segunda-feira, 20 de junho de 2011

PERITO DÁ APTO E MÉDICO DO TRABALHO DÁ INAPTO. E AGORA?


Vídeo-aula sobre esse texto:



Prezados leitores.

Um dos maiores problemas na prática da Medicina do Trabalho se estabelece quando: o Médico do Trabalho / "Médico Examinador", após ter qualificado o empregado como “inapto” à determinada função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas do INSS, sugerindo, mediante atestado médico, determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação.

O Médico Perito do INSS, por sua vez, após concessão de benefício previdenciário por um prazo menor do que o sugerido pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador", qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais. Qual a conduta mais apropriada do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" a partir daí, com relação ao empregado, a empresa, e ao INSS?

A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) assim nos traz no item 7.4.4.3: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu". Uma análise literal da norma supra nos mostra que essa definição de aptidão / inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", a quem coube a função de emitir o ASO.

No entanto, a Lei 11.907 / 09, em seu Artigo 30, parágrafo 3, assim coloca: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso exemplificado. No caso em tela, a Lei 11.907 / 09 goza de uma posição hierárquica privilegiada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que se classifica como Lei Federal Ordinária, enquanto que a NR-7 foi editada por força da Portaria do MTE n. 24 / 1994. Sendo assim, deve prevalecer a Lei 11.907 / 09.

Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Médico Perito do INSS deva, legalmente, prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador":

Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Nosso comentário: vemos que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS, e não pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador". Lembramos também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme art. 482 da CLT.

Lei 605 / 49, art. 6, parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Nosso comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Nosso comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecida primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

Por toda fundamentação legal exposta na situação exemplificada na introdução deste texto, ao receber esse empregado do serviço de Perícias Médicas do INSS, nosso entendimento é de que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá:

·         explicar ao trabalhador todas as repercussões (inclusive legais) do impasse instalado;

·         enfatizar junto ao empregado sobre todos os possíveis riscos à saúde advindos do seu ambiente de trabalho, nos termos dos Artigos 12 e 13 do novo Código de Ética Médica;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a interposição de pedido de reconsideração (PR) ou recurso junto ao INSS, explicando-lhe todas as possíveis consequências de cada possibilidade;

·         orientar e auxiliar esse segurado quanto a possibilidade de ação judicial em face da decisão proferida pelo serviço de perícias médicas do INSS, também explicando-lhe as possíveis repercussões;

·         enquanto vigorar a discordância com o serviço de perícias médicas do INSS, deverá considerar o empregado “apto” ao trabalho, revogando, inclusive, o seu próprio atestado, já emitido quando do encaminhamento inicial do empregado ao INSS. Nesse período de impasse, não há sustentação legal para que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (que age como se empresa fosse, conforme interpretação extraída do art. 932, inciso III, do novo Código Civil) confronte a decisão do Médico Perito do INSS, não recepcione esse empregado no trabalho, e ainda o mantenha afastado (especialmente, sem o pagamento do respectivo salário desse trabalhador). Sobre o tema, assim se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais / MG (RO nº 01096-2009-114-03-00-4):

EMENTA: AFASTAMENTO DO EMPREGADO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO DECLARADA PELO MÉDICO DA EMPRESA. Comprovada a tentativa do autor de retornar ao trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia a reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho, deixando de lhe pagar os salários. Como tal providência não foi tomada, fica a empregadora responsável pelo pagamento dos salários e demais verbas do período compreendido entre o afastamento do empregado e a efetiva concessão do beneficio previdenciário.

Portanto, além da devida documentação em prontuário médico, sugerimos que esse ASO de aptidão vá acompanhado de um documento que apresente a seguinte redação:

“O paciente ____ , RG _____ , teve o pedido de prorrogação (PP) indeferido, e/ou pedido de reconsideração (PR) indeferido, e/ou término de seu auxílio-doença em __/__/__. Diante do exposto, com fulcro no Artigo 482, alíneas “e” e “i” da CLT, combinado com Súmulas 15 e 32 do TST, e nas Leis 11.907 / 09 (art. 30, inciso I) e 605 / 49 (art. 6, parágrafo 2), sem outra alternativa de conduta, me submeto à decisão do INSS, e o qualifico como apto para retorno ao trabalho, com as devidas recomendações, enquanto se aguarda resposta ao pedido de reconsideração (PR) / recurso / nova perícia / decisão judicial. Recomendações: _____ .”

No entanto, sabemos que, na prática, muitas vezes, as “recomendações” (que muitos colegas preferem caracterizar com o uso do termo “restrições”) solicitadas praticamente se equivalerão à própria inaptidão desse empregado. Por isso, a partir de então, o bom senso e a boa habilidade de diálogo do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" junto ao empregado, ao empregador e ao INSS é que definirão a melhor conduta a ser tomada, sempre visando o bem maior: a preservação da dignidade, e da saúde do trabalhador (princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1o, inciso III da Constituição Federal de 1988). Sugerimos algumas possíveis condutas:

·         quanto ao INSS: caso haja possibilidade de aproximação com o serviço de perícias médicas do INSS no sentido de viabilizar uma solução para o caso, o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" deverá fazê-lo;

·         quanto ao empregador: nosso entendimento está firmado no sentido de que o empregador precisa entender toda essa problemática, com todos os seus fundamentos legais, e também as prováveis repercussões em casos de processos judiciais futuros. Assim, o ideal, é que haja um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador, e que o empregado atue por lá enquanto não estiver no pleno de sua capacidade laboral (do ponto de vista do Médico do Trabalho / "Médico Examinador"). Isso não deve ser confundido com o chamado "desvio de função", comumente usado para fins de pagamentos de menores salários. No caso em questão, o motivo da mudança da atividade laboral se justifica pela preservação da dignidade do empregado, uma garantia constitucional. A manutenção do empregado na mesa função (caso haja possibilidade de agravamento da doença / acidentes) deve ser fortemente contraindicada. Além dos riscos indesejáveis ao trabalhador, caso haja algum dano, o próprio empregador poderá ser penalizado com fulcro nos artigos 129 e 132 do Código Penal, e 927 do novo Código Civil. Dessa forma, não havendo algum ambiente inócuo em que se possa acomodar o empregado durante sua completa convalescença,  até mesmo a permanência do empregado em sua própria residência, sem o desconto no respectivo salário (situação em que a falta será considerada justificada, conforme art. 131 da CLT) deverá ser considerada pelo empregador.

Na vigência do impasse entre Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho, a empresa poderá dispensar esse empregado?

Sendo considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. Lembremos que de forma submissa ao INSS o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" terá que considerá-lo “apto” para retorno ao trabalho, logo, também estaria “apto” num eventual exame demissional que fizesse. Ratificamos que os critérios seguidos pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, em todos os exames ocupacionais (admissional, periódico, demissional, etc.), devem ser os mesmos para que não haja avaliações discriminatórias, com “dois pesos e duas medidas”. No entanto, mesmo com a possibilidade legal da dispensa arbitrária (sem justa causa) desse empregado pelo empregador, entendemos que tal conduta deva ser muito bem pensada (veja nossa proposta de conduta em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n ). Há exemplos de empregados dispensados que, mesmo estando “aptos” pelo Médico Perito do INSS, e pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento por questões relacionadas à saúde, e obtiveram indenizações favoráveis (conforme melhor elucidamos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/AF84yJ ).

Vale lembrar que a Justiça do Trabalho considera o empregado como a parte hipossuficiente na relação de trabalho, o que demanda uma série de precauções a serem tomadas pelo empregador na construção de sua própria segurança jurídica.

Inequivocamente, para explorarmos as situações mais dramáticas do nosso cotidiano, na situação exposta ao longo de todo esse texto, praticamente desconsideramos as possibilidades de sucesso dos pedidos de reconsideração (PR) junto ao INSS, e até mesmo das sentenças favoráveis ao empregado em ações judiciais instauradas.

Concluindo: legalmente, com relação à aptidão laboral, a decisão do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador", por mais polêmico que isso seja. No entanto, o assunto extrapola as balizas legais fazendo com que o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" assuma uma posição de destaque na conciliação de todos os atores envolvidos: empregado, empregador e INSS. Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" ter que acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS, por obediência legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese. Numa tentativa de sempre sintonizar as condutas entre Médico Perito do INSS, e Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, sugerimos a leitura de outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

O Médico do Trabalho que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS tem sua autonomia afrontada?

Muitos dirão: “a sugestão de conduta proposta ao longo desse texto afronta a autonomia do ato médico praticado pelo Médico do Trabalho, e, portanto, fere o Código de Ética Médica.” Lembremos que toda autonomia profissional é balizada pela legislação vigente. Toda! Por exemplo, o juiz de direito tem autonomia para julgar como quer, mas se afrontar alguma lei, terá sua sentença revista e poderá responder administrativamente e judicialmente. Os jornalistas têm autonomia para falar o que desejarem, mas se violarem as leis, poderão ser punidos.  Enfim, nem o próprio Presidente da República goza de autonomia plena, também tendo seu exercício balizado legalmente. Quanto ao médico, por que a regra seria diferente? O próprio Código de Ética Médica dedica o maior número de suas páginas restringindo a autonomia dos médicos. Tanto é assim, que dos 14 capítulos do novo código, 11 começam com o dizer “é vedado ao médico...”, o que em outras palavras significa: o médico não tem autonomia para...

Para exemplificar melhor: a regra do Código de Ética Médica é o sigilo das informações obtidas quando do exercício profissional. Porém, o art. 73 do mesmo código faz ressalvas à obrigatoriedade desse sigilo, incluindo entre as causas o “dever legal” de se revelar as informações obtidas no ato médico. Isso implica dizer que, para que se cumpra a lei, dependendo do caso, o médico não tem autonomia para guardar determinadas informações de seus pacientes sob sigilo profissional pleno.

Importante lembrar que, pelas regras do nosso ordenamento jurídico, as leis possuem hierarquia privilegiada e devem prevalecer sobre às resoluções profissionais (como é o caso do próprio Código de Ética Médica), quando em eventuais conflitos entre essas normas (antinomia).

Em suma, o profissional médico goza de plena autonomia para tomar a conduta que melhor julgar em prol do seu paciente, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos. A autonomia profissional jamais deu o direito de alguém exercer sua profissão fazendo tudo que quiser, e como quiser, mesmo que cheio de ótimas intenções. Que bom que seja assim! Os limites são necessários, sempre. Cabe aqui uma chocante (porém verdadeira) analogia: autonomia profissional (de qualquer profissão) é como liberdade de zoológico, ou seja, o profissional tem a liberdade que quiser, desde que não saia da jaula (aqui representando os limites legais).

Por todo exposto, concluímos que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” que, mesmo não concordando, se submete à decisão do Médico Perito do INSS, o faz, acima de tudo, por correto cumprimento do seu dever legal. A autonomia do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deve ser sempre respeitada, desde que não ultrapasse os limites legais estabelecidos.

Quais as conseqüências possíveis para o Médico do Trabalho que, discordando da conduta do Médico Perito do INSS, faz valer sua própria decisão?

Mais uma vez, ressaltamos que não defendemos uma concordância “cega” e inconseqüente do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” para com o Médico Perito do INSS. Muito pelo contrário! O que propomos é que, na vigência do impasse, a decisão do Médico Perito do INSS seja acatada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” por uma questão legal (conforme já vimos de forma fundamentada), e que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” assuma uma posição mediadora entre empregador, empregado e INSS, sempre defendendo a saúde do trabalhador. Nesse contexto, por exemplo, se o Médico Perito do INSS concedeu capacidade laboral ao trabalhador, e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” entenda que não há essa capacidade, poderá considerá-lo: (a) “apto com recomendações”, ou (b) “apto com contraindicação à função”, conforme sugerimos em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/rdHf0n

Conforme já colocado nesse texto, e aqui enfatizado, até mesmo um maior tempo de repouso do empregado, em sua própria residência, mediante remuneração do empregador, deve ser considerado. Obviamente que, em todas essas situações, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá sair de seu consultório e se tornar um eficaz gerenciador de conflitos, um mediador de calorosos diálogos. Deverá explicar, tanto ao empregador, quanto ao trabalhador, toda legislação (já mostrada nesse texto) e demais repercussões referentes a esse tema.  Talvez seja essa a dificuldade de muitos médicos, e é justamente deles que a sociedade mais necessita.

Muitos dirão: “legalmente esse texto está correto, mas o Médico do Trabalho jamais deve se submeter à decisão do Médico Perito do INSS, caso não concorde com essa decisão”. Obviamente que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” tem todo direito de não concordar com a conduta que sugerimos nesse texto. Mas quando esse profissional reconhece que os fundamentos legais estão corretos, na verdade, não está discordando desse texto, mas das leis do nosso país. Apenas fazendo uma analogia, é provável que muitos não concordem com o elevado imposto de renda que pagamos... e mesmo assim pagamos. Por que? Pois trata-se de uma questão legal, e sua não obediência traz conseqüências indesejáveis. Assim, uma coisa é não concordar e lutar para que as leis se modifiquem. Outra coisa, bem diferente, é não cumprir as leis estabelecidas, de forma deliberada. Se a moda pega, instala-se de fato a anarquia. Que Deus nos livre disso.

Alguns ainda sustentarão: “é uma falta de responsabilidade e negligência do Médico do Trabalho conferir aptidão laboral a alguém, apenas por obediência à decisão do Médico Perito do INSS”. Falando em responsabilidade, imaginemos então que um Médico do Trabalho / “Médico Examinador” insista em qualificar como “inapto” um trabalhador que acaba de retornar do INSS com a capacidade laboral reconhecida. Mesmo sendo uma conduta ilegal (conforme fartamente exposto nesse texto), essa conduta poderia até ser qualificada como “parcialmente responsável”, uma vez que se reveste de uma ótima (e verdadeira) intenção: a proteção da saúde do trabalhador.

No entanto, para que essa conduta seja qualificada como “completamente responsável”, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá também alertar o trabalhador sobre todos os riscos dessa “ilegalidade muito bem intencionada”, num discurso completo, parecido com esse: “Sr. Trabalhador, o Perito do INSS entende que o Senhor pode voltar ao trabalho, mas eu discordo e o qualificarei como ‘inapto’ (descumprindo assim a Leis 605 / 49 e a Lei 11.907 / 09). Sendo assim, fique em sua residência até sua saúde melhorar por completo. Não se preocupe, pois se nem a Justiça, e nem o INSS reconhecerem seu benefício; e também o empregador não concordar em pagar o seu salário integral durante sua ausência (conforme permitido pela interpretação do art. 60, parágrafo 3o, da Lei 8.213 / 91), eu mesmo pagarei. Mais do que isso: se em virtude das muitas faltas ao trabalho, o Senhor for dispensado do emprego por justa causa (nos termos do art. 482, alíneas “e” e “i”, da CLT), eu mesmo vou pagar o seu acerto como se fosse uma dispensa sem justa causa, ou seja, o Senhor não perderá os seus direitos.” Fica então a pergunta: vale a pena o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, mesmo que cheio de ótimas intenções, agir de forma ilegal, afrontar a decisão do Médico Perito do INSS, e assumir todas as conseqüências disso?  
       
Pra finalizar esse tópico, é muito comum ouvirmos pacientes que regressam de uma perícia médica do INSS dizendo: “o médico nem me examinou”. É bom lembrarmos que essa afirmação está vindo, quase sempre, de alguém que teve sua pretensão resistida. Pode ser absolutamente verdadeira, mas também pode não ser. Independente da especialidade dos médicos que leem esse texto, sugerimos que esses profissionais façam ocasionalmente uma avaliação anônima dos seus próprios atendimentos. Muitos se surpreenderão! Por melhores que sejam esses médicos, alguns pacientes reprovarão suas condutas e relações interpessoais. Alguns os criticarão impiedosamente. Muitos também dirão: “esse médico nem me examinou”. Mas isso não será motivo para culpas e intranquilidades! O fato é que jamais qualquer médico conseguirá agradar a todos a quem atende. Jamais! Conforme o secular ditado, “o médico só pode se considerar maduro e experiente quando, ciente de todas as insatisfações dos seus pacientes, consegue amá-los cada dia mais.” Esse deve ser o caminho dos que escolheram a medicina como ofício.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

domingo, 12 de junho de 2011

MÉDICO-PERITO OU PERITO-MÉDICO?

Caros leitores.

Imaginem um juiz de futebol e seus auxiliares ("bandeirinhas"). Imaginem agora que, se para cada xingamento que um “bandeirinha” recebesse da torcida adversária, esse mesmo auxiliar paralisasse o jogo para revidar esse ataque verbal junto à torcida agressora?  Difícil até de imaginar, tamanha estranheza do fato. Num processo judicial, o juiz é como o árbitro, e os médicos (os engenheiros, os contadores, etc.) peritos são seus auxiliares (“bandeirinhas”).  Essa afirmação e analogia, faço em cima do Art. 139 do Código de Processo Civil (CPC), que assim coloca: "são auxiliares do juízo, além de outros, cujas normas são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete.

          Assim como o “bandeirinha”, o perito judicial deve saber, antes de tudo, que é inerente à sua função desagradar uma das partes e, por vezes, até todas as partes envolvidas num processo. Sendo assim, embora indesejável, é natural e previsto que ataques escritos e verbais ocorram contra o perito dentro de um processo judicial, especialmente por parte daquele(s) que não fora(m) beneficiado(s) pela presumível verdade do laudo pericial.

O que fazer quando, na posição de perito, se é alvejado por calúnias e difamações por uma das partes? Entendemos que, nesses casos, toda indignação é legítima e permitida ao perito. Aliás, acreditamos que o ideal era que o próprio juiz, de ofício, se posicionasse a favor do seu auxiliar (o perito), o que na prática pouco se vê, por diversos motivos. Ao perito então, só não indicamos que essa sua indignação seja expressa dentro do mesmo processo, e sim, por exemplo, dentro de um processo específico para esse fim. É legítimo ao perito procurar se reestabelecer do hipotético e injusto ataque, mas não é recomendável que o faça dentro do mesmo processo no qual figura apenas como auxiliar do juiz (e não como parte).

Caso a resposta do perito se dê dentro do mesmo processo, isso equivaleria a um exemplo onde o "bandeirinha" repentinamente tentasse participar ativamente de um jogo de futebol, chamando à atenção do jogo para seus próprios anseios, mesmo sem fazer parte de nenhum time que estivesse em campo disputando a partida (aqui representando as partes do processo): cômico, se não fosse trágico. Em suma, discrição, imparcialidade, compromisso, autocontrole e técnica: acreditamos que essas sejam as maiores virtudes que um perito pode ter (e por isso merece ser muito bem remunerado).

Importante lembrar também que, de maneira análoga, os próprios elogios ao perito (quando aparecem) são, a princípio, viciados e contestáveis, uma vez que normalmente provém da parte que foi agraciada pela presumível verdade do laudo pericial.

Resumindo, ser perito não combina com ser vaidoso! Tanto o mais carinhoso dos elogios como a mais dura das críticas devem ser minimizados pelo perito, para o seu próprio bem e blindagem emocional. Ratificamos: discrição, imparcialidade, compromisso, autocontrole e técnica. Acreditamos que essas sejam as maiores virtudes que um perito pode ter (e por isso merece ser muito bem remunerado).

Voltemos a imaginar um juiz de futebol e seus auxiliares ("bandeirinhas"). Imaginem agora que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível!

Assim, analogamente, concluímos que os peritos (auxiliares) não obedecem regras processuais próprias, mas sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo juiz. O perito jamais deve se esquecer do seu mais importante papel dentro de um processo judicial: auxiliar ao magistrado na formação de seu convencimento, para posterior prolatação da sentença.

Por todo exposto, mesmo com enorme respeito às opiniões divergentes, entendemos que, no caso dos médicos na função de peritos judiciais, estes são, acima de tudo, peritos-médicos, e não médicos-peritos. O fato de serem médicos em nada altera a sua maior função dentro de um processo judicial: auxiliar ao juiz na formação de seu convencimento. Ou seja, o fato de serem médicos não altera o fato de atuarem, acima de tudo, como peritos.

Um forte abraço à todos, e até terça-feira (21/06), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus noa abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quinta-feira, 9 de junho de 2011

TESTE DE HIV NO EXAME ADMISSIONAL É PERMITIDO?

Prezados leitores.

Quando se fala na solicitação de sorologia para HIV em exames relativos ao trabalho, a polêmica facilmente se instaura.

Pela efervescência da matéria sobram normativas entre as quais citamos algumas:

Portaria 1.246 / 2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, Art. 2º: "Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV.

Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados."

Nosso comentário: essa portaria foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e é direcionada apenas aos que estão sujeitos à relação de emprego. Mas o que é relação de emprego? Trata-se de uma relação de trabalho que está calcada no regime celetista (CLT), como estabelece com seus empregados a maior parte das empresas. Os servidores públicos estaduais e municipais, por exemplo, podem estar submetidos à estatutos próprios que são omissos quanto a esse tema. Nesses casos essa portaria não teria validade (a menos que fosse objeto de discussão judicial ou administrativa, onde os efeitos dessa portaria fossem requeridos por analogia). Obs.: para os servidores públicos federais já existe a Portaria Interministerial 869 / 1992:

Portaria Interministerial 869 / 1992: "Proíbe, no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência."

Na mesma esteira, vem a Resolução 1.665 / 2003 do Conselho Federal de Medicina, Art. 4º: "É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV."

Pelas normativas expostas, concluímos que não se deve solicitar sorologia para HIV de forma compulsória, em nenhuma hipótese.

Algumas perguntas são freqüentes sobre o tema:

a) No exemplo de um instrumentador cirúrgico: não há o risco de contaminação dos pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante, e esse instrumentador seja HIV positivo? O Médico do Trabalho / “Médico Examinador” não deveria pedir o teste de HIV no exame admissional para os instrumentadores cirúrgicos?

R.: Há um incontestável risco de contaminação de pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante envolvendo um profissional que seja HIV positivo (seja instrumentador cirúrgico, seja o próprio médico, etc.). Nossa legislação, no entanto, entende que apesar do risco evidente, não há fator impeditivo para que este profissional exerça a função de instrumentador cirúrgico, apenas pelo fato de ser HIV positivo. A razão é compreensível: que tipo de cuidado diferente para se evitar um acidente com perfurocortante tem o trabalhador que é HIV positivo, quando comparado a um trabalhador que tem sorologia desconhecida? Absolutamente nenhum! A prevenção deve seguir o mesmo rigor, para TODOS os trabalhadores (independente da sorologia). Dessa forma, a solicitação do teste de HIV é proibida, inclusive para trabalhadores da área da saúde, sob pena de ser qualificada como conduta discriminatória. Para reflexão: já imaginaram se todos os pacientes tivessem o direito de exigir sorologia de HIV, Hepatite, etc., para os cirurgiões que os fossem operá-los?

b) Voltando ao exemplo de um instrumentador cirúrgico, caso já tenha ocorrido o acidente com perfurcortante, mas não há confirmação que este instrumentador seja HIV positivo: poderá esse trabalhador se recusar a fazer o teste anti-HIV, caso solicitado?

R.: Sim. Vejamos o que diz o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional à Material Biológico do Ministério da Saúde:

“A solicitação de teste anti -HIV deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste do paciente-fonte com informações sobre a natureza do teste, o significado dos seus resultados e as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.”

E continua:

“A recusa do profissional para a realização do teste sorológico ou para o uso das quimioprofilaxias específicas deve ser registrada e atestada pelo profissional.”

Percebemos que o próprio Ministério da Saúde considerou a possibilidade de recusa do profissional para realização do teste de HIV. Tanto assim, que preconizou o início da quimioprofilaxia preventiva em casos de acidentes com perfurocortantes, mesmo sem a certeza quanto à sorologia do paciente/trabalhador-fonte.

Pelo exposto, perguntamos também: de acordo com o Protocolo do Ministério da Saúde, qual a diferença de conduta pós-acidente quando se tem conhecimento que o paciente/trabalhador fonte é HIV positivo, quando comparamos com uma situação onde não se conhece a sorologia do paciente/trabalhador fonte? De novo, absolutamente nenhuma! A quimioprofilaxia preventiva será realizada, de igual forma, nos dois casos.

Ora, se despirmos honestamente de todos os nossos preconceitos, fica fácil entender porque a solicitação de HIV de forma compulsória é proibida, mesmo para trabalhadores que atuam em ambiente hospitalar: se as prevenções pré-acidentes e as condutas pós-acidentes são as mesmas para trabalhadores e pacientes HIV positivos, ou com sorologias desconhecidas, a ausência do conhecimento prévio da sorologia não gera prejuízo, nem na prevenção do acidente, nem nos procedimentos pós-acidentes. Qual seria a justificativa da obrigatoriedade da solicitação da sorologia de HIV, se não a justificativa discriminatória?

c) Solicitar exame para hepatite também é proibido?

R.: O tema HIV, por toda repercussão que provoca, conseguiu ser mais legislado do que outras situações de saúde. Nosso entendimento, é que a análise de hepatite, e todas as doenças de transmissão através do sangue, sejam feitas de forma análoga a análise do HIV, parcimoniosa e dentro do maior bom senso e discrição possíveis. Só não valem condutas discriminatórias!

d) Já que não é permitido pedir sorologia para HIV nos exames relacionados ao emprego, isso implica dizer que um trabalhador HIV positivo sempre estará apto ao trabalho?

R.: De forma alguma! O que a legislação entende é que não é pela sorologia de HIV que se define o “apto” ou “inapto”. Apenas isso. Agora, se o quadro clínico do trabalhador estiver incompatível com sua função, ele certamente deverá ser considerado “inapto” ao trabalho, sob pena de estar havendo omissão e negligência do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ao expor esse empregado à condições incompatíveis com seu quadro, condições estas que podem oferecer riscos ao próprio empregado.

Percebam: a inaptidão pelo empregado estar debilitado clinicamente é permitida (e necessária). Já a inaptidão apenas pelo fato do empregado ser HIV positivo (mesmo gozando de boas condições de saúde) é discriminatória, nos termos da legislação em vigor.

Concluindo: por mais controverso que pareça aos olhos de muitos profissionais da saúde (médicos, inclusive), as leis brasileiras entendem que o fato do indivíduo ser HIV positivo não o impede, só por essa circunstância, do exercício de QUALQUER função laboral. Seja no serviço privado, ou serviço público federal (conforme normativas acima), a solicitação rotineira e obrigatória de teste para detecção de HIV configura-se como prática discriminatória.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

Julgado relacionado ao tema: http://bit.ly/khDjK7

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O QUE CONSIDERAR COMO "RISCO DE ACIDENTE"?

Caros leitores.

Uma questão sempre muito intrigante entre os Médicos do Trabalho é: quais riscos elencar no PCMSO? Apenas os riscos trazidos na NR-9, ou seja, físicos, químicos, e biológicos? Ou devem constar também os riscos ergonômico e de acidente?

Primeiramente, cabe-nos lembrar, que assim coloca o item 7.2.4 da NR-7:

"O PCMSO deverá ser planejado e implantado com base nos riscos à saúde dos trabalhadores, especialmente os identificados nas avaliações previstas nas demais NR."

Portanto, considero completamente inadequada a interpretação de que o PCMSO (NR-7) deve ser feito com base apenas no PPRA (NR-9). Sendo assim, a NR-17 (Ergonomia), por exemplo, deve estar alinhada com o PCMSO, e seus riscos (quando houverem), merecem ser elencados.

Pela grande extensão do assunto, neste momento, quero focar apenas no chamado "risco de acidente".

O que é "risco de acidente"? Se pensarmos que o acidente que estamos falando é o chamado "acidente do trabalho", teremos fatalmente que nos remeter ao conceito legal vigente trazido pelos artigos 19 e seguintes da Lei 8.213 / 91. Lá, observaremos que, até no trajeto para o trabalho, caso haja acidente de trânsito, este será considerado como "acidente do trabalho".

Nesse contexto, a pergunta que se faz é: quem então estaria isento de um "acidente do trabalho"? O "risco de acidente" deverá ser colocado então para todos os empregados de uma determinada empresa? Entendo que não, pelos fundamentos que passo a colocar a seguir.

Diz o item 7.4.4.3, alínea "b" da NR-7:

"O ASO deverá conter no mínimo: os riscos ocupacionais específicos existentes, ou a ausência deles, na atividade do empregado, conforme instruções técnicas expedidas pela Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho - SSST."

Por sua vez, o Despacho da SSST de 01/10/96, assim coloca:

“Devem constar do ASO (e consequentemente no PCSMSO - grifo nosso) os riscos passíveis de causar doenças, exclusivamente ocupacionais, relacionadas com a atividade do trabalhador e em consonância com os exame complementares de controle médico;

Entende-se risco(s) ocupacional(ais) específico(s) o(s) agravo(s) potencial(ais) à saúde a que o empregado está exposto no seu setor/função. O(s) risco(s) é(são) o(s) detectado(s) na fase de elaboração do PCMSO.

Apesar de sua importância, não devem ser colocados riscos genéricos ou inespecíficos como stress por exemplo, e nem riscos de acidentes (mecânicos), como por exemplo, risco de choque elétrico para eletricista, risco de queda para trabalhadores em geral etc.

Não obstante a importância deste Despacho, não houve de forma clara alguma definição de "risco de acidente" para se colocar no PCMSO / ASO, prevalecendo ainda o subjetivismo do Médico do Trabalho.

Nesse contexto, estabelecemos em nossa prática da Medicina do Trabalho um protocolo próprio, feito com base nos seguintes fundamentos legais:

>> a NR-15 (Insalubridade) elenca agentes físicos, químicos e biológicos passivos de tornar um ambiente laboral insalubre;

>> a NR-16 (Periculosidade) elenca situações nas quais a periculosidade será constatada. Parece (e é) redundante, mas só faz jus ao adicional de periculosidade, trabalhadores expostos ao perigo. Mas perigo de que? Resposta: perigo de ACIDENTES, com combustíveis, inflamáveis, radiações ionizantes e eletricidade (conforme os anexos da NR-16).

>> a NR-17 (Ergonomia) versa sobre fatores ergonômicos relacionados ao trabalho.

Assim, além do estudo da NR-9, usamos também essas 3 NRs citadas nas definições dos riscos do PCMSO / ASO, conforme o seguinte critério:

>> NR-15 : riscos físicos, químicos e biológicos.

>> NR-16: riscos de acidentes.

>> NR-17: riscos ergonômicos.

Conforme já dito, atualmente, a própria legislação reconhece 4 situações passivas de gerar periculosidade (acidentes) de acordo com a NR-16: trabalhos com combustíveis, inflamáveis, radiações ionizantes e eletricidade. Em cima dessas situações apenas, temos demarcado o "risco de acidente".

Concluindo: por toda fundamentação exposta acima, em nossa prática da Medicina do Trabalho, para que não prevaleça a subjetividade vigente, elencamos como "risco de acidente" apenas algumas situações que estejam associadas à trabalhos somente com combustíveis, inflamáveis, radiações ionizantes e eletricidade.

Um abraço a todos, e até a próxima segunda-feira (13/06), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 6 de junho de 2011

DOMÉSTICA TEM DIREITO À ESTABILIDADE PÓS ACIDENTE?


Vídeo introdutório desse texto:



ERRATA: em 1min35s do vídeo acima, há um equívoco. Favor considerarem o seguinte trecho como correto:  "...porque os empregados das empresas, em geral, eles recebem, quando em atestado médico, os primeiros quinze dias do empregador, e a partir do décimo sexto eles recebem da previdência..." (e não da empresa como foi dito equivocadamente no vídeo).



Prezados leitores.

Vejamos o que diz o art. 118 da Lei n. 8.213 / 91:

“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.”

Percebam que a lei estabelece uma condição básica para que se tenha direito à estabilidade mínima de 12 meses no emprego após ocorrência de acidente de trabalho: o gozo prévio do auxílio-doença acidentário por parte do segurado.

Empregada doméstica tem direito ao auxílio-doença acidentário? A revogada Instrução Normativa n. 20 / 07, em seu art. 211, § 1º, assim colocava:

“Será devido o benefício de auxílio-doença decorrente de acidente do trabalho ao segurado empregado (exceto o doméstico), trabalhador avulso e segurado especial.”

Pelo texto, a empregada doméstica não teria direito à estabilidade mínima de 12 meses após um acidente de trabalho em virtude de sua impossibilidade do gozo do auxílio-doença acidentário. O próprio site da previdência (visualizado em janeiro de 2012*) assim coloca:

“Têm direito ao auxílio-doença acidentário o empregado, o trabalhador avulso, o médico-residente e o segurado especial.”

Percebemos que há uma exclusão clara da empregada doméstica do elenco dos que fazem jus ao auxílio-doença acidentário. Assim, estaria também excluída da empregada doméstica uma hipotética estabilidade provisória advinda de um acidente de trabalho. A decisão a seguir reflete o posicionamento majoritário dos magistrados, e corrobora com esse raciocínio:

EMENTA: “ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. EMPREGADO DOMÉSTICO. INDEVIDA. A estabilidade acidentária prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91 não foi estendida aos domésticos porque o artigo 18, § 1º da referida lei restringe o auxílio-doença e disposições especiais relativas a acidente de trabalho, gênero do qual os portadores de moléstia profissional constituem espécie, aos segurados e respectivos dependentes mencionados nos incisos I, VI, e VII do artigo 11 da citada norma, não estendendo o benefício, deliberadamente, aos empregados nominados no inciso II, ou seja, os empregados domésticos.” (Processo 00605-2008-013-18-00-4)

No entanto, vejamos o que diz a vigente Instrução Normativa n. 45 / 10, em seu art. 275:

“O direito ao benefício de auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, deverá ser analisado com base na DII (data do início da incapacidade) fixada pelo PMP (perito médico previdenciário) para o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual, facultativo, segurado especial e para aqueles em prazo de manutenção da qualidade de segurado.”

Pela interpretação do texto acima, conquanto ainda não seja o entendimento majoritário dos julgadores trabalhistas, torna-se razoável admitir que a empregada doméstica também tenha direito ao auxílio-doença acidentário e, por consequência, também tenha direito à estabilidade mínima de 12 meses após ter sofrido acidente de trabalho (caso tenha gozado do referido benefício).

Uma decisão do TRT da 9ª Região (ROPS-00121/2003, Processo TRT-PR-51.210/2002-665-09-00-1, Sessão de 15/05/2003) assentou fazer jus o trabalhador doméstico à estabilidade no emprego de, no mínimo, doze meses após retomar sua “aptidão” laboral, uma vez comprovado o acidente de trabalho. A justificativa foi a seguinte:

“Quando a Constituição prevê que a Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social) será universal, não permite exclusão de qualquer trabalhador do seu alcance protetor.”

Se seguirmos nessa linha, outra questão merece ser estudada. Vejamos o que diz o art. 60 da Lei n. 8.213 / 91:

“O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.”

A empregada doméstica está inclusa entre os “demais segurados” citados no texto legal. Isso quer dizer que, em casos de afastamento do trabalho da empregada doméstica mediante atestado médico, o auxílio-doença (seja ele previdenciário ou acidentário) deve ser pago à empregada doméstica já desde o primeiro dia de afastamento.

Assim, podemos concluir, por exemplo, que: se uma empregada doméstica (segurada da previdência) ficasse apenas 3 (três) dias afastada de suas funções laborais mediante atestado médico, em virtude de um leve acidente de trabalho, ela já poderia receber auxílio-doença acidentário do INSS (com fulcro na literalidade do art. 60 da Lei n. 8.213 / 91 combinado com a literalidade do art. 275 da Instrução Normativa n. 45 / 10), e consequentemente fazer jus à estabilidade mínima de 12 meses no trabalho, logo após regressar ao emprego (conforme art. 118 da Lei n. 8.213 / 91), mesmo tendo ficado afastada por apenas 3 (três) dias. No mínimo, intrigante!

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha
*  http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=148