sábado, 22 de outubro de 2011

OS CINCO TEXTOS MAIS LIDOS DO BLOG.

Prezados leitores.

No mês em que comemoramos a marca de 30 mil visualizações desse blog, apresento-lhes os 5 textos mais lidos até então (em ordem decrescente de número de acessos):

1)      “Atestado de fisioterapeuta tem valor legal?” Link: http://bit.ly/qQX66w
2)      “Perito do INSS x Médico do Trabalho: a quem seguir?” Link: http://bit.ly/hyz0cn
3)      “Empresa pode exigir CID no atestado?” Link: http://bit.ly/nNRdRp
4)      “Trabalho eventual e intermitente: qual a diferença?” Link: http://bit.ly/refo7v
5)      “Juiz sempre concorda com laudo médico-pericial?” Link: http://bit.ly/hD2D6R

Como defende uma importante emissora de TV do nosso país: “vale a pena ver de novo”. Boa leitura!

Obs.: estarei ausente do blog, de hoje até o dia 07/11/2011, por motivo de férias. Se der, postarei alguma coisa daqui até lá. Um forte abraço a todos, e até 08/11/2011 (data provável para postagem de um novo texto nesse blog). 

Que Deus nos abençoe. 

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

A GUARDA DO PRONTUÁRIO MÉDICO E A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

Prezados Leitores.

Imaginem a seguinte situação hipotética: um indivíduo trabalhou em uma mineradora, e dela se desligou há 37 anos. Hoje, recebeu diagnóstico de silicose.

Será que ele poderá processar a empresa (caso ela ainda exista) solicitando algum tipo de indenização? 

Resposta: sim!

Mas muitos dirão: “a resposta é não, pois no Direito do Trabalho, o (ex)empregado tem 2 anos para entrar na justiça, e só poderá questionar os fatos relativos aos últimos cinco anos a partir da data que ele entrou na justiça (prescrição qüinqüenal, conforme Art. 11 da CLT)”. Isso é bem verdade, mas nos casos de doenças profissionais, a regra é diferente. Vejamos o que diz a Súmula 230 do STF:

“A prescrição da ação de acidente de trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade”.

Explicando: se o diagnóstico de silicose (naturalmente considerada doença profissional) chegou hoje, então começa apenas hoje o prazo para que esse indivíduo acione juridicamente a empresa da qual se desligou há 37 anos, pleiteando assim uma provável indenização em virtude dessa moléstia ocupacional.

Mas e se houver necessidade do prontuário do Médico do Trabalho da mineradora neste processo, e este prontuário já não mais existir? Isso será lamentável.

Ora, então por quanto tempo esse prontuário deveria ter sido guardado?

Diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) do Ministério do Trabalho e Emprego, em seu item 7.4.5.1, que os prontuários médicos devem ser guardados pelo período mínimo de 20 anos. Essa regra também se aplica aos hospitais e clínicas de uma forma geral, conforme Resolução 1.821 / 2007 do Conselho Federal de Medicina, que assim resolveu:

“Art. 8º: Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

A mesma resolução determina que, no caso dos prontuários arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado, a guarda desses prontuários deverá ser permanente.

Na esfera da “saúde do trabalhador”, há situações específicas onde, mesmo o prontuário sendo impresso, o tempo mínimo de seu armanezamento é de 30 (trinta) anos. Um exemplo, são os prontuários daqueles que trabalham com asbesto (amianto), conforme item 11.1 do Anexo 12 da NR-15, que assim coloca:

“Os registros das avaliações deverão ser mantidos por um período não inferior a 30 (trinta) anos.”

De maneira análoga é a armazenagem dos prontuários impressos dos trabalhadores expostos às radiações ionizantes, conforme item 32.4.8 da NR-32, transcrito abaixo:

“O prontuário clínico individual previsto pela NR-07 deve ser mantido atualizado e ser conservado por 30 (trinta) anos após o término de sua ocupação.”

No entanto, mesmo guardando o prontuário por 30 anos, situações como as descritas no início desse texto (indivíduo que recebe diagnóstico de silicose 37 anos após ter se desligado da mineradora) poderão ocorrer. Em tais situações, se o prontuário do serviço de Medicina do Trabalho da empresa já tiver sido descartado, talvez, nem todos os fatos relativos à uma determinada doença ocupacional poderão ser satisfatoriamente esclarecidos.

Concluindo: conforme vimos, apesar das legislações citadas, para uma maior segurança de todos os atores envolvidos num processo judicial que envolva alguma hipotética doença ocupacional (ou não), o ideal é que a guarda dos prontuários seja permanente (independente do prontuário ser impresso, arquivado eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado).

Vale lembrar que até mesmo os familiares de um trabalhador falecido poderão acionar a justiça em virtude de uma eventual doença profissional, ou seja, nem mesmo a morte do trabalhador é indicativo de uma segura destruição desse prontuário.

Na mesma esteira, segue abaixo a transcrição de trechos de uma matéria veiculada no site do TST (Tribunal Superior do Trabalho), dia 11/10/2011.

Observaremos no texto que o TST considerou a mencionada Súmula 230 do STF para afastar a prescrição alegada pela empresa.

Fiquem à vontade para confecção de seus comentários.

Um forte abraço a todos, e uma ótima leitura!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha


“O marco inicial da contagem do prazo de prescrição para a propositura de ação com pedido de indenização por acidente de trabalho ou doença ocupacional não é a data do afastamento do empregado ou da constatação da doença, e sim a data da ciência inequívoca pelo empregado da sua incapacidade para o trabalho com a concessão de aposentadoria pela previdência social ou a data do cancelamento do afastamento previdenciário com a liberação do empregado para o trabalho (ainda que com restrições).

Esse é o entendimento adotado pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho em julgamento recente de processo envolvendo ex-empregado da Companhia Brasileira de Agropecuária (Cobrape) que sofreu fratura na coluna vertebral decorrente das atividades desempenhadas na empresa (carregamento de sacos de terra de aproximadamente 100kg).

Condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) a pagar indenização ao ex-empregado por causa dos problemas de saúde sofridos, a empresa tentou rediscutir a questão por meio de recurso de revista no TST, cujo seguimento foi negado pelo Regional. No agravo de instrumento apresentado diretamente ao TST, a empresa insistiu na tese de que o direito de pleitear do trabalhador estava prescrito, e o tema merecia discussão em novo recurso.

No caso, o acidente ocorreu em 5/6/1999. Transcorrido o período em que recebeu auxílio-doença acidentário, em 16/11/2006 o trabalhador foi informado do cancelamento do afastamento previdenciário, mesmo com atestado de total incapacidade para a realização de trabalho braçal. Em 14/3/2008, então, apresentou ação trabalhista com pedido de indenização.

O relator destacou a Súmula nº 230 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade”. E no mesmo sentido a Súmula nº 278 do Superior Tribunal de Justiça: “o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

Na hipótese, o TRT confirmou que existia nexo de causalidade entre a atividade desempenhada pelo empregado na empresa e o acidente, com apoio em laudo pericial médico. Apesar de o perito ter afirmado que havia predisposição para a fratura da coluna em razão do histórico do empregado de trabalho rural desde os 11 anos de idade, na avaliação do Regional, a culpabilidade da empresa era evidente, na medida em exigiu do trabalhador um esforço exagerado que, certamente, piorou o seu estado de saúde.

Nessas condições, concluiu o ministro Godinho, uma vez comprovado o acidente e a responsabilidade da empresa no episódio, não procede o questionamento quanto à prescrição. “O Regional agiu bem ao considerar a data em que o trabalhador recebeu alta do órgão previdenciário como marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a propositura de ação trabalhista”, afirmou o relator.

Ao final, os ministros da Sexta Turma, à unanimidade, decidiram negar provimento ao agravo de instrumento da empresa e, com isso, barraram a rediscussão da matéria no TST por meio de recurso de revista.

Fonte: Site oficial do TST (link direto para matéria: http://bit.ly/ovh4mh )

APESAR DO LAUDO PERICIAL FAVORÁVEL, TAM É CONDENADA.

Prezados leitores.

Segue abaixo a transcrição de uma matéria veiculada no site do TST (Tribunal Superior do Trabalho), dia 19/10/2011, cujo título é: “Mecânico da TAM receberá indenização por perda auditiva”.

Observaremos no texto que o TST, assim como também fez o TRT-PR, usaram da prerrogativa concedida pelo Art. 436 do Código de Processo Civil, e não vincularam suas decisões à conclusão do laudo médico-pericial.

Fiquem à vontade para confecção de seus comentários.

Um forte abraço a todos, e uma ótima leitura!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha


Mecânico da TAM receberá indenização por perda auditiva

A TAM Linhas Aéreas S.A. foi condenada ao pagamento de indenização no valor de R$ 30 mil a um mecânico de aviação que teve perda auditiva decorrente das condições adversas em que desenvolvia suas atividades. Por decisão unânime, a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu do recurso da empresa, ficando mantida decisão da Justiça do Trabalho da 9ª Região (PR).

Conforme relatado na inicial, no período em que trabalhou na TAM, de julho de 1991 a abril 2008, o mecânico fazia o acompanhamento do processo de chegada e saída de aeronaves, realizava inspeções e verificava anormalidades e panes nos diversos sistemas dos aviões. Tais atividades, conforme relatou, eram realizadas num ambiente que apresentava grande volume de ruídos. E mesmo tendo usado equipamentos de proteção, a perda auditiva daí decorrente foi-se agravando a ponto de, posteriormente, se tornar um fator impeditivo para que conseguisse nova ocupação profissional. Sob tal alegação, o trabalhador reclamou o direito à indenização por dano moral.

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná) constata que, conforme registro do laudo pericial, a empresa não realizou audiometrias desde a admissão do trabalhador. O procedimento só foi adotado a partir de 2002, onze anos depois da admissão. Porém, em face de declaração do trabalhador de que sempre fizera uso de equipamentos de proteção auditiva durante o exercício de suas atividades na TAM, o que não acontecia no início de suas atividades como mecânico de aviação, o perito afirmou que a perda auditiva era prévia, sem relação com o trabalho na empresa.

O Regional, apesar do parecer contrário do laudo, adotado na decisão de primeiro grau, concluiu que a doença tinha relação direta com a atividade do mecânico. O TRT concluiu, pela descrição dos autos, que as normas de segurança e medicina do trabalho não foram observadas pela empregadora, estando assim comprovados os requisitos justificadores de sua responsabilidade civil (dano, nexo causal e culpa do ofensor).

A ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora do recurso na Quinta Turma, ressaltou que, ante o questionamento da empresa quanto ao nexo causal, que alegou o caráter inconclusivo do laudo pericial, não seria possível o reexame de decisões dessa natureza, nos termos da Súmula 126 do TST. Também não foram constatadas as violações dos dispositivos de lei apontados pela empresa, observou a relatora.

Por esses fundamentos, a Quinta Turma, unanimemente, decidiu manter a condenação imposta à empresa, obrigando-a ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 30 mil.


Fonte: Site oficial do TST (link direto: http://bit.ly/ny1qS8 )

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MUITO OBRIGADO!

Prezados leitores.

Hoje recebi uma bela notícia que veio lá do sul... mais especificamente da cidade de Gramado/RS, sede do XIX Congresso Brasileiro de Perícias Médicas. Fui informado que todos os exemplares do meu livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas: aspectos práticos (e polêmicos)”, disponibilizados para venda durante o evento, pela competente Editora LTr, já se esgotaram. Que alegria!

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, e também a todos que me fazem viver esse momento tão honrado, especialmente aos que investiram na compra do livro. Muito obrigado, e uma excelente leitura! Conto com os bons comentários de todos no sentido de lapidarmos ainda mais o conteúdo para segunda edição, afinal: “ninguém sabe tão muito que não possa aprender; e nem tão pouco que não possa ensinar”.

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos.  

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

TESTE DE GRAVIDEZ NO EXAME DEMISSIONAL É ILEGAL?

Prezados leitores.

Há algum tempo escrevi nesse blog sobre a solicitação do teste de gravidez no exame ADMISSIONAL. Na oportunidade, coloquei a minha opinião sobre a legalidade dessa solicitação. Confira esse texto pelo link: http://bit.ly/jMBqr5 .

Ainda sobre o mesmo tema, eis a pergunta: solicitação do teste de gravidez no exame DEMISSIONAL: é ilegal?

Pois bem, o que a CLT proíbe no Art. 373-A da CLT é a natureza discriminatória de qualquer avaliação, quando da admissão / manutenção do trabalhador na empresa. Tanto assim, que citou "estado de gravidez" juntamente com razões de "sexo, idade, cor", etc., senão vejamos:

Art. 373-A da CLT: "Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível."

Na mesma linha vem o Art. 2 da Lei 9029 / 1995, que assim coloca:

"Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez.

Pena: detenção de um a dois anos e multa."

No entanto, no exame DEMISSIONAL, a solicitação do exame Beta-HCG (teste de gravidez), na minha opinião, não caracteriza uma conduta discriminatória. Ao contrário, o que se busca é dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, uma vez que, caso a empregada esteja gestante (e ainda não saiba por ocasião do exame DEMISSIONAL), provavelmente terá que ser reintegrada à empresa após a descoberta de seu estado gravídico.

Assim, em casos de dispensa arbitrária (sem justa causa) da empregada, a solicitação do teste de gravidez no exame DEMISSIONAL não estaria objetivando discriminar essa trabalhadora. Ao invés disso, o que se busca aqui é resguardar um direito constitucional dado à provável gestante (de não ser dispensada do emprego estando grávida, com fulcro no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Art. 10, inciso II, item "b").

Importante salientar que mesmo não sendo uma conduta discriminatória, a solicitação do Beta-HCG no exame DEMISSIONAL não deve ser obrigatória (compulsória), uma vez que ausência do resultado do teste de gravidez não será determinante na qualificação de "apta" ou "inapta" atribuída à essa empregada (saibam porque através da leitura do texto que pode ser visualizado através desse link: http://bit.ly/oS5TAL ).

Alguém dirá: "mas Marcos, você está sendo contraditório, uma vez que defende em outros textos desse blog que o critério do exame admissional deve ser o mesmo do exame demissional. Se nesse caso, o teste de gravidez poderia não ser solicitado no exame admissional, então por que solicitá-lo no exame demissional?" Acredito mesmo que o critério do exame ADMISSIONAL  deve ser extamente o mesmo do exame DEMISSIONAL. E nesse caso também é. Volto a repetir: o resultado do teste de gravidez não terá nenhuma influência na hora de considerar essa trabalhadora como "apta" ou "inpata" em seu exame DEMISSIONAL. Não! O objetivo do teste de gravidez é de preservar o direito da empregada de manter-se vinculada à empresa caso esteja grávida, conforme já descrevemos. Defendo a idéia, inclusive, de que a eventual solicitação do Beta-HCG no exame DEMISSIONAL nem seja descrita no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), uma vez que sua justificativa é mais pelo aspecto legal, do que pelo aspecto médico.

Assim, por segurança jurídica (e não por ter um caráter discriminatório) o teste de gravidez no exame DEMISSIONAL pode até ser considerado recomendável (desde que voluntariamente feito pela empregada), mas não é imprescindível (uma vez que seu resultado não alterará a qualificação de “apta” ou “inapta” atribuída à essa trabalhadora).

Com enorme respeito a todas as outras, essa é a minha opinião.

Um forte abraço a todos e até sexta-feira (21/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

HONORÁRIOS PERICIAIS: VALE A PENA ADIANTÁ-LOS?

Prezados leitores.

Eis uma questão polêmica: honorários do médico perito na Justiça do Trabalho.

Vejamos o que diz a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em seu Art. 790-B (redação dada pela Lei 10.537 / 2002):

“A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita.”

Explicando: imaginemos uma perícia médica que pretende definir se a origem de uma determinada doença de um (ex-)empregado tem (ou não) nexo com o trabalho exercido na empresa X.

a)      Se o perito entender que há nexo entre a alegada doença e o trabalho realizado, isso significa dizer que a empresa X “perdeu” a perícia (é parte sucumbente), portanto, a empresa pagará os honorários do perito.

b)      Se o perito entender que não há nexo entre a alegada doença e o trabalho realizado, isso equivale a dizer que o (ex-)empregado “perdeu” a perícia (é parte sucumbente), e portanto, o (ex-)empregado deverá pagar os honorários do perito.

No entanto, na maioria das vezes (seguramente, mais do que em 90% dos casos), o (ex-) empregado que aciona juridicamente a empresa na Justiça do Trabalho goza dos benefícios da justiça gratuita, nos termos do Art. 5, inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988, que assim coloca:

“O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” (grifo nosso)

Em regra, essa comprovação de insuficiência de recursos é dada mediante simples afirmação, nos termos do vigente Art. 4 da Lei 1.060 / 1950 (redação dada pela Lei 7.510 / 1986):

“A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.”

Ainda sobre o tema, assim se posicionou o Tribunal Regional Federal da 1a Região ao definir “justiça gratuita”:

"Justiça Gratuita - Concessão mediante simples afirmação, pela parte, de que não tem condições de suportar o pagamento da verba - inteligência do art.4° da Lei 1.060/50 que não conflita com o disposto no art.5°, LXXIV da Constituição Federal" (TRF - 1a. Região na RT 746/403)."

Resumindo: em regra, se o (ex-)empregado apenas afirmar através de seu advogado que está com insuficiência de recursos, ainda que goze de um alto padrão de vida, a ele será dado o benefício da justiça gratuita. Sendo assim, caso esse (ex-)empregado seja o perdedor (derrotado) na perícia, quem irá pagar os honorários do perito, na realidade, será o Estado, e não o (ex-)empregado.

Lamentavelmente, em regra, as tabelas de honorários propostas pelo Estado (Tribunais, etc.) são menores do que os valores de honorários determinados às empresas em sentenças judiciais. Isso sem falar na imensa demora no recebimento dos honorários pelo médico perito quando estes honorários são custeados pelo Estado.

O que um juiz leva em conta na hora de arbitrar os honorários do perito? Usando o Princípio da Razoabilidade (para alguns juristas, Princípio da Racionalidade), além de características relacionadas à complexidade da perícia e grau de competência do perito, o magistrado deverá considerar também a capacidade financeira das partes, conforme nos ensinou a (revogada, porém significante) Lei 6.032 / 1974.

Considerando o item “capacidade financeira das partes”, é razoável admitir, por exemplo, que bancos e grandes organizações financeiras tenham condições de sobra para custear de forma robusta os honorários periciais. Inúmeras empresas pequenas já não gozam dessa possibilidade.

Imaginem agora uma perícia médica na Justiça do Trabalho para avaliação de um determinado transtorno psiquiátrico, ou uma doença do grupo das LER / DORTs, atribuídos ao trabalho em um determinado banco.

Quais exames complementares concluem pelo diagnóstico de tais doenças? Nenhum. Nos dois casos, de acordo com a atual literatura médica vigente, o diagnóstico será firmado em critérios fundamentalmente clínicos (dependerá sobretudo da avaliação que o médico fará sobre o periciando, nada mais).

Assim como existem bons e maus juízes, políticos, pastores, padres, advogados, etc., devo reconhecer que existem também os bons e maus médicos peritos. Imaginem agora que o médico perito da situação acima tenha um caráter questionável, e que não há nenhum assistente técnico para acompanhá-lo. Qual será a pré-disposição dele: beneficiar o (ex-)empregado ou o banco? Receber os honorários do banco (muito maiores e provavelmente bem mais rápido) ou do Estado (sabe-se lá quando)? Respondeu corretamente quem entendeu que o hipotético e corrupto médico perito tenha a pré-disposição de beneficiar o empregado para receber o seu (maior) honorário diretamente do banco.

Caros leitores, a questão que estou levantando nesse texto é tão grave que em alguns fóruns trabalhistas já se fala que “pelo médico perito indicado já se conhece a sentença do juiz”, uma vez que, na Justiça do Trabalho brasileira, o índice de concordância entre o laudo pericial e a sentença prolatada seguramente atinge a maioria dos casos no que tange às doenças relacionadas ao trabalho.

Diante de todo exposto, ficam aqui algumas dicas:

Empresas, não permitam que uma perícia, para averiguação de uma doença ocupacional, ocorra sem a devida indicação de um assistente técnico competente. Além do trabalho técnico, a simples presença do assistente técnico representa uma “vacina” contra uma eventual corrupção pericial.

Senhores Advogados das empresas, considerem junto aos seus clientes a possibilidade de adiantar os honorários periciais (ainda que não solicitados), via processual. Se pensarem bem, essa atitude minimiza a possibilidade de corrupção pericial por fatores financeiros, e pode representar um grande um investimento para o sucesso de suas pretensões.

Senhores Juízes, desconfiem de peritos que sempre beneficiam os empregados, e que só atuam em processos que envolvam empresas com capacidade econômica considerável. Isso não é uma mera coincidência!

Senhor Deus, como diz a propaganda da Coca-Cola, que os bons sejam mesmo a maioria... e que o Senhor nos livre do mal.

É o que sinceramente penso.

Fiquem à vontade para confecção de seus comentários.

Um forte abraço a todos, a até segunda-feira (17/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CONCLUSÃO PERICIAL PODE SER EXTRA PETITA?

Prezados leitores.

Segue abaixo o texto de um e-mail que recebi.

“Dr. Marcos.

Sou engenheiro de segurança em XXXX onde sou também perito judicial. Em um processo, onde o empregado dizia fazer jus ao adicional de insalubridade, o juiz solicitou a perícia para que eu fizesse essa análise. Em minha avaliação do ambiente de trabalho detectei periculosidade (e não insalubridade). E agora: na sua opinião, devo descrever a periculosidade ou me ater apenas ao tema insalubridade?

Abraço e parabéns pelo blog!

YYYYY”

Eis minha opinião.

O Art. 139 do Código de Processo Civil (CPC) nos ensina que o perito é um auxiliar do juiz (como também é o escrivão, o oficial de justiça, o depositário, o administrador e o intérprete). Daí presumo que as condutas relativas à defesa da imparcialidade que o juiz adota, devem ser aproveitadas pelo perito. Algumas dessas condutas, inclusive, são expressas em lei, senão vejamos:

“Art. 460 do CPC: É defeso (proibido) ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

O que o legislador quis, através desse artigo, foi inibir o que a doutrina chama de “decisão extra petita”, ou seja, sentença na qual o juiz concede ao autor coisa diversa da que foi requerida por este em sua petição inicial. Por exemplo: o advogado do reclamante solicita apenas o pagamento das horas-extras não quitadas, mesmo tendo direito também à percepção de um eventual adicional de férias. Nesse caso, esse adicional de férias não será concedido ao reclamante pelo fato de não ter sido feito o pedido pelo seu advogado.

Toda vez que o magistrado, pelo seu próprio arbítrio, concede à alguma das partes algo que esteja além daquilo que foi pedido na peça vestibular (petição inicial), sua imparcialidade configura-se maculada.

Se ao juiz não foi dado o direito da decisão extra petita, por que o perito (como auxiliar do juiz que é) teria direito ao “laudo pericial extra petita”?  Não vejo sentido nessa possibilidade pelo mesmo motivo já narrado: mácula à imparcialidade, nesse caso, do perito.

Assim, repouso meu entendimento no sentido de que o perito deve se limitar àquilo que consta nos autos, e que fora estabelecido pelo juiz (a quem o perito verdadeiramente auxilia). Se o magistrado solicita informações sobre insalubridade ao empregado, mas o trabalho pericial descobre a existência de periculosidade, e isso é atestado no laudo pericial por vontade exclusiva do perito, na minha opinião, houve favorecimento incontestável do trabalhador.

Alguém dirá: “mas o Princípio da Fungibilidade não pode ser aplicado nesse caso?” Em respeito aos leitores que não são da área jurídica, devo explicar que fungibilidade é o atributo pertencente aos bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade. Pensando assim, o adicional de insalubridade por ruído contínuo até poderia ser substituído pelo o adicional de insalubridade por vibração, pois ambos são de grau médio e repercutem num acréscimo de 20% sobre o salário mínimo à remuneração percebida pelo trabalhador. Já em casos onde os adicionais de insalubridade não são pagos sobre o mesmo percentual (ex.: grau médio e grau máximo), penso que a fungibilidade viria acompanhada de certa parcialidade. Indo além, tornar fungível o adicional de insalubridade (pago sobre o salário mínimo) com o adicional de periculosidade (pago sobre o salário base), é um ato de parcialidade inquestionável, à luz do meu entendimento.

Ainda que fosse possível a fungibilidade imparcial de todos os tipos de adicionais (insalubridade e periculosidade), faz-se necessário lembrar que: cabe apenas ao julgador (e não aos seus auxiliares, como é o perito) definir o que pode, e o que não pode ser fungível. Na mesma esteira, Didier, Braga e Oliveira advertem:

“Ao perito não é dado, outrossim, intrometer-se na tarefa hermenêutica. Opinar sobre questões jurídicas, interpretando lei ou citando jurisprudência ou doutrina jurídica.”

Sendo assim, caso o magistrado entenda haver fungibilidade entre os diversos adicionais, cabe ao julgador pronunciar-se sobre o tema já na intimação pericial que definirá o objeto da perícia. Assim, o perito cumprirá escrupulosamente o seu ofício, nos termos do Art. 422 do CPC, auxiliando integralmente o juiz naquilo que for requerido.

A luta pela “Saúde do Trabalhador” deve ser contínua e fomentada em todos os níveis, isso é insdicutível. Mas num processo judicial, a função do perito não é a de favorecer ninguém, seja trabalhador ou empregador. Ao contrário, sua função maior é de inegociável imparcialidade. Tudo que for objeto de menção, seja na petição inicial pelo advogado; seja na intimação pericial que definiu o objeto da perícia; seja durante a diligência pericial pelo assistente técnico; deve ser avaliado com o maior rigor possível pelo perito. No entanto, caso o advogado do empregado ou seu assistente técnico, por exemplo, deixem de contemplar algo que interessa apenas ao seu cliente, não pode ser do perito o papel de “consertar” essa negligência. De maneira análoga, não cabe ao perito extrapolar suas competências e fazer o papel de julgador, tornando fungível aquilo que só o juiz, caso entenda dessa forma, poderá fazê-lo.

Alguns dirão: “mas o advogado, muitas vezes, não tem conhecimento técnico para distinguir entre agentes insalubres ou perigosos. Sendo assim, o perito deve descrevê-los em sua plenitude.” Respeitosamente discordo dos que assim pensam. Justamente por falta de conhecimento específico, a lei deu às partes a prerrogativa de serem auxiliadas por um assistente técnico. Se o advogado do empregado não usou dessa prerrogativa na confecção de sua peça processual (independente dos motivos que o levaram a isso), não cabe ao perito fazer o papel conjunto de assistente técnico do trabalhador. Assim como não é possível ser juiz e advogado de alguém no mesmo processo, não dá para associar a função de perito e de assistente técnico numa mesma causa. Em ambos os casos a imparcialidade (seja do juiz, ou seja do perito) estaria completamente comprometida, e seus atos passivos de nulidade.

Mas curiosamente, vejamos o texto da Súmula 293 do TST:

“A verificação mediante perícia de prestação de serviços em condições nocivas, considerado agente insalubre diverso do apontado na inicial, não prejudica o pedido de adicional de insalubridade.”

Pela interpretação da súmula acima, por exemplo, se o reclamante solicita adicional de insalubridade por ruído, mas o perito percebe que há no ambiente insalubridade por risco biológico (e não insalubridade pelo ruído), e atesta isso voluntariamente em seu laudo pericial, isso não configuraria um “laudo pericial extra petita”, e o reclamante faria jus ao recebimento do respectivo adicional de insalubridade por risco biológico. É a aplicação (na minha opinião, questionável) do já mencionado Princípio da Fungibilidade.

Discussão: o que o TST considera quando o empregado pede apenas insalubridade, mas só há a descoberta de periculosidade no ambiente laboral? Seria uma interpretação análoga à mencionada Súmula 293?

Independente de qualquer coisa, percebam que a referida súmula não obriga o perito a adotar a conduta de descrever o risco diverso daquele ao qual foi analisar. Não! A súmula apenas entende que não há quebra de imparcialidade caso o perito descreva todos os riscos encontrados, independente de terem sidos mencionados na peça inicial (especificamente falando de insalubridade), uma vez que seriam fungíveis. Humildemente, eu discordo. Ainda bem que ao perito é mantido o direito de falar apenas sobre o assunto delimitado pelo juiz e/ou abordado pelo assistente técnico quando do momento pericial.

Entendo que o perito que voluntariamente atesta em seu laudo riscos diversos dos que foram mencionados na petição inicial; na intimação que definiu o objeto da perícia; ou durante a diligência pericial pelo assistente técnico (ainda que relativos apenas à insalubridade), age privilegiando uma das partes no processo, o que na minha opinião deve ser contraindicado por ferir a imparcialidade, o grande qualificativo de um bom perito. Além disso, também extrapola suas competências tornando fungíveis os respectivos adicionais, algo que só poderia ser feito pelo magistrado.
Essa é a minha opinião.

Um forte abraço a todos e até quinta-feira (13/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

EMBRIAGUEZ E ALCOOLISMO GERAM ESTABILIDADE NO EMPREGO?

Prezados leitores.

É justo que o alcoolismo (em regra, doença não ocupacional) obrigue o empregador a manter vínculo com um empregado, mesmo quando essa doença não gere incapacidade que o faça receber algum benefício previdenciário?  

Que culpa tem o empregador pelo alcoolismo do empregado a ponto de ser responsável pela manutenção desse vínculo de emprego, muitas vezes em situações que colocam em risco, tanto a vida do empregado, quanto a vida de terceiros?

Por outro lado, arrumaria outro emprego o trabalhador alcoólatra que fosse dispensado de alguma empresa, em idade já avançada?

Dispensar alguém nessas condições é discriminatório, ou é uma questão de zelo para com ele e com terceiros? Essa dispensa ofenderia ou defenderia o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana?

Segue abaixo um texto que nos convida para essa boa reflexão. Trata-se da opinião do Dr. Cássio Casagrande, Procurador do MPT-RJ.

Boa leitura!

Um forte abraço a todos e até segunda-feira (10/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha


EMBRIAGUEZ E ALCOOLISMO NO TRABALHO

Cássio Casagrande*

Uma curiosa decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo proferida neste mês chamou a atenção para um problema social e médico comum nas relações do trabalho: a embriaguez e o alcoolismo.

O TRT paulista decidiu que a ingestão de cerveja no intervalo para refeição não constitui falta grave do empregado, ensejadora de justa causa. A empresa Verzani e Sancrino Segurança Patrimonial despediu um de seus vigilantes porque o mesmo fora flagrado bebendo cerveja, no horário de intervalo destinado ao descanso. Segundo a prova dos autos, o autor não aparentava embriaguez, porém a testemunha que o vira naquele momento declarou em juízo que o mesmo exalava o odor típico do fermentado. O Tribunal entendeu que a embriaguez só poderia estar configurada pelo “aparente e inequívoco estado do indivíduo que, nesta condição, não detém o governo de suas faculdades e mostra-se totalmente incapaz de exercer com prudência até mesmo as mais singelas atividades”.

A CLT autoriza o empregador a despedir o empregado por justa causa quando ocorrer “embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, letra f)”. Isto significa dizer que o despedimento é autorizado quando o empregado se apresentar habitualmente sob o efeito de álcool ou quando consumi-lo durante o expediente. Como foi visto, a jurisprudência entendeu no caso acima que a ingestão moderada de bebida alcoólica durante o intervalo não caracteriza a justa causa. Mas há outros importantes aspectos a serem considerados neste tema. Em alguns casos, o estado de embriaguez justificador da justa causa pode ocorrer até mesmo fora do ambiente de trabalho. Em outros, a embriaguez pode denotar a doença do alcoolismo, o que poderia até mesmo impedir o despedimento do empregado. Portanto, é importante distinguir inicialmente embriaguez de alcoolismo. Nem todo embriagado é alcoólatra e nem todo alcoólatra se apresenta publicamente em estado de embriaguez.

Comecemos com o estado de embriaguez eventual. O comparecimento ao trabalho neste estado pode ou não caracterizar a justa causa, dependendo das circunstâncias do caso. Um peão da uma fazenda de pecuária beber um pouco além da conta numa friorenta e longa jornada de trabalho pode ser algo socialmente tolerável se isto não o incapacita de todo para o trabalho. Já um comandante de aeronave apresentar-se para um vôo embriagado é algo tão grave que dispensa comentários. Claro que no primeiro caso se a embriaguez for habitual, a situação pode mudar.

Se a embriaguez ocorre “fora do serviço”, ainda que habitualmente, em princípio o empregador nada tem a ver com isto, já que se trata da vida privada do empregado. Mas também aqui pode haver circunstâncias que justifiquem uma demissão por justa causa. É que em certas atividades e profissões o empregado deve guardar certo decoro mesmo fora de seu horário de trabalho. Imagine-se um professor secundarista que “encha a cara” numa festa de fim de semana de seus alunos e acabe perdendo completamente a linha. Este comportamento pouco discreto pode abalar a imagem do seu empregador, que poderá considerar aquela conduta como falta grave.

Mas é no terreno da embriaguez “habitual”, que é preciso ter cuidado. Como é sabido, a Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo uma doença provocada por dependência química. E, como tal, ela afeta milhões de trabalhadores, com importantes repercussões nas relações laborais. Assim, ao constatar que um de seus empregados vem apresentando com freqüência problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool, o empregador deve agir com cautela e de forma diligente, de modo a averiguar o problema do ponto de visa da saúde ocupacional. Não raro o alcoolismo tem origem em condições opressivas de trabalho, sendo comum também entre trabalhadores submetidos a grande pressão psicológica, como aqueles que ficam isolados durante muito tempo em plataformas de petróleo ou os controladores de vôo, que não podem errar. Algumas profissões peculiares também facilitam a ocorrência da doença, como a de barman ou provadores de bebidas alcoólicas.

Ainda que o alcoolismo não tenha origem em problemas relacionados ao ambiente de trabalho, mesmo assim deve ser encarado como doença pelo empregador. E isso tem importante repercussão jurídica, já que ninguém pode ser despedido por estar doente. Certa vez, quando exercia a advocacia, defendi um trabalhador que havia sido despedido por embriaguez habitual, mas cujo caso ocultava um sério problema de alcoolismo. Este meu cliente havia trabalhado durante mais de vinte anos para uma companhia estadual de energia elétrica, tendo recebido ao longo de sua vida funcional diversos prêmios pela sua produtividade. Quando foi ao meu escritório percebi que estava num adiantado e perigoso estágio de alcoolismo. Contou-me que seus problemas com o álcool haviam começado há relativamente pouco tempo, em razão de problemas familiares. O curioso é que a empresa, percebendo a situação de seu antigo funcionário, chegou a afastá-lo de suas atividades e a pagar um tratamento contra o alcoolismo. O tratamento fora infrutífero e o meu cliente voltara a beber violentamente. A empresa, acreditando que já havia feito a sua parte e que o quadro era irreversível, simplesmente despediu o empregado por justa causa, alegando a “embriaguez habitual”. Não é preciso dizer que a Justiça do Trabalho considerou esta dispensa nula, pois se a própria empresa admitira que o seu empregado estava doente, não poderia despedi-lo por esta razão.

Em casos como esses, portanto, o problema deve ser visto do ponto de vista médico e não disciplinar - e se o empregado não conseguir superá-lo, a questão deve ser encaminhada à previdência social.

*Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Coordenador do CEDES – Centro de Estudos Direito e Sociedade. O presente texto também pode ser acessado no site do CEDES (www.cedes.iuperj.br), juntamente com outros artigos sobre “Cidadania no Trabalho”.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE INSALUBIDADE E PERICULOSIDADE.

Prezados leitores.

Assim diz a Constituição Federal, em seu Art. 7o, inciso XXIII:

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (XXIII) adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”

Com base nesse texto, a Lei 6.514 / 77, em texto que compõe o Art. 190 da CLT, assim coloca:

“O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.”

Por sua vez, ao editar a Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15), através da Portaria MTE 3.214 / 78 (e alterações posteriores), o Ministério do Trabalho e Emprego (momenclatura atual desse órgão) definiu os seguintes agentes como geradores de insalubridade:

1)      ruído contínuo;
2)      ruído de impacto;
3)      calor;
4)      radiação ionizante (atualmente estudada como agente periculoso – e não insalubre – por força da Portaria MTE 3.393 / 87 combinada com Portaria MTE 512 / 03);
5)      condições hiperbáricas;
6)      radiação não ionizante;
7)      vibrações;
8)      umidade;
9)      frio;
10)   agentes químicos (sólidos, líquidos e gasosos);
11)   agentes biológicos.

Em todos os casos, não basta a presença de tais agentes para se falar em insalubridade. É necessário que se estabeleçam os critérios que definem o ambiente como insalubre, definidos conforme a própria NR-15.

Outra questão a ser ponderada: não basta haver um ambiente insalubre para que o trabalhador faça jus, por exemplo, ao adicional de insalubridade. Caso haja algum equipamento de proteção individual que seja capaz de neutralizar a insalubridade vinda desse ambiente, o adicional de insalubridade não deverá ser pago ao empregado, como nos ensina o Art. 191, inciso II, da CLT:

“A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: (II) com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.”

Mas o que é insalubre? Conforme o Dicionário Aurélio, insalubre é o que origina doença. É, no mínimo, estranho: nossa Constituição Federal diz que aquele que trabalha em um ambiente insalubre (que origina doença) tem direito a receber um adicional financeiro por isso, pago mensalmente. Em outras palavras, o que se verifica é que a nossa lei maior ampara a venda parcelada da saúde de milhares de trabalhadores brasileiros expostos à insalubridade. É a triste literalidade do versículo bíblico que diz que “o dinheiro é a raiz de todos os males”, nesse particular, entendido como doenças.

O nível de anacronismo é tanto, que quando as entidades que “defendem” os interesses dos trabalhadores brigam pelo assunto insalubridade, não é para que se extinga o trabalho insalubre. Não! Ao contrário, o que se busca normalmente é o aumento do adicional de insalubridade. É como se dissessem: “concordamos em vender a saúde de nossos trabalhadores, desde que isso seja feito a um preço melhor”. Quanta loucura.

Em regra, o adicional de insalubridade não gera direito adquirido. Ou seja, mesmo após ter trabalhado em um ambiente insalubre e sem EPI adequado por 10 anos, um empregado poderá perder o adicional de insalubridade caso a empresa torne o ambiente salubre, por exemplo, com a compra de novos maquinários. Mas se o patrão dissesse: “trago-lhe uma ótima notícia... nossa empresa não o adoecerá mais, tanto é que nem precisarei lhe pagar mais o adicional de insalubridade”, qual seria a reação desse empregado? Certamente, a pior possível. Cômico, se não fosse trágico.

Em países que defendem verdadeiramente a integridade de seus trabalhadores, a regra é diferente: é proibido o trabalho em ambientes insalubres e sem EPIs que neutralizem os riscos que geram doenças.  Simples assim. Além disso, tudo que gerar risco e não puder ser neutralizado por EPI, a bem da verdade, não é insalubre, e sim periculoso. Infelizmente, algumas profissões fundamentais para humanidade só existem em conjunto com agentes periculosos. Disso, infelizmente ainda não foi possível fugir.

Falando nisso, por que os explosivos são considerados agentes periculosos? Pois o perigo não está na “convivência contínua” com os explosivos, e sim numa eventual explosão. Não há EPI que defenda um trabalhador no momento de uma explosão.

Por analogia, falemos, por exemplo, do agente biológico, atualmente enquadrado como agente insalubre. Um profissional de saúde pode conviver com vários doentes, sem nunca ter sido infectado por nenhuma doença. No entanto, pela natureza microscópica dos agentes, não há como neutralizar 100% dos agentes mediante uso de EPIs. Exemplificando: por melhores que sejam as máscaras, nunca eliminaremos o ar como um meio de propagação potencial de doenças dentro dos serviços de saúde. Outro exemplo: qual seria o EPI aplicável ao ambiente hospitalar, e que ofereça completa proteção aos acidentes com perfurocortantes? Também não dispomos dele ainda.

Assim, no caso dos agentes biológicos, o problema não está na “convivência contínua” com os pacientes por parte dos profissionais de saúde, e sim numa eventual contaminação dentro do ambiente trabalho. Por esse motivo, na minha opinião, agentes biológicos estão muito mais para agentes periculosos, do que para agentes insalubres.

Poderíamos incluir na mesma situação, embora de forma discutível: ruído de impacto, e condições hiperbáricas.

Numa lógica inversa, vejamos o caso da radiação ionizante. Estatisticamente, a maior probabilidade de adecimento provocada por esse agente advém da exposição contínua e desprotegida, e não por acidente envolvendo radiação ionizante. Por isso, esse agente é originalmente considerado como insalubre (para mim, de forma correta). Sua transformação para agente periculoso ocorreu na época do acidente de Goiânia/GO com o Césio-137. A repercussão foi tamanha que esse agente mereceu ser “promovido” para o capítulo da periculosidade, cujo adicional de remuneração é pago sobre o salário base (e não sobre o salário mínimo, como ocorre na insalubridade), o que o torna mais desejável.

Enfim, numa época em que o MTE estabeleceu como prioridade a reestruturação da NR-15, deixo registrado alguns de meus devaneios sobre o tema. Fiquem à vontade para opinar. 
Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha