico ético e cuidadoso sem ter de quem cuidar (por estar sem emprego)*? (Sobre essa pergunta e outras reflexões pertinentes ao tema, recomendo também a leitura do instigante texto "Medicina do Trabalho: subsciência ou subserviência?" através do link: http://bit.ly/hNHUie )

E então: como proceder com o empregador que, mesmo diante da necessidade de realização dos exames complementares, se recusa a custeá-los / realizá-los? Resposta: na minha opinião o médico deve se investir de uma postura política conciliatória, sair de seu consultório e atuar como um transmissor de informações valiosas ao empregador, explicando-lhe todos os riscos aos empregados, à empresa e ao próprio médico, diante da ausência dos referidos exames. Sem afrontas ou ameaças, apenas fomentando o bom, embasado e respeitoso diálogo com o empregador, no sentido de convencê-lo à efetivação dos exames complementares prescritos. Bem sei que as escolas médicas não se preocuparam com o ensino desse tipo de diálogo, mas até no aspecto do “marketing” do médico que consegue fazê-lo, essa postura poderá trazer ótimas e palpáveis repercussões.

Mas, se diante de todas as possíveis tentativas pacíficas de convencimento e conciliação para com o empregador, este ainda se recusar em cumprir e fazer cumprir a totalidade do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), como nos ensina o Art. 157, inciso I da CLT, aí sim eu sugiro que o médico se preocupe com a ausência daquela empresa dentro de sua carteira de clientes... e rápido! E mais: ratifico a já consagrada sugestão anterior de não liberar o ASO sem os devidos exames complementares. Bem sei que a sugestão de "abandonar essa empresa" nessas circunstâncias é lógica e embasada, mas reconheço que a prática desse abandono de prestação de serviços pode ser extremamente difícil e dolorosa para o médico, daí não partir de mim qualquer julgamento aos médicos que acabam sendo coniventes forçadamente com algumas práticas ilícitas dos empregadores visando a manutenção de seus postos de trabalho, mesmo sabendo dos riscos* aos quais se submetem em conjunto com estes empregadores (além de também colocar em risco a saúde dos trabalhadores). Faço das palavras do Pai as minhas: “que atire a pedra quem nunca cometeu nenhum pecado.” Eu não atiro, mas sei que vários leitores já estão com "seus revólveres empunhados".

*Leia sobre alguns desses riscos através do link: http://bit.ly/fO7ihL

É o que tenho de mais sincero sobre o tema. Fiquem à vontade para emissão de suas opiniões.

Uma excelente Páscoa para todos, que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos!

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

domingo, 17 de abril de 2011

PERITO DO INSS x MÉDICO DO TRABALHO: A QUEM SEGUIR?


Vídeo-aula sobre esse texto:




Prezados leitores.

Um dos maiores problemas na prática da Medicina do Trabalho se estabelece quando: o Médico do Trabalho / "Médico Examinador", após ter qualificado o empregado como “inapto” à determinada função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas do INSS, sugerindo, mediante atestado médico, determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação.

O Médico Perito do INSS, por sua vez, após concessão de benefício previdenciário por um prazo menor do que o sugerido pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador", qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais. Qual a conduta mais apropriada do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" a partir daí, com relação ao empregado, a empresa, e ao INSS?

A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) assim nos traz no item 7.4.4.3: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu". Uma análise literal da norma supra nos mostra que essa definição de aptidão / inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", a quem coube a função de emitir o ASO.

No entanto, a Lei 11.907 / 09, em seu Artigo 30, parágrafo 3, assim coloca: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso exemplificado. No caso em tela, a Lei 11.907 / 09 goza de uma posição hierárquica privilegiada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que se classifica como Lei Federal Ordinária, enquanto que a NR-7 foi editada por força da Portaria do MTE n. 24 / 1994. Sendo assim, deve prevalecer a Lei 11.907 / 09.

Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Médico Perito do INSS deva, legalmente, prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador":

Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Nosso comentário: vemos que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS, e não pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador". Lembramos também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme art. 482 da CLT.

Lei 605 / 49, art. 6, parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Nosso comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Nosso comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecida primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

Por toda fundamentação legal exposta na situação exemplificada na introdução deste texto, ao receber esse empregado do serviço de Perícias Médicas do INSS, nosso entendimento é de que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá:

·         explicar ao trabalhador todas as repercussões (inclusive legais) do impasse instalado;

·         enfatizar junto ao empregado sobre todos os possíveis riscos à saúde advindos do seu ambiente de trabalho, nos termos dos Artigos 12 e 13 do novo Código de Ética Médica;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a interposição de pedido de reconsideração (PR) ou recurso junto ao INSS, explicando-lhe todas as possíveis consequências de cada possibilidade;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a possibilidade de ação judicial em face da decisão proferida pelo serviço de perícias médicas do INSS, também explicando-lhe as possíveis repercussões;

·         enquanto vigorar a discordância com o serviço de perícias médicas do INSS, deverá considerar o empregado “apto” ao trabalho, revogando, inclusive, o seu próprio atestado, já emitido quando do encaminhamento inicial do empregado ao INSS. Nesse período de impasse, não há sustentação legal para que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (que age como se empresa fosse, conforme interpretação extraída do art. 932, inciso III, do novo Código Civil) confronte a decisão do Médico Perito do INSS, não recepcione esse empregado no trabalho, e ainda o mantenha afastado (especialmente, sem o pagamento do respectivo salário desse trabalhador). Sobre o tema, assim se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais / MG (RO nº 01096-2009-114-03-00-4):

EMENTA: AFASTAMENTO DO EMPREGADO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO DECLARADA PELO MÉDICO DA EMPRESA. Comprovada a tentativa do autor de retornar ao trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia a reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho, deixando de lhe pagar os salários. Como tal providência não foi tomada, fica a empregadora responsável pelo pagamento dos salários e demais verbas do período compreendido entre o afastamento do empregado e a efetiva concessão do beneficio previdenciário.

Portanto, além da devida documentação em prontuário médico, sugerimos que esse ASO de aptidão vá acompanhado de um documento que apresente a seguinte redação:

“O paciente ____ , RG _____ , teve o pedido de prorrogação (PP) indeferido, e/ou pedido de reconsideração (PR) indeferido, e/ou término de seu auxílio-doença em __/__/__. Diante do exposto, com fulcro no Artigo 482, alíneas “e” e “i” da CLT, combinado com Súmulas 15 e 32 do TST, e nas Leis 11.907 / 09 (art. 30, inciso I) e 605 / 49 (art. 6, parágrafo 2), sem outra alternativa de conduta, me submeto à decisão do INSS, e o qualifico como apto para retorno ao trabalho, com as devidas recomendações, enquanto se aguarda resposta ao pedido de reconsideração (PR) / recurso / nova perícia / decisão judicial. Recomendações: _____ .”

No entanto, sabemos que, na prática, muitas vezes, as “recomendações” (que muitos colegas preferem caracterizar com o uso do termo “restrições”) solicitadas praticamente se equivalerão à própria inaptidão desse empregado. Por isso, a partir de então, o bom senso e a boa habilidade de diálogo do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" junto ao empregado, ao empregador e ao INSS é que definirão a melhor conduta a ser tomada, sempre visando o bem maior: a preservação da dignidade, e da saúde do trabalhador (princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1o, inciso III da Constituição Federal de 1988). Sugerimos algumas possíveis condutas:

·         quanto ao INSS: caso haja possibilidade de aproximação com o serviço de perícias médicas do INSS no sentido de viabilizar uma solução para o caso, o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá fazê-lo;

·         quanto ao empregador: nosso entendimento está firmado no sentido de que o empregador precisa entender toda essa problemática, com todos os seus fundamentos legais, e também as prováveis repercussões em casos de processos judiciais futuros. Assim, o ideal, é que haja um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador, e que o empregado atue por lá enquanto não estiver no pleno de sua capacidade laboral (do ponto de vista do Médico do Trabalho / "Médico Examinador"). Isso não deve ser confundido com o chamado "desvio de função", comumente usado para fins de pagamentos de menores salários. No caso em questão, o motivo da mudança da atividade laboral se justifica pela preservação da dignidade do empregado, uma garantia constitucional. A manutenção do empregado na mesa função (caso haja possibilidade de agravamento da doença / acidentes) deve ser fortemente contraindicada. Além dos riscos indesejáveis ao trabalhador, caso haja algum dano, o próprio empregador poderá ser penalizado com fulcro nos artigos 129 e 132 do Código Penal, e 927 do novo Código Civil. Dessa forma, não havendo algum ambiente inócuo em que se possa acomodar o empregado durante sua completa convalescença,  até mesmo a permanência do empregado em sua própria residência, sem o desconto no respectivo salário (situação em que a falta será considerada justificada, conforme art. 131 da CLT) deverá ser considerada pelo empregador.

Na vigência do impasse entre Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho, a empresa poderá dispensar esse empregado?

Sendo considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. Lembremos que de forma submissa ao INSS o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" terá que considerá-lo “apto” para retorno ao trabalho, logo, também estaria “apto” num eventual exame demissional que fizesse. Ratificamos que os critérios seguidos pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, em todos os exames ocupacionais (admissional, periódico, demissional, etc.), devem ser os mesmos para que não haja avaliações discriminatórias, com “dois pesos e duas medidas”. No entanto, mesmo com a possibilidade legal da dispensa arbitrária (sem justa causa) desse empregado pelo empregador, entendemos que tal conduta deva ser muito bem pensada (veja nossa proposta de conduta em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n ). Há exemplos de empregados dispensados que, mesmo estando “aptos” pelo Médico Perito do INSS, e pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento por questões relacionadas à saúde, e obtiveram indenizações favoráveis (conforme melhor elucidamos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/AF84yJ ).

Vale lembrar que a Justiça do Trabalho considera o empregado como a parte hipossuficiente na relação de trabalho, o que demanda uma série de precauções a serem tomadas pelo empregador na construção de sua própria segurança jurídica.

Inequivocamente, para explorarmos as situações mais dramáticas do nosso cotidiano, na situação exposta ao longo de todo esse texto, praticamente desconsideramos as possibilidades de sucesso dos pedidos de reconsideração (PR) junto ao INSS, e até mesmo das sentenças favoráveis ao empregado em ações judiciais instauradas.

Concluindo: legalmente, com relação à aptidão laboral, a decisão do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", por mais polêmico que isso seja. No entanto, o assunto extrapola as balizas legais fazendo com que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" assuma uma posição de destaque na conciliação de todos os atores envolvidos: empregado, empregador e INSS. Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" ter que acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS, por obediência legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese. Numa tentativa de sempre sintonizar as condutas entre Médico Perito do INSS, e Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, sugerimos a leitura de outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

O Médico do Trabalho que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS tem sua autonomia afrontada?

Muitos dirão: “a sugestão de conduta proposta ao longo desse texto afronta a autonomia do ato médico praticado pelo Médico do Trabalho, e, portanto, fere o Código de Ética Médica.” Lembremos que toda autonomia profissional é balizada pela legislação vigente. Toda! Por exemplo, o juiz de direito tem autonomia para julgar como quer, mas se afrontar alguma lei, terá sua sentença revista e poderá responder administrativamente e judicialmente. Os jornalistas têm autonomia para falar o que desejarem, mas se violarem as leis, poderão ser punidos.  Enfim, nem o próprio Presidente da República goza de autonomia plena, também tendo seu exercício balizado legalmente. Quanto ao médico, por que a regra seria diferente? O próprio Código de Ética Médica dedica o maior número de suas páginas restringindo a autonomia dos médicos. Tanto é assim, que dos 14 capítulos do novo código, 11 começam com o dizer “é vedado ao médico...”, o que em outras palavras significa: o médico não tem autonomia para...

Para exemplificar melhor: a regra do Código de Ética Médica é o sigilo das informações obtidas quando do exercício profissional. Porém, o art. 73 do mesmo código faz ressalvas à obrigatoriedade desse sigilo, incluindo entre as causas o “dever legal” de se revelar as informações obtidas no ato médico. Isso implica dizer que, para que se cumpra a lei, dependendo do caso, o médico não tem autonomia para guardar determinadas informações de seus pacientes sob sigilo profissional pleno.

Importante lembrar que, pelas regras do nosso ordenamento jurídico, as leis possuem hierarquia privilegiada e devem prevalecer sobre às resoluções profissionais (como é o caso do próprio Código de Ética Médica), quando em eventuais conflitos entre essas normas (antinomia).

Em suma, o profissional médico goza de plena autonomia para tomar a conduta que melhor julgar em prol do seu paciente, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos. A autonomia profissional jamais deu o direito de alguém exercer sua profissão fazendo tudo que quiser, e como quiser, mesmo que cheio de ótimas intenções. Que bom que seja assim! Os limites são necessários, sempre. Cabe aqui uma chocante (porém verdadeira) analogia: autonomia profissional (de qualquer profissão) é como liberdade de zoológico, ou seja, o profissional tem a liberdade que quiser, desde que não saia da jaula (aqui representando os limites legais).

Por todo exposto, concluímos que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS, o faz, acima de tudo, por correto cumprimento do seu dever legal. A autonomia do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deve ser sempre respeitada, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos.

Quais as conseqüências possíveis para o Médico do Trabalho que, discordando da conduta do Médico Perito do INSS, faz valer sua própria decisão?

Mais uma vez, ressaltamos que não defendemos uma concordância “cega” e inconseqüente do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” para com o Médico Perito do INSS. Muito pelo contrário! O que propomos é que, na vigência do impasse, a decisão do Médico Perito do INSS seja acatada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” por uma questão legal (conforme já vimos de forma fundamentada), e que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” assuma uma posição mediadora entre empregador, empregado e INSS, sempre defendendo a saúde do trabalhador. Nesse contexto, por exemplo, se o Médico Perito do INSS concedeu capacidade laboral ao trabalhador, e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” entenda que não há essa capacidade, poderá considerá-lo: (a) “apto com recomendações”, ou (b) “apto com contraindicação à função”, conforme sugerimos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

Conforme já colocado nesse texto, e aqui enfatizado, até mesmo um maior tempo de repouso do empregado, em sua própria residência, mediante remuneração do empregador, deve ser considerado. Obviamente que, em todas essas situações, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá sair de seu consultório e se tornar um eficaz gerenciador de conflitos, um mediador de calorosos diálogos. Deverá explicar, tanto ao empregador, quanto ao trabalhador, toda legislação (já mostrada nesse texto) e demais repercussões referentes a esse tema.  Talvez seja essa a dificuldade de muitos médicos, e é justamente deles que a sociedade mais necessita.

Muitos dirão: “legalmente esse texto está correto, mas o Médico do Trabalho jamais deve se submeter à decisão do Médico Perito do INSS, caso não concorde com essa decisão”. Obviamente que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” tem todo direito de não concordar com a conduta que sugerimos nesse texto. Mas quando esse profissional reconhece que os fundamentos legais estão corretos, na verdade, não está discordando desse texto, mas das leis do nosso país. Apenas fazendo uma analogia, é provável que muitos não concordem com o elevado imposto de renda que pagamos... e mesmo assim pagamos. Por que? Pois trata-se de uma questão legal, e sua não obediência traz conseqüências indesejáveis. Assim, uma coisa é não concordar e lutar para que as leis se modifiquem. Outra coisa, bem diferente, é não cumprir as leis estabelecidas, de forma deliberada. Se a moda pega, instala-se de fato a anarquia. Que Deus nos livre disso.

Alguns ainda sustentarão: “é uma falta de responsabilidade e negligência do Médico do Trabalho conferir aptidão laboral a alguém, apenas por obediência à decisão do Médico Perito do INSS”. Falando em responsabilidade, imaginemos então que um Médico do Trabalho / “Médico Examinador” insista em qualificar como “inapto” um trabalhador que acaba de retornar do INSS com a capacidade laboral reconhecida. Mesmo sendo uma conduta ilegal (conforme fartamente exposto nesse texto), essa conduta poderia até ser qualificada como “parcialmente responsável”, uma vez que se reveste de uma ótima (e verdadeira) intenção: a proteção da saúde do trabalhador.

No entanto, para que essa conduta seja qualificada como “completamente responsável”, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá também alertar o trabalhador sobre todos os riscos dessa “ilegalidade muito bem intencionada”, num discurso completo, parecido com esse: “Sr. Trabalhador, o Perito do INSS entende que o Senhor pode voltar ao trabalho, mas eu discordo e o qualificarei como ‘inapto’ (descumprindo assim a Leis 605 / 49 e a Lei 11.907 / 09). Sendo assim, fique em sua residência até sua saúde melhorar por completo. Não se preocupe, pois se nem a Justiça, e nem o INSS reconhecerem seu benefício; e também o empregador não concordar em pagar o seu salário integral durante sua ausência (conforme permitido pela interpretação do art. 60, parágrafo 3o, da Lei 8.213 / 91), eu mesmo pagarei. Mais do que isso: se em virtude das muitas faltas ao trabalho, o Senhor for dispensado do emprego por justa causa (nos termos do art. 482, alíneas “e” e “i”, da CLT), eu mesmo vou pagar o seu acerto como se fosse uma dispensa sem justa causa, ou seja, o Senhor não perderá os seus direitos.” Fica então a pergunta: vale a pena o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, mesmo que cheio de ótimas intenções, agir de forma ilegal, afrontar a decisão do Médico Perito do INSS, e assumir todas as conseqüências disso?  
       
Pra finalizar esse tópico, é muito comum ouvirmos pacientes que regressam de uma perícia médica do INSS dizendo: “o médico nem me examinou”. É bom lembrarmos que essa afirmação está vindo, quase sempre, de alguém que teve sua pretensão resistida. Pode ser absolutamente verdadeira, mas também pode não ser. Independente da especialidade dos médicos que leem esse texto, sugerimos que esses profissionais façam ocasionalmente uma avaliação anônima dos seus próprios atendimentos. Muitos se surpreenderão! Por melhores que sejam esses médicos, alguns pacientes reprovarão suas condutas e relações interpessoais. Alguns os criticarão impiedosamente. Muitos também dirão: “esse médico nem me examinou”. Mas isso não será motivo para culpas e intranquilidades! O fato é que jamais qualquer médico conseguirá agradar a todos a quem atende. Jamais! Conforme o secular ditado, “o médico só pode se considerar maduro e experiente quando, ciente de todas as insatisfações dos seus pacientes, consegue amá-los cada dia mais.” Esse deve ser o caminho dos que escolheram a medicina como ofício.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha




Saiba mais: clique AQUI.

RESPONSÁVEL PELO "ASO AVULSO": MÉDICO OU EMPRESA?

Caros leitores.

Começo esse texto com as seguintes perguntas: quem é o maior responsável pela emissão de um “ASO avulso”: o médico ou a empresa? Havendo penalidade por esse fato, ela recairá sobre o médico e/ou empresa?

Conforme já colocado nesse blog, o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) não tem razão de existência se não estiver dentro de um programa maior chamado PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (leia o citado texto na íntegra através do link: http://bit.ly/gjLqCo )

A obrigação legal do cumprir e fazer a cumprir as normas de segurança e medicina do Trabalho é consagradamente do empregador. Vejamos o que diz o Art. 157, inciso I, da CLT:

Cabe às empresas: cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”. (grifo nosso)

Especificamente sobre o PCMSO / ASO, assim diz o item 7.3.1, alínea “a” da Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7):

Compete ao empregador: garantir a elaboração e efetiva implementação do PCMSO (o que inclui a emissão correta do ASO), bem como zelar pela sua eficácia.” (grifos nossos)

O não cumprimento desse item poderá gerar embargos e interdições à empresa conforme item 3.3.1 da NR-3, além e multas ao empregador conforme Anexo II da NR-28.

Além das implicações oriundas das fiscalizações do Ministério do Trabalho, os riscos jurídicos às empresas também são explícitos. O Art. 19, parágrafo 2, da Lei 8.213 / 91, assim coloca:

“Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.” (grifo nosso)

Por todo exposto, concluímos que é a empresa a maior responsável pelo cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, o que inclui a correta implantação do PCMSO e emissão dos ASOs. Isso, no entanto, não exclui a responsabilidade conjunta do médico que emitiu o “ASO avulso”. Leia o texto sobre as possíveis penalidades ao médico / clínica que emite “ASO avulso” através do link: http://bit.ly/fO7ihL

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

QUAIS OS RISCOS DO MÉDICO QUE EMITE "ASO AVULSO"?

Caros leitores.

Eis a pergunta que veio através de meu e-mail (a identidade do autor foi preservada, como de costume nesse blog):

“Olá Dr. Marcos,

Quais são as penalidades que o médico que emite “ASO avulso” pode sofrer?

Abraços

Dr. XXXX”

Conforme já colocado nesse blog, o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) não tem razão de existência se não estiver dentro de um programa maior chamado PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (leia o citado texto na íntegra através do link: http://bit.ly/gjLqCo )

Dessa forma, o médico que oferta ao empregador um “ASO avulso”, na minha modesta opinião, é igualmente negligente, pois está vendendo “gato por lebre”.

Fiscalizar as empresas no que tange ao cumprimento efetivo das normas de segurança e medicina do trabalho é atribuição dos auditores fiscais do trabalho, conforme nos ensina o Art. 156 da CLT. No entanto, os médicos que atuam junto às empresas devem também orientar às empresas quanto às referidas normas. Repouso meu entendimento no sentido de que o empregador que solicita um “ASO avulso” deve tomar ciência através do médico responsável pela emissão do ASO quanto à necessidade de se implantar na empresa o PCMSO, além de outros programas que se fizerem necessários. Por que? Pois o médico detém um conhecimento que o empregador, apesar de ser o grande responsável pela implantação do PCMSO, muitas vezes desconhece.

Ressalto aqui, que o ideal era que nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar desse país, se não estivesse dentro de um PCMSO. Mas irei adiante, e continuarei esse texto também com base na farta prática vista todos os dias, em todos os lugares do Brasil, onde se evidencia uma enormidade de “ASOs avulsos” sendo ofertados às empresas pelas clínicas de Medicina do Trabalho.

Retomando a pergunta que origina esse texto: quais são as penalidades que o médico que emite “ASO” avulso pode sofrer?

Respostas:

a)      Apesar de ainda não ser uma prática freqüente, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho poderá embargar e interditar à clínica de Medicina do Trabalho que emite o “ASO avulso” conforme item 3.3.1 da NR-3, além de também multá-la, conforme Anexo II da NR-28. Há relatos de que essa prática já é aplicada em algumas poucas cidades do Brasil (vide em: http://bit.ly/gjLqCo )

b)      Vamos falar de processos judiciais agora. Imaginemos que, no futuro, um dos empregados que detinha um “ASO avulso” acione juridicamente uma empresa (responsável pelo cumprimento das normas de medicina do trabalho, conforme Art. 157 da CLT) em virtude de uma hipotética doença ocupacional. Provavelmente será questionado se a empresa tinha (ou não) o PCMSO, ou se só emitia o “ASO avulso”. É fato que ninguém pode deixar de cumprir uma norma sob o argumento de não conhecê-la, mas, e se o empregador alegar nesse processo que o responsável pela não implantação do PCMSO foi o “negligente médico”, que apenas lhe fornecia os ASOs, e nunca o avisou quanto à necessidade de implantação do PCMSO? Como o empregador é o responsável maior pela implantação do PCMSO (ainda que desconheça sua atribuição), provavelmente terá que custear sozinho uma hipotética indenização ao empregado (devido a chamada “culpa in eligendo”, ou seja, a empresa arca com a responsabilidade de ter “escolhido mau” o médico que lhe prestou assessoria). No entanto, a empresa poderá também chamar o médico ao processo no sentido de dividir com ele a indenização (o que no Direito se chama de “denunciação da lide”), ou mesmo entrar com um processo futuro contra esse médico no sentido de reaver alguma indenização paga ao empregado (o que no Direito se chama de “ação regressiva”).

c)      Levando em conta as possibilidades processuais, até mesmo penalmente esse empregador/médico/clínica poderá ser penalizado, pelos fundamentos que se seguem:


>> Art. 19, parágrafo 2, da Lei 8.213 / 91: “Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.” Obs.: como o médico atua conjuntamente com a empresa no cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, ele também poderá ser acionado;

>> Art. 129 do Código Penal: “Ofender a integralidade corporal ou a saúde de outrem tem pena de detenção de 3 meses a 1 ano; se resultar em lesão corporal de natureza grave, a pena estende-se para 5 anos e, nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, a pena será de 2 a 8 anos.” Obs.: se entendermos que um “ASO avulso” muitas vezes não contempla os exames complementares necessários e obrigatórios à algumas práticas laborais, entendemos também que haverá, por parte do médico que o emitiu, ofensa clara à integralidade corporal ou à saúde de algum empregado, o que, de acordo com o Código Penal, se qualifica como crime.

>> Art. 132 do Código Penal: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave.”Obs.: se entendermos que um “ASO avulso” muitas vezes não contempla os exames complementares necessários e obrigatórios à algumas práticas laborais, entendemos também que, nessas circunstâncias, poderá ser configurada à exposição da vida ou saúde de um empregado a perigo direto ou iminente, por parte do médico que emitiu o “ASO avulso”.

Por todas as possibilidades de pena descritas (mesmo que algumas sejam bem remotas em nossa prática), ressalto mais uma vez, que o ideal era que nenhum ASO fosse feito, em nenhum lugar desse país, se não estivesse dentro de um PCMSO. Mas caso o “ASO avulso” seja ofertado a uma empresa, o mínimo que se exige do médico – que já está atuando de forma negligente - é de que ele documente que notificou à empresa quanto à necessidade do PCMSO. Esse documento poderá ser usado como parte da defesa do médico num processo futuro, embora não dê nenhuma garantia de que o magistrado não lhe imputará culpa, e conseqüente alguma indenização/pena pela oferta do “ASO avulso”. Esse documento também não isenta a clínica de Medicina do Trabalho que oferta o “ASO avulso” das penalidades possíveis advindas do Ministério do Trabalho. Ou seja, apenas ter esse documento está longe de ser ideal, mas alguém já disse: “entre o ruim e o péssimo, ainda é melhor o ruim.”

O tema é polêmico, eu bem sei. Sei também que falei de coisas que normalmente não se fala, mas que a prática está farta.

Fiquem à vontade para emissão de seus comentários. Eles certamente enriquecerão um bom debate sobre o assunto.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

sábado, 16 de abril de 2011

ADVOGADO PODE SER ASSISTENTE TÉCNICO? E PERITO?

Caros leitores.

Segue abaixo um e-mail que chegou até mim. Como praxe nesse blog, a identidade foi preservada.

“Dr. Marcos,

Bom dia.

Gostaria de V, sincera opinião quanto a existência de suspeição e até de princípios para nulidade de processos em que o médico perito, seja jurisperito, ou perito assistente das partes, também seja advogado que tenha interesses, tenha sido constituído em algum momento, ou tenha atuado como advogado para pessoas ou empresas ligados ao caso.

Conhece V.Sa. alguma Resolução do CFM, CRMs ou OAB, ou ainda artigos do CPC ou outras previsões quanto ao assunto?

Dr. XXXXX.”

Dividirei os comentários / respostas referentes ao texto acima em 2 partes: (a) quanto à atuação como assistente técnico; (b) quanto  à atuação como perito do juiz. Usarei como base de resposta apenas as normativas pertinentes a Justiça Comum e Justiça do Trabalho.

a)   Quanto à atuação como assistente técnico.

Assim nos traz o Código de Processo Civil (CPC), em seu Art. 429:

“O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.” (grifo nosso)

Portanto, o que o CPC deixa claro é: independente de quem seja o assistente técnico, independente de sua(s) ocupação(ões) profissional(is), ele não estará sujeito a impedimento ou suspeição. Sua atuação é permitida.

Alguns ainda entendem que os médicos “não podem assistentes técnicos da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)”, à luz do Art. 12 Resolução 1488 / 98 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Com todo respeito aos que assim pensam, meu entendimento é contrário, e alinhado com o já citado Art. 429 do CPC. Sobre o assunto, temos um texto já postado nesse blog, e facilmente visualizado através do link: http://bit.ly/dPZeqc

Enfim, respondendo uma das perguntas que origina esse texto: há impedimento ou suspeição quando um médico seja, ao mesmo tempo, assistente técnico de uma perícia médica e advogado de uma das partes no mesmo processo? Resposta: Não, conforme Art. 429 do CPC.

b)   Quanto à atuação como perito do juiz.

Conforme o inciso III do Art. 138 do CPC, os motivos de impedimento e suspeição aplicados ao juiz, também devem ser aplicados ao perito do juiz.

Sobre impedimento do perito do juiz, vejamos a interpretação do Art. 134 do CPC:

“Art. 134 - É defeso (proibido) ao juiz (e também ao perito do juiz) exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, (...), ou prestou depoimento como testemunha;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge (ou ele mesmo) ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau.”  (grifos nossos)

Sobre suspeição do perito do juiz, vejamos a interpretação do Art. 135 do CPC:

“Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz (e também do perito do juiz), quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz (e também do perito do juiz), de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.” (grifos nossos)

Portanto, respondendo a outra pergunta que origina esse texto: há impedimento quando o médico seja, ao mesmo tempo, perito médico do juiz e advogado de uma das partes no mesmo processo? Resposta: Sim, há impedimento (e não suspeição) conforme interpretação estendida do Art. 134, inciso IV do CPC, o que torna toda a eventual ação pericial passiva de nulidade.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha