segunda-feira, 25 de julho de 2011

EMPRESA PODE EXIGIR CID NO ATESTADO?



Quer saber mais sobre atestados?

Dias 14 e 15 de novembro - em São Paulo/SP:



Vídeo-aula sobre esse texto: 



Prezados leitores.

Eis a pergunta que veio através do meu e-mail:

“Marcos.
(...)
Tenho uma clínica de Medicina do Trabalho em XXXX. Uma empresa local não aceita atestados médicos que eu emito, a não ser que tenha CID. Sei que não sou obrigado a colocar CID, conforme regras do CRM, mas acabo colocando assim mesmo. Há alguma sugestão nesse caso?
(...)
Dr. XXXX”


Primeiramente, cabe uma outra pergunta: por quê uma empresa recusaria um atestado médico emitido pelo ortopedista de um de seus empregados? Só conseguimos ver uma resposta que seja eticamente e moralmente aceitável: por desconfiança quanto à verdadeira necessidade dos dias propostos para afastamento nesse atestado. Considerando que os chamados “atestados graciosos” (atestados que sugerem um número de dias de afastamento maior do que o necessário) existem em abundância, torna-se compreensível a contínua desconfiança das empresas quanto aos atestados trazidos por seus empregados.

Por uma questão lógica, podemos afirmar que somente os profissionais do serviço médico da empresa possuem o gabarito técnico e científico de, eventualmente, confrontar os atestados emitidos por outros médicos que assistam os empregados. O chefe do departamento de recursos humanos (RH), por exemplo, normalmente não possui conhecimento técnico para avaliar os atestados trazidos pelos trabalhadores. Assim, como regra, concluímos que a empresa, sem o seu serviço médico, não deveria negar a eficácia de nenhum atestado trazido por seus empregados. Não deveria, mas existem várias empresas que compartilham dessa prática.

Ratificando, somente as empresas que dispuserem de serviço médico, possuem a condição técnica de avaliar um trabalhador (através de um novo exame clínico), no sentido de certificar a veracidade e coerência do atestado trazido. Corrobora com esse raciocínio a Lei n. 8.213 / 91, em seu art. 60, § 4º:

“A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º (aos 15 primeiros dias de afastamento — grifo nosso) somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias.”

Sobre a postura do serviço médico da empresa frente aos atestados trazidos por seus funcionários, advogamos com veemência a tese de que não basta que esse serviço “homologue” (ou não) os atestados trazidos, simplesmente aceitando-os ou negando-os. A avaliação documental do atestado trazido pelo empregado é importante. No entanto, muito (mas muito) mais importante é a realização de um novo exame clínico nesse trabalhador, feito pelo próprio serviço médico da empresa. É esse novo exame clínico que mostrará a coerência (ou não) do atestado trazido pelo empregado, tornando mais justa (e segura) sua avaliação. Assim, sugerimos sempre que o serviço médico da empresa só recuse (ou não) algum atestado trazido pelo trabalhador após um novo e detalhado exame clínico. Exploramos fartamente esse tema em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w


  Qual a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico?  Antes de respondermos a essa pergunta, faz-se necessário algumas considerações sobre a legalidade dos atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho.

O enunciado da Lei 605 / 49, art. 6o, parágrafo 2o, assim coloca:

“A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

  Na mesma linha, vem a Súmula n. 15 do Tribunal Superior do Trabalho:

“A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Complementando, vejamos o que diz a Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III:

"Compete ao cirurgião dentista: atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive para justificação de faltas ao emprego."  

Pelo exposto, observamos que, pela Lei 605 / 49, combinada com a Lei 5.081 / 66, somente médicos e odontólogos podem emitir atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Percebemos também que essas leis não citaram nenhuma outra profissão. Nenhuma.

Importante salientar que essas leis são válidas apenas para trabalhadores vinculados a empresas privadas, ou para servidores públicos regidos pela CLT, conforme estabelece o art. 1 da Lei 605 / 49; e o já citado artigo 6, inciso III, da Lei 5.081 / 66, ao usar o termo “emprego” – palavra atribuída a uma relação trabalho balizada pela CLT. O Direito Público, em regra, tem suas próprias regras (estatutos).

Pela a análise do art. 6o, parágrafo 2o, da Lei 605 / 49, percebemos também uma clara hierarquia entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. A palavra “sucessivamente” não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a isso. Conforme essa hierarquia, assim são valorados os atestados médicos:

·  1o lugar: atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

·  2o lugar: atestado de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

·  3o lugar: atestado de médico da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do "Médico Examinador", nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

·  4o lugar: atestado de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

·  5o lugar (e último): qualquer outro médico que o trabalhador escolher.

Na mesma esteira, assim julgou o Tribunal Superior do Trabalho (RR- 18-84.2010.5.12.0010):

EMENTA: “RECURSO DE REVISTA. SUMARÍSSIMO. ABONO DE FALTAS - ATESTADO FORNECIDO POR MÉDICO SEM VINCULAÇÃO COM A EMPRESA. A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecida em lei (Súmula/TST nº 15). Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 (quinze) dias de ausência ao trabalho (Súmula/TST nº 282). Recurso de revista conhecido e provido.”

No entanto, pelo ensinamento trazido pela Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III, entendemos que o art. 6o, parágrafo 2o, da Lei 605 / 49 pode ser também interpretado usando como equivalentes as palavras “médico” e “odontólogo”, únicos profissionais outorgados, mediante leis ordinárias, para emissão de atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Assim, legalmente, consideramos correta (e completa) a seguinte hierarquia de atestados:

·  1o lugar: atestado de médico / odontólogo da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

·  2o lugar: atestado de médico / odontólogo do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

·  3o lugar: atestado de médico / odontólogo da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do "Médico Examinador", nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

·  4o lugar: atestado de médico / odontólogo a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

·  5o lugar (e último): qualquer outro médico / odontólogo que o trabalhador escolher.

Dessa forma, concluímos, por exemplo, que a decisão do Médico Perito do INSS (1o lugar na hierarquia) prevalece sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia). Abordamos com mais profundidade em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w

De maneira análoga, observamos que a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia), prevalece sobre a decisão do Médico Assistente, escolhido livremente pelo paciente (5o lugar – e último – na hierarquia). Essa é a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico.

Exemplificando: caso o empregado leve algum atestado ao serviço médico da empresa, após a realização do exame clínico, o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (ou odontólogo da empresa, caso haja, para avaliação de assuntos relacionados à odontologia) poderá discordar daquele tempo proposto no atestado inicial, só devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias contínuos (conforme art. 274 da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10), ou intercalados (nos moldes estabelecidos pelo art. 276, incisos III e IV, da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10). O parecer advindo desse novo exame clínico feito pelo serviço médico da empresa terá força legal de um novo atestado, dessa vez emitido pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia). Assim, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” poderá concordar (ou não) com o atestado trazido pelo empregado (independente da presença do CID), pois sua convicção se sustentará no exame clínico realizado por ele próprio, e não apenas no atestado em posse do trabalhador.

Na mesma esteira, vem o Parecer 3.657 / 2009 do Conselho Regional de Medicina do Minas Gerais, que assim coloca:

“Ao médico do trabalho, no exercício de suas atividades dentro do âmbito da empresa, é facultada a possibilidade de discordar de atestado médico apresentado pelo trabalhador, assim como estabelecer novo período de afastamento decorrente de sua avaliação médica, sempre assumindo a responsabilidade pelos seus atos.”

O serviço médico da empresa deve aceitar um atestado emitido por um profissional que não seja, nem médico, nem odontólogo? Fornecemos a resposta dessa pergunta num outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w

  Uma empresa pode exigir que os atestados trazidos por seus empregados venham com a descrição do CID (Classificação Internacional de Doenças)? Não há previsão legal para essa solicitação. Ainda assim, muitas empresas condicionam a aceitabilidade dos atestados entregues por seus funcionários, com a necessária descrição do CID nesses documentos. Essa prática – que qualificamos como ilegal, por ferir a intimidade dos trabalhadores – repercute na mesa de muitos consultórios médicos. Nesse contexto, qual deve ser a conduta do médico assistente quando souber que a empresa, onde trabalha o seu paciente, exige a colocação do CID no atestado?

Assim coloca a Resolução n. 1.658/2002 do Conselho Federal de Medicina:

“Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos:

II — estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente.

Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

Parágrafo único. No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.”

Pelo que se extrai da normativa acima, a questão a ser resolvida pelo médico assistente que fornecerá o atestado é, sobretudo, com o paciente, e não com a empresa. Sabedor de que a ausência do CID no atestado poderá gerar desconto em seu salário, o próprio empregado, em regra, concorda com a colocação do CID nesse documento. Assim, cabe ao médico assistente lembrá-lo de que essa concordância deverá estar expressa (escrita) no próprio atestado, conforme se aduz da própria Resolução do CFM supracitada.

Alguns dirão: “essa empresa deveria ser denunciada por exigir que os empregados abram sua intimidade dessa forma”. Concordamos. No entanto, repousamos nosso entendimento no sentido de que o cuidado do médico assistente deva ser, sobretudo, com o paciente. Se o paciente autorizar expressamente, o CID será colocado. Caso não autorize, o CID não será colocado. Pronto. O que passar disso, na nossa opinião, deve ser resolvido entre os empregados (ou seus sindicatos), a empresa, o Ministério do Trabalho, etc.

Alguns também dirão: “dessa forma o médico estará coagindo o paciente a colocar o CID no atestado”. Respeitosamente, ousamos discordar dos que assim pensam. A pergunta ao paciente é clara e única: “você autoriza colocar o CID — o código de sua doença — no atestado que lhe será fornecido?” Caso ele negue, o assunto se encerra, e o CID não será colocado. Não há coação nenhuma da parte do médico.

Alguns ainda sustentarão: “é lógico que o paciente vai querer colocar o CID, até porque, caso não o faça, terá o salário descontado”. Concordamos (pela prática) que a maioria opta pela colocação do CID no atestado, quando se depara com tal circunstância. Mas ratificamos: os motivos que levaram o paciente a concordar com a colocação expressa do CID no atestado não dizem respeito ao médico. Se houve algum tipo de coação, esta foi feita pela empresa, instituição pela qual o médico não pode (e nem conseguiria) se responsabilizar.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quinta-feira, 21 de julho de 2011

EXISTE HIERARQUIA ENTRE OS ATESTADOS MÉDICOS?

Vídeo-aula relacionado com esse tema:



Caros leitores.

Há alguns dias escrevi para o Portal UOL um texto sobre a hierarquia dos atestados médicos. Confiram através desse link >> http://bit.ly/pQvOcC

Um forte abraço a todos, e até a próxima segunda-feira (25/07), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quarta-feira, 20 de julho de 2011

MEDICINA E DIREITO: CASAMENTO NECESSÁRIO.

"Falta de leitos médicos em hospitais públicos"; "Morte de paciente por provável erro médico"; "Infecção hospitalar faz mais uma vítima"; "Plano de saúde é obrigado a indenizar paciente"; e assim poderíamos enumerar milhares de manchetes jornalísticas sobre questões referentes ao sistema de saúde como um todo (público e privado). Tais questões vem inundando o sistema judiciário brasileiro com processos que envolvem médicos, hospitais, planos de saúde, etc. Diante do quadro, muitos profissionais das áreas médica e jurídica sentem a necessidade cada vez maior de estudar a fundo uma das mais fascinantes junções de conhecimento: Medicina e Direito.

Ao contrário do que muitos imaginam, Direito e Medicina são ciências que se inter-relacionam de maneira muito frequente. Mas o que se verifica é que, com raras exceções, médicos sabem muito pouco de Direito, e operadores do Direito sabem muito pouco do exercício médico. As duas partes perdem com isso.

Essa lacuna de conhecimento faz com que médicos exerçam a profissão de forma cada vez mais vulnerável, sem o mínimo de noção jurídica para sua própria defesa e para o reconhecimento de outros direitos, como o do paciente. O exercício médico atual não se pauta apenas sobre o novo Código de Ética Médica de 2009, conquanto este se apresente inovador e digno de tantos elogios. O cenário contemporâneo exige um conhecimento mais alargado, contemplando todas as normas que envolvam o exercício da medicina, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, as legislações referentes aos planos de saúde, aos direitos trabalhistas dos próprios médicos, legislação previdenciária, etc. As escolas médicas não podem mais se furtar dessa imensa responsabilidade: ensinar aos futuros médicos sobre todas as repercussões jurídicas de seus trabalhos. É triste ver um médico que nunca tenha ouvido falar, por exemplo, em adicional de insalubridade; aposentadoria especial; ou no próprio salário mínimo dos médicos - em vigor desde 1961. Mas infelizmente, é o que mais se vê.

Por outro lado, é bem verdade que advogados não precisam saber diagnosticar e tratar doenças, assim como os médicos não devem se preocupar sobre qual o tipo de recurso deve ser usado em determinado momento processual. No entanto, com o estrondoso aumento dos processos judiciais que acometem profissionais e serviços de saúde, advogados, juízes, etc., devem conhecer um pouco mais sobre as peculiaridades e imponderabilidades do exercício médico. Medicina não é ciência exata, e as variáveis do ato médico beiram o infinito. As escolas de Direito não podem negligenciar mais o ensino desta intersecção científica. É muito primário (quase pueril) ver uma peça processual que envolve Direito e Medicina estar baseada apenas em recortes jornalísticos e no senso comum. Num país onde tudo que se veicula na mídia deve ser objeto de questionamento, a fundamentação de peças processuais com base apenas nos textos midiáticos não se mostra confiável.

Outro dia fui abordado por um juiz do trabalho que disse: “tenho comigo que doença degenerativa e doença congênita são a mesma coisa. Afinal, qual a diferença entre doença degenerativa e doença congênita?” Considero absolutamente normal que ele tenha tal dúvida diante da formação acadêmica que teve. O que não dá para admitir é que, há muitos anos, esse mesmo juiz venha prolatando sentenças que envolvem doenças ocupacionais com base no seu prévio (e completamente equivocado) conhecimento. Já imaginaram quantas injustiças houveram?!

Senhores, o conhecimento futuro sinaliza um caminho inverso do que vimos no Século XX. Ao contrário do apelo científico à especialização extrema, diversificar conhecimentos (acumulando mais de um ramo da ciência) começa a ser um grande (e necessário) diferencial profissional. Pensem nisso.

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos e até a próxima segunda-feira (25/07), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MÉDICO DO TRABALHO CONFRONTA PERITOS DO INSS.

Vídeo-aula sobre o tema desse texto:

       


 Caros leitores.

        Segue abaixo uma mensagem que chegou até mim.

“Caro Dr. Marcos.

Meu nome é XXXX, Médico do Trabalho. Em alguns textos do seu blog vc defende a idéia de que a decisão do médico perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho. Legalmente vc pode até ter razão, mas não concordo com seu posicionamento. Tenho vários pacientes que voltam da perícia do INSS e dizem que o médico “nem examinou”. Vejo erros incontestáveis entre os peritos, sempre no sentido de prejudicarem o trabalhador. Como posso concordar com isso? Não concordo mesmo. E vou além, acho irresponsável a conduta que vc propõe. Não se esqueça: nossa função como Médico do Trabalho é zelar da saúde do trabalhador, e não concordar cegamente com a análise dos peritos do INSS.

Dr. XXXX”

        Prezado Dr. XXXX, primeiramente ressalto que não defendo uma concordância inconseqüente entre o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” e o Médico Perito do INSS. Muito pelo contrário! Defendo que a decisão do Médico Perito do INSS seja acatada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” por uma questão legal (conforme veremos adiante), e que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” assuma então uma posição mediadora entre empregador e empregado, sempre defendendo a saúde do trabalhador. Nesse contexto, por exemplo, se o Médico Perito do INSS concedeu capacidade laboral ao trabalhador, e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” entenda que não há essa capacidade, poderá considerá-lo: (a) “apto com recomendações”, ou (b) “apto com contraindicação à função”. Até mesmo um repouso maior em casa, mediante remuneração do empregador, deve ser considerado. Obviamente que, em todas essas situações, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá sair de seu consultório e explicar, tanto ao empregador, quanto ao trabalhador, toda legislação e demais detalhes referentes a esse tema.  Talvez seja essa a sua dificuldade.

        Recoloco agora alguns fundamentos legais, sobre os quais defendo a idéia de que a decisão quanto a capacidade laboral do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / “Médico Examinador”:

>> Lei 11.907 / 2009, Artigo 3, parágrafo 3: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Comentário: perceba que o parecer conclusivo quanto à capacidade laboral, e consequente concessão (ou não) do benefício previdenciário é conferida pelo Médico Perito do INSS e não pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

>> Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Comentário: perceba que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS e não pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Lembro-o também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme Art. 482 da CLT.

>> Lei 605 / 49, Art. 6, Parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

>> Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecido primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

        Dr. XXXX, o Senhor diz: “legalmente vc pode até ter razão, mas não concordo com seu posicionamento.” Dr. XXXX, o Senhor tem todo direito de não concordar com meu posicionamento. Mas quando o Senhor reconhece que os fundamentos legais estão corretos, o Senhor, na verdade, está discordando das leis do nosso país. Apenas fazendo uma analogia, creio que o Senhor também não concorde com o elevado imposto de renda que paga... e mesmo assim paga. Por que? Pois trata-se de uma questão legal. A conduta que proponho, embora o Senhor a reconheça como legal, o Senhor também a classifica como “irresponsável”. É como se o Senhor dissesse: “pagar imposto de renda é uma questão legal, mas como eu não concordo, qualifico a conduta dos que continuam pagando como irresponsável.” Apologia ao anarquismo!

        E por falar em responsabilidade, imagine o Senhor qualificando um trabalhador como “inapto” após este ter retornado do INSS com a capacidade laboral reconhecida. Sua conduta, apesar de ilegal (conforme o Senhor mesmo reconhece), poderia até ser responsável, desde que o Senhor tivesse com esse trabalhador um discurso completo, parecido com esse: “Sr. Trabalhador, o Perito do INSS entende que o Senhor pode voltar ao trabalho, mas eu discordo e o qualificarei como ‘inapto’. Sendo assim, fique em sua casa até sua saúde melhorar por completo. Não se preocupe, pois se nem a Justiça, e nem o INSS reconhecer seu benefício; e também o empregador não concordar em pagar o seu salário integral durante sua ausência, eu mesmo pagarei. Mais do que isso: se em virtude das muitas faltas ao trabalho, o Senhor for dispensado por justa causa do emprego, eu vou pagar o seu acerto como se fosse uma dispensa sem justa causa.” Então, Dr. XXXX, o Senhor será completamente responsável por suas condutas (ilegais) de confronto ao Médico Perito do INSS, ou sua responsabilidade só vai até onde lhe convém?

        Dr. XXXX, também vi na sua mensagem: “vejo erros incontestáveis entre os peritos, sempre no sentido de prejudicarem o trabalhador.” Dr. XXXX, confesso que também tenho casos onde sugiro um afastamento maior do que é concedido pelo Médico Perito do INSS. Mas sendo bem sincero, e sem paixão no discurso, existem casos também (e não são raros) onde o afastamento conseguido pelo trabalhador é superior ao tempo que eu havia sugestionado. Estou certo de que o Senhor tem casos assim também. E quando isso ocorre? Por coerência, o Senhor também deveria discordar do Médico Perito do INSS, e fazer o trabalhador voltar às suas atividades no prazo que o Senhor sugeriu para afastamento, e não naquele prazo maior concedido pelo Médico Perito do INSS. O Senhor faz isso? Se não fizer, o Senhor mesmo está chamando de “irresponsável” a sua conduta, pois acatou a decisão do Médico Perito do INSS, mesmo não concordando com ela.

        Pra terminar, mais uma citação de sua mensagem: “tenho vários pacientes que voltam da perícia do INSS e dizem que o médico “nem examinou”. Dr. XXXX, lembre-se que essa afirmação está vindo de alguém que teve sua pretensão resistida. Pode ser absolutamente verdadeira... mas também pode não ser. Sugiro-lhe qualquer hora dessas fazer uma avaliação anônima do seu próprio atendimento, entre os seus próprios pacientes. O Senhor irá se surpreender! Digo-lhe com toda convicção que, por melhor que seja seu atendimento, muitos pacientes reprovarão suas condutas e relação interpessoal. Muitos o criticarão impiedosamente. Não é por sua culpa, fique tranqüilo. É porque jamais conseguiremos agradar todos que atendemos. Jamais! Conforme o secular ditado, “o médico só pode se considerar maduro e experiente, quando ciente de todas as ingratidões dos seus pacientes, consegue amá-los cada dia mais.” Esse deve ser o caminho dos que, como nós, escolheram a medicina como ofício.

        Que Deus nos abençoe.

        Um forte abraço a todos, e até a próxima quarta-feira (20/07), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

        Marcos Henrique Mendanha
        E-mail: marcos@asmetro.com.br
        Twitter: @marcoshmendanha

Processo judicial sobre o tema: RO nº 01096-2009-114-03-00-4. Veja matéria sobre esse processo através do link: http://bit.ly/nteoCC

sexta-feira, 15 de julho de 2011

MITOS E VERDADES SOBRE LER / DORT.

Caros leitores.

Dizem que “de médico e de louco, todo mundo tem um pouco”. Sábio jargão popular! Percebam que a frase diz “de médico e de louco”, e não, “de médico ou de louco”. A conjunção aditiva “e” nos faz crer que o entendimento popular ratificou a idéia de que todos nós somos um pouco médicos e loucos (ao mesmo tempo). Sendo assim, uma boa e realista interpretação dessa frase é a seguinte: todo mundo tem um pouco de “médico louco” .

É verdade! É muito comum ouvirmos, de pessoas de nosso convívio, afirmativas completamente equivocadas sobre alguns temas inerentes às ciências médicas. Um dos temas mais alvejados por equívocos populares é “LER/DORT” (LER = lesões por esforços repetitivos; DORT = doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho). Sobre esse tema, e à luz das ciências médicas, elencamos cinco afirmativas que classificaremos como “mito” ou “verdade”.

“Meu cunhado tem uma doença chamada LER.” >>> Mito!

Do ponto de vista técnico, o que as pessoas chamam de “LER”, (referindo-se também à “LER/DORT”) representa um imenso grupo de doenças (que acomete ossos, músculos, tendões, ligamentos, etc.) e que de alguma forma, comprovadamente, possuem alguma relação com o trabalho.

Por que a frase acima é um “mito” do ponto de vista médico? Pois ela é como se alguém dissesse “meu cunhado tem uma doença chamada inflamação”. Mas inflamação onde? Se fosse nas amígdalas, esse indivíduo teria uma amigdalite; se fosse no fígado, teria então uma hepatite; e assim sucessivamente. Amigdalite e hepatite terão diagnósticos, tratamentos e prognósticos completamente diferenciados, pois são doenças bem distintas.

Assim, amigdalite e hepatite são doenças do imenso grupo das doenças inflamatórias. Analogamente, a síndrome do túnel do carpo (STC), a epicondilite, a lesão de supra-espinhoso, a tendinite estenosante (Síndrome de DeQuervain), são alguns dos transtornos que podem elencar o grupo das LER/DORTs.  Cada um desses transtornos tem abordagem individualizada: os diagnósticos, tratamentos e prognósticos se diferenciam significativamente entre eles. Por isso que na Austrália o governo sabiamente decretou que “não existe LER/DORT”. O que existe é um conjunto de doenças que devem ser avaliadas caso a caso, e não como “farinha de um mesmo saco”.

Outro detalhe fundamental é que para que haja comprovação de qualquer uma das doenças do grupo das “LER/DORTs”, é necessário também, além de um correto diagnóstico da doença específica, se avaliar o nexo de (con)causalidade com o trabalho. Por exemplo: não é porque alguém é bancário e tem síndrome do túnel do carpo (STC), que necessariamente esse transtorno tenha sido gerado/agravado no trabalho. Não! A STC possui diversas causas não relacionadas ao trabalho, tais como: gravidez, uso de anti-concepcionais, hipotireodismo, etc. Assim, a análise do nexo de (con)causalidade entre essa STC e o trabalho constitui uma avaliação pericial, e dependerá de todas as características relativas à execução do trabalho da pessoa acometida.  Ou seja: uma STC pode muito bem não ser uma “LER/DORT”: vai depender da configuração (ou não) do nexo de (con)causalidade com o trabalho feita pelo perito.

“A LER é uma doença incurável.” >>> Mito!

A maioria dos casos é totalmente curável.  Mais do que isso, a maioria dos casos também tende a melhorar com o afastamento do paciente de suas atividades habituais.

“Fiz um ultrassom que mostrou que eu tenho LER.” >>> Mito!

O diagnóstico das doenças do grupo das “LER/DORTs” é essencialmente clínico, ou seja, dependerá sobretudo da avaliação do examinador, e dos testes por ele realizados (e não dos exames complementares). Existem (muitos) casos onde a ultrassonografia (ou qualquer outro exame complementar) evidencia alguma alteração, mas clinicamente não são encontrados subsídios para se fazer o diagnóstico de uma determinada doença do grupo das “LER/DORTs”.

Além disso, ratificamos, mais uma vez, que para uma doença elencar o grupo das “LER/DORTs” é necessária também a configuração pericial do nexo de (con)causalidade com o trabalho.

“Não trabalho como movimento repetitivo e mesmo assim tenho LER.” >>> Verdade!

Durante muito tempo acreditou-se que era necessário apenas o movimento repetitivo de determinados grupos musculares para o desenvolvimento de uma doença do grupo das “LER/DORTs”. É bem verdade que os movimentos repetitivos, sem o devido tempo de repouso do respectivo grupo muscular, pode desencadear uma “LER/DORT”. No entanto, outros fatores também podem gerar os transtornos, por exemplo: a contração contínua de determinados músculos por tempos prolongados sem o devido repouso, o que chamamos de sobrecarga estática (ou tensão dirigida).

Aqui, destacamos a diferença entre os operadores de call-center e os digitadores. De uma forma geral, o nível de cobrança por resultados, o que chamamos de assédio moral organizacional ou por estratégia (fator reconhecidamente estressante) entre os operadores de call-center parece ser maior do que entre os que são puramente digitadores. Sendo assim, mesmo realizando menos movimentos repetitivos, pesquisas demonstram que os operadores de call-center adoecem mais do que os digitadores. Por que isso?  Um dos fatores é a sobrecarga estática advinda do nível contínuo de tensão muscular, que por sua vez, pode estar relacionado ao ambiente estressante de trabalho.

Nessa análise, podemos concluir também que: as “LER/DORTs” dependem fundamentalmente de fatores individuais. Por exemplo: por que alguns digitadores de uma mesma empresa adoecem e outros não? Uma das explicações é que alguns possuem uma musculatura mais resistente à fadiga do que outros. Por que alguns operadores de call-center de uma mesma empresa adoecem e outros não? Um dos fatores é que cada um de nós responde de forma diferenciada aos estímulos externos que geram stress e tensão muscular contínua. O que é stress para uns, para outros é apenas uma circunstância corriqueira do trabalho.

“A LER pode estar relacionada com o stress no trabalho.” >>> Verdade!

Conforme já vimos, a contração estática, também originada pelo stress no trabalho em alguns indivíduos, pode favorecer o surgimento de alguma doença do grupo das “LER/DORTs”. Outro dado interessante: o índice de “LER/DORTs” em músicos, em geral, é menor do que em digitadores. Renomados autores defendem a tese de que quanto maior a satisfação com o trabalho, menor será o índice de surgimento de “LER/DORTs”, mesmo que naquele ambiente se exija os adoecedores movimentos repetitivos.

Enfim, “LER/DORT” é um assunto complexo (e muito polêmico).  Fatores relacionados à genética (disposição anatômica de músculos, tendões, etc.), à psiquiatria individual (resposta a fatores estressantes, satisfação com o trabalho, pré-disposição familiar à transtornos depressivos, etc.), à fisiologia (alterações hormonais, bom condicionamento muscular, etc.), às doenças pré-existentes, e ao ambiente de trabalho, fazem das “LER/DORTs” um gigantesco grupo de doenças, de dificílima abordagem, e sem nenhum espaço para (irresponsáveis) afirmativas genéricas.

Contribui para tornar as discussões sobre tema ainda mais apimentadas, o fato de haver enormes interesses envolvidos no assunto: órgãos representativos dos trabalhadores se empenham em associar as “LER/DORTs” a algo que seja extremamente grave, comum, incurável e cujo aparecimento se justifica sobretudo pela negligência dos empregadores. Por outro lado, alguns representantes de grupos empresariais insistem na tese de que aproximadamente 80% dos casos diagnosticados como “LER/DORTs” são casos de fibromialgia (doença não relacionada ao trabalho). As opiniões são várias e extremadas. Acreditamos que a análise deva ser sempre equilibrada, racional (não apaixonada) e imparcial, afinal, “entre 8 e 80 existem 72 possibilidades”!

Resumindo: quando o assunto é “LER/DORT” pelas várias variáveis que temos, cada caso é um caso, e tudo que for dito além disso é mera falácia. Amplio o já conhecido ditado médico: “na medicina, no amor e nas ‘LER/DORTs’ não existe sempre e nem jamais.”

Com todo respeito às opiniões contrárias, é o que sinceramente acredito.

Um forte abraço a todos, e até a próxima quarta-feira (20/07), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
           Twitter: @marcoshmendanha

Obs.: esse mesmo texto foi matéria do Portal UOL em 15/07/2011, confiram: http://bit.ly/oGWDlq

quarta-feira, 13 de julho de 2011

CAPAZ AO TRABALHO = APTO AO TRABALHO?

Vídeo-aula relacionado com esse tema:




Prezados leitores.

Quando estudamos a Lei 8.213 / 91, no que tange à concessão do auxílio-doença, ela assim nos traz em seu artigo 59:

“O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.”

Pelo texto, fica claro que o Médico Perito do INSS avalia a incapacidade. Mais do que isso, essa incapacidade é avaliada levando-se em conta o trabalho ou atividade habitual do trabalhador, o que, conforme nosso entendimento, também equivale à função específica que o trabalhador exerce.

Por que acreditar que o Médico Perito do INSS avalia a função específica do trabalhador (e não apenas a capacidade de trabalho para qualquer outra função)? Pois vemos, na prática profissional, várias situações onde haveria possibilidade do segurado estar trabalhando em outra função, diferente de sua função habitual, mas ainda assim esse trabalhador obtém o benefício auxílio-doença. Entendemos como justíssimo!

Da mesma forma, é atividade já sacramentada do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” avaliar aptidão ou inaptidão à função específica do trabalhador. Vejamos o que diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7), em seu item 7.4.4.3, alínea “e”:

“O ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.”

Pelo exposto, será que podemos concluir que “incapaz ao trabalho” (qualificação dada pelo Médico Perito do INSS) equivale à “inapto ao trabalho” (qualificação dada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”)? Ora, considerando que o Médico Perito do INSS e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” levem em conta a mesma coisa, ou seja, a função específica do trabalhador (conforme fundamentação acima), concluímos que: estar “incapaz ao trabalho” deve ser tratado como equivalente a estar “inapto ao trabalho” (e por analogia, estar “capaz ao trabalho” deve ser tratado como equivalente a estar “apto ao trabalho”).

Sabemos que muitos médicos não pensam assim, opiniões que respeitamos. Essa divergência é compreensível: o Médico Perito do INSS está sujeito às legislações previdenciárias (Lei 8.213 / 91 e outras), enquanto o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” está sujeito às legislações trabalhistas (CLT, NR-7, e outras). As legislações previdenciárias e trabalhistas podem, em alguns temas, não estar em fina sintonia. Essa falta de uniformidade das normas é um terreno fértil para toda sorte de interpretações diferenciadas e inúmeros conflitos, o que é lamentável, especialmente pelo fato de ser o trabalhador o maior prejudicado por esses desentendimentos.

O que propomos aqui é uma visão uniformizada das legislações previdenciárias e trabalhistas. Por quê? Acima de tudo, por uma questão de segurança jurídica para todos os interessados nesse tema, ou seja: trabalhador, empregador, Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

É muito freqüente (e angustiante) o conflito de decisões entre o Médico Perito do INSS e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Discorremos melhor sobre esse tema em um outro texto desse blog, link: http://bit.ly/hyz0cn  . Na vigência desses conflitos, por uma questão legal, entendemos que deve prevalecer a decisão do Médico Perito do INSS, pelos ja motivos expostos em outros textos desse blog.

Assim, o que propomos é que, enquanto perdurar algum eventual impasse, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” tenha condutas alinhadas com a decisão do Médico Perito do INSS. Isso repercutirá inclusive no seu modelo de ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), conforme sugestões abaixo:



Dessa forma, sendo o trabalhador considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, ele também será considerado “apto” pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. No entanto, essa aptidão poderá ser qualificada no ASO de 3 formas: (a) “Apto”; (b) “Apto com recomendações”; (c) “Apto com contraindicação à função”.

Alguns devem estar pensando: “a NR-7 só permite colocar apto ou inapto no ASO”. Não é verdade! A NR-7 assim nos traz no item 7.4.4.3, alínea “e”: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu". O termo “no mínimo” não deixa dúvidas quanto a possibilidade de haver mais qualificações no ASO, além dos simples “apto” ou “inapto”.

Mais do que isso, o termo “apto com restrições” (que preferimos nomear como “apto com recomendações”) encontra-se respaldado na SCMA (Sugestão de Conduta Médica-Administrativa) da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) n. 6 / 2001. Já o termo “contraindicado para função” tem seu uso ratificado pela SCMA da ANAMT n. 5 / 2000.  Com essas duas outras possibilidades (além dos já tradicionais "apto" e "inapto"), o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" consegue unir em suas condutas: evidente zelo pela saúde do trabalhador, e prevenção de doenças / acidentes (o que é mais importante). Tudo isso, com embasamento legal, normativo, técnico e ético.

Alguém perguntará: “a qualificação de ‘apto com contraindicação à função’ não equivale a ‘inapto para função’?” De fato, estamos falando de uma linha muito tênue de separação. Pelo que defendemos, a conduta seqüencial determinada para um empregado que seja qualificado como "inapto para função" pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, em regra, é o encaminhamento desse trabalhador ao serviço de perícias do INSS, que também (esperamos) o considerará “incapaz”, e lhe dará o devido benefício previdenciário (cumpridas as exigências administrativas).

No entanto, caso esse segurado não tenha critérios de incapacidade verificada (seja pelo Perito do INSS, seja pelo próprio Médico do Trabalho / “Médico Examinador”), mas não seja recomendável que ele exerça determinada função em virtude de seu quadro clínico, aí sim caberá o "apto com contraindicação à função". Nesse caso, em decisão conjunta com os gestores da empresa, ao empregado será oferecida uma das alternativas abaixo:

a) ou ser dispensado do emprego sem justa causa, após análise da equação risco / benefício jurídico, que inclui: 

·  gozo – ou não – de estabilidade provisória no emprego por esse trabalhador (por exemplo: se em virtude de acidente de trabalho / doença relacionada ao trabalho, esse empregado tenha recebido auxílio-doença acidentário, fará então jus a uma estabilidade no emprego pelo período mínimo de 12 meses, contados a partir do término do benefício, nos termos do art. 118 da Lei 8.213 / 91);

·  ofensa - ou não - ao aludido e constitucional princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, inciso III da Constituição Federal de 1988), tema explorado noutros textos desse blog.

·  risco - ou não - de manutenção desse empregado na empresa, independente da função que voltará a ocupar (por vezes, a manutenção desse trabalhador na empresa, também poderá ofender ao princípio da dignidade da pessoa humana); 

·  presença - ou não - de outra função mais segura e inócua, para que se possa realocar esse empregado;

·  etc.

b) ou exercer (temporariamente ou definitivamente) uma nova função que não coloque em risco, nem o empregado, nem terceiros (o que nesse caso não se confunde com o tão propagado “desvio de função”, uma vez que o que se busca é preservar a integridade do empregado e de terceiros, e não apenas o pagamento de salários diferenciados). Nessa situação, dependendo da nova função, as qualificações possíveis a serem dadas para esse trabalhador pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, quando do exame de mudança de função, são: ou apenas “apto”; ou então “apto com recomendações”(quando as recomendações / restrições devem estar elencadas no prontuário médico e no próprio ASO – vide modelo de ASO proposto).

c) ou ficar sem trabalhar, com salários pagos pela própria empresa (falta justificada nos termos do art. 131, inciso IV, da CLT) enquanto não haja uma completa convalescença de seu quadro conforme critério clínico estabelecido pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” (e/ou enquanto se aguarda novo posicionamento do INSS ou da justiça: pedido de reconsideração, recurso, alguma outra perícia, liminar, sentença, etc.).

No caso do empregado ser qualificado como "apto com contraindicação à função", ou “apto com recomendações”, como regra, defendemos a idéia de que o empregador (ou responsáveis diretos pelo trabalhador) saibam do quadro clínico deste funcionário, na parte que os interessa. Alguém dirá: "isso configura infração ética gravíssima, pois trata-se de quebra de sigilo médico-profissional." Ousamos discordar. O próprio Código de Ética Médica, assim coloca em seu artigo 76:

"É vedado ao médico revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade."

Entendemos que, se o quadro clínico não for compatível com determinada função, e ao mesmo tempo o Perito do INSS (ou o Médico do Trabalho / "Médico Examinador") não tenha visto critérios de incapacidade (inaptidão), deixar de falar os motivos dessa contraindicação e/ou recomendações ao empregador se configura como uma omissão (e não infração ética). Sim! O silêncio, nesse caso, poderá colocar em risco a saúde do(s) próprio(s) empregado(s).    

Ressaltamos porém que, apesar de segura em seu aspecto jurídico, a conduta que ora propomos exige do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” um novo e contínuo trabalho de educação e diálogo junto ao empregador e ao empregado, uma vez que não se trata de uma conduta costumeira. Todos os atores envolvidos devem estar cientes dos motivos de cada qualificação dada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

No entanto, uma vez incorporado esse modelo de gestão médica, a atividade do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” se torna mais transparente, confiável, coerente (critérios idênticos para exames admissional, periódico, demissional, etc.), juridicamente mais embasada, e com menos “achismos”. Por sua vez, o empregado passa a entender, por exemplo, que estar, ao mesmo tempo, apto e contraindicado para determinada função, é perfeitamente possível, de acordo com a (muitas vezes cruel) legislação vigente.  Já o empregador passa a assumir o seu poder potestativo – defendido constitucionalmente – e entender que, por exemplo, quando o empregado está, simultaneamente, apto e contraindicado para determinada função, cabe ao empregador assumir todos os riscos, e não contratá-lo (ou dispensá-lo), caso assim o deseje (ao invés de obrigar ao Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ter que qualificar esse trabalhador como “inapto”, de forma errada, para justificar a dispensa desse trabalhador pela empresa).

Vale lembrar que, ao qualificar um trabalhador como “inapto” sem que haja critérios clínicos para isso, e encaminhá-lo ao INSS, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” correrá o risco de ser o autor de uma longa e trágica novela, e ter que ver esse empregado (parte mais frágil de toda história) voltando ao seu consultório com o benefício acertadamente indeferido pelo Perito do INSS, inúmeras vezes.

Difícil o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” sair de seu consultório e ser um propagador de novos conceitos e soluções, gerenciando melhor os conflitos? Dificílimo! Mas acreditamos que seja desse profissional que o mercado esteja carente.

Estejam à vontade para discordar e opinar.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha