quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

EMPRESA PODE NEGAR ATESTADO COM (OU SEM) CID?

Vídeo-aula sobre esse texto:




Prezados leitores.

Eis a pergunta que veio através do meu e-mail:

“Marcos.
(...)
Tenho uma clínica de Medicina do Trabalho em XXXX. Uma empresa local não aceita atestados médicos que eu emito, a não ser que tenha CID. Sei que não sou obrigado a colocar CID, conforme regras do CRM, mas acabo colocando assim mesmo. Há alguma sugestão nesse caso?
(...)
Dr. XXXX”

Primeiramente, cabe uma outra pergunta: por quê uma empresa recusaria um atestado médico emitido pelo ortopedista de um de seus empregados? Só conseguimos ver uma resposta que seja eticamente e moralmente aceitável: por desconfiança quanto à verdadeira necessidade dos dias propostos para afastamento nesse atestado. Considerando que os chamados “atestados graciosos” (atestados que sugerem um número de dias de afastamento maior do que o necessário) existem em abundância, torna-se compreensível a contínua desconfiança das empresas quanto aos atestados trazidos por seus empregados.

Por uma questão lógica, podemos afirmar que somente os profissionais do serviço médico da empresa possuem o gabarito técnico e científico de, eventualmente, confrontar os atestados emitidos por outros médicos que assistam os empregados. O chefe do departamento de recursos humanos (RH), por exemplo, normalmente não possui conhecimento técnico para avaliar os atestados trazidos pelos trabalhadores. Assim, como regra, concluímos que a empresa, sem o seu serviço médico, não deveria negar a eficácia de nenhum atestado trazido por seus empregados. Não deveria, mas existem várias empresas que compartilham dessa prática.

Ratificando, somente as empresas que dispuserem de serviço médico, possuem a condição técnica de avaliar um trabalhador (através de um novo exame clínico), no sentido de certificar a veracidade e coerência do atestado trazido. Corrobora com esse raciocínio a Lei n. 8.213 / 91, em seu art. 60, § 4º:

“A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º (aos 15 primeiros dias de afastamento — grifo nosso) somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias.”

Sobre a postura do serviço médico da empresa frente aos atestados trazidos por seus funcionários, advogamos com veemência a tese de que não basta que esse serviço “homologue” (ou não) os atestados trazidos, simplesmente aceitando-os ou negando-os. A avaliação documental do atestado trazido pelo empregado é importante. No entanto, muito (mas muito) mais importante é a realização de um novo exame clínico nesse trabalhador, feito pelo próprio serviço médico da empresa. É esse novo exame clínico que mostrará a coerência (ou não) do atestado trazido pelo empregado, tornando mais justa (e segura) sua avaliação. Assim, sugerimos sempre que o serviço médico da empresa só recuse (ou não) algum atestado trazido pelo trabalhador após um novo e detalhado exame clínico. Exploramos fartamente esse tema em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w


  Qual a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico?  Antes de respondermos a essa pergunta, faz-se necessário algumas considerações sobre a legalidade dos atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho.

O enunciado da Lei 605 / 49, art. 6o, parágrafo 2o, assim coloca:

“A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

  Na mesma linha, vem a Súmula n. 15 do Tribunal Superior do Trabalho:

“A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Complementando, vejamos o que diz a Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III:

"Compete ao cirurgião dentista: atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive para justificação de faltas ao emprego."  

Pelo exposto, observamos que, pela Lei 605 / 49, combinada com a Lei 5.081 / 66, somente médicos e odontólogos podem emitir atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Percebemos também que essas leis não citaram nenhuma outra profissão. Nenhuma.

Importante salientar que essas leis são válidas apenas para trabalhadores vinculados a empresas privadas, ou para servidores públicos regidos pela CLT, conforme estabelece o art. 1 da Lei 605 / 49; e o já citado artigo 6, inciso III, da Lei 5.081 / 66, ao usar o termo “emprego” – palavra atribuída a uma relação trabalho balizada pela CLT. O Direito Público, em regra, tem suas próprias regras (estatutos).

Pela a análise do art. 6o, parágrafo 2o, da Lei 605 / 49, percebemos também uma clara hierarquia entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. A palavra “sucessivamente” não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a isso. Conforme essa hierarquia, assim são valorados os atestados médicos:

·  1o lugar: atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

·  2o lugar: atestado de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

·  3o lugar: atestado de médico da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do "Médico Examinador", nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

·  4o lugar: atestado de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

·  5o lugar (e último): qualquer outro médico que o trabalhador escolher.

Na mesma esteira, assim julgou o Tribunal Superior do Trabalho (RR- 18-84.2010.5.12.0010):

EMENTA: “RECURSO DE REVISTA. SUMARÍSSIMO. ABONO DE FALTAS - ATESTADO FORNECIDO POR MÉDICO SEM VINCULAÇÃO COM A EMPRESA. A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecida em lei (Súmula/TST nº 15). Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 (quinze) dias de ausência ao trabalho (Súmula/TST nº 282). Recurso de revista conhecido e provido.”

No entanto, pelo ensinamento trazido pela Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III, entendemos que o art. 6o, parágrafo 2o, da Lei 605 / 49 pode ser também interpretado usando como equivalentes as palavras “médico” e “odontólogo”, únicos profissionais outorgados, mediante leis ordinárias, para emissão de atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Assim, legalmente, consideramos correta (e completa) a seguinte hierarquia de atestados:

·  1o lugar: atestado de médico / odontólogo da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;

·  2o lugar: atestado de médico / odontólogo do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;

·  3o lugar: atestado de médico / odontólogo da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do "Médico Examinador", nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);

·  4o lugar: atestado de médico / odontólogo a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;

·  5o lugar (e último): qualquer outro médico / odontólogo que o trabalhador escolher.

Dessa forma, concluímos, por exemplo, que a decisão do Médico Perito do INSS (1o lugar na hierarquia) prevalece sobre a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia). Abordamos com mais profundidade em outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w

De maneira análoga, observamos que a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia), prevalece sobre a decisão do Médico Assistente, escolhido livremente pelo paciente (5o lugar – e último – na hierarquia). Essa é a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico.

Exemplificando: caso o empregado leve algum atestado ao serviço médico da empresa, após a realização do exame clínico, o Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (ou odontólogo da empresa, caso haja, para avaliação de assuntos relacionados à odontologia) poderá discordar daquele tempo proposto no atestado inicial, só devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias contínuos (conforme art. 274 da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10), ou intercalados (nos moldes estabelecidos pelo art. 276, incisos III e IV, da Instrução Normativa INSS n. 45 / 10). O parecer advindo desse novo exame clínico feito pelo serviço médico da empresa terá força legal de um novo atestado, dessa vez emitido pelo Médico do Trabalho / "Médico Examinador" (3o lugar na hierarquia). Assim, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” poderá concordar (ou não) com o atestado trazido pelo empregado (independente da presença do CID), pois sua convicção se sustentará no exame clínico realizado por ele próprio, e não apenas no atestado em posse do trabalhador.

Na mesma esteira, vem o Parecer 3.657 / 2009 do Conselho Regional de Medicina do Minas Gerais, que assim coloca:

“Ao médico do trabalho, no exercício de suas atividades dentro do âmbito da empresa, é facultada a possibilidade de discordar de atestado médico apresentado pelo trabalhador, assim como estabelecer novo período de afastamento decorrente de sua avaliação médica, sempre assumindo a responsabilidade pelos seus atos.”

O serviço médico da empresa deve aceitar um atestado emitido por um profissional que não seja, nem médico, nem odontólogo? Fornecemos a resposta dessa pergunta num outro texto desse blog, link: http://bit.ly/qQX66w

  Uma empresa pode exigir que os atestados trazidos por seus empregados venham com a descrição do CID (Classificação Internacional de Doenças)? Não há previsão legal para essa solicitação. Ainda assim, muitas empresas condicionam a aceitabilidade dos atestados entregues por seus funcionários, com a necessária descrição do CID nesses documentos. Essa prática – que qualificamos como ilegal, por ferir a intimidade dos trabalhadores – repercute na mesa de muitos consultórios médicos. Nesse contexto, qual deve ser a conduta do médico assistente quando souber que a empresa, onde trabalha o seu paciente, exige a colocação do CID no atestado?

Assim coloca a Resolução n. 1.658/2002 do Conselho Federal de Medicina:

“Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos:

II — estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente.

Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

Parágrafo único. No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.”

Pelo que se extrai da normativa acima, a questão a ser resolvida pelo médico assistente que fornecerá o atestado é, sobretudo, com o paciente, e não com a empresa. Sabedor de que a ausência do CID no atestado poderá gerar desconto em seu salário, o próprio empregado, em regra, concorda com a colocação do CID nesse documento. Assim, cabe ao médico assistente lembrá-lo de que essa concordância deverá estar expressa (escrita) no próprio atestado, conforme se aduz da própria Resolução do CFM supracitada.

Alguns dirão: “essa empresa deveria ser denunciada por exigir que os empregados abram sua intimidade dessa forma”. Concordamos. No entanto, repousamos nosso entendimento no sentido de que o cuidado do médico assistente deva ser, sobretudo, com o paciente. Se o paciente autorizar expressamente, o CID será colocado. Caso não autorize, o CID não será colocado. Pronto. O que passar disso, na nossa opinião, deve ser resolvido entre os empregados (ou seus sindicatos), a empresa, o Ministério do Trabalho, etc.

Alguns também dirão: “dessa forma o médico estará coagindo o paciente a colocar o CID no atestado”. Respeitosamente, ousamos discordar dos que assim pensam. A pergunta ao paciente é clara e única: “você autoriza colocar o CID — o código de sua doença — no atestado que lhe será fornecido?” Caso ele negue, o assunto se encerra, e o CID não será colocado. Não há coação nenhuma da parte do médico.

Alguns ainda sustentarão: “é lógico que o paciente vai querer colocar o CID, até porque, caso não o faça, terá o salário descontado”. Concordamos (pela prática) que a maioria opta pela colocação do CID no atestado, quando se depara com tal circunstância. Mas ratificamos: os motivos que levaram o paciente a concordar com a colocação expressa do CID no atestado não dizem respeito ao médico. Se houve algum tipo de coação, esta foi feita pela empresa, instituição pela qual o médico não pode (e nem conseguiria) se responsabilizar.

Com todo respeito às opiniões divergentes, esse é o meu raciocínio.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

APRENDI EM BRASÍLIA QUE...

Prezados leitores.

Tive dois dias de intenso em aprendizado. Ocorre que nesse último final de semana (10 e 11/12/2011) ministrei uma aula para 42 médicos na bela Brasília, nossa linda capital federal. Interessante: cada curso traz consigo a sua peculiaridade, e esse não foi diferente.

O tema era “Legislação do Trabalho (e Previdenciária) aplicada à Medicina do Trabalho”.  Nesse tipo de aula, já têm sido comum que a polêmica se instaure quando o assunto desemboca na atividade dos peritos médicos do INSS. Muitos médicos assistentes questionam, por exemplo, as metodologias usadas pelos peritos quando da concessão (ou não) de benefícios previdenciários. E a discussão sempre vai longe...

No entanto, nesse grupo de 42 médicos, havia um bom quantitativo de médicos peritos do INSS. Os demais eram médicos assistentes, representantes de várias especialidades. Pela quantidade expressiva de médicos peritos do INSS, vi naquela sala uma oportunidade rica de debates intensos entre os próprios colegas. Optei, de forma improvisada, por uma (arriscada) estratégia pedagógica: fomentar um debate aberto, franco e respeitoso (ainda que acalorado) entre os médicos ali presentes. Pra minha sorte, a estratégia foi acertada!

Saí do papel de professor e assumi o papel de intermediador. Estabeleci um pacto de respeito entre todos os presentes, e comecei, eu mesmo, uma espécie de sessão “pergunte ao perito do INSS o que você sempre quis, mas nunca teve a coragem de perguntar”. Sensacional! Fiz apenas a primeira pergunta. Daí pra frente, virei um vibrante expectador de um debate valiosíssimo, que foi naturalmente instalado. Saldo de tudo isso: aprendi muito!

Entre tantas opiniões diferentes (por vezes frontalmente conflitantes), chegamos a pelo menos um bom consenso: que a verdadeira justiça, no que concerne à concessão (ou não) de benefícios previdenciários, depende da ação conjunta de TODOS os médicos (peritos do INSS, médicos do trabalho, e médicos assistentes).  Essa ação, inevitavelmente, passa (também) pelo ensino do básico de LEGISLAÇÃO (previdenciária, trabalhista, tributária, etc.) aos médicos, algo que as escolas de graduação em medicina são historicamente (e inexplicavelmente) omissas. Por tal omissão, pagam os próprios médicos, os trabalhadores, as empresas, além de todos os contribuintes, ou seja, todos nós. Lamentável.

Que 2012 traga novos e bons ventos, pois como diria a canção: “vivemos esperando dias melhores...  dias de paz...  dias a mais... dias que não deixaremos para trás.”

Um forte abraço a todos e até quarta-feira (14/12), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"APTO COM RESTRIÇÕES" TEM RESPALDO LEGAL?

 
Prezados leitores.

Muitos Médicos do Trabalho defendem a idéia de que no ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) devam constar apenas os dizeres: “apto” ou “inapto”. Eles justificam essa defesa no texto da própria Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7).

Temos fortes reservas quanto a isso. Vejamos o que, de fato, diz a NR-7 em seu item 7.4.4.3, alínea “e”:

“O ASO deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.”

O termo “no mínimo” deixa margem à possibilidade de ampliação do conteúdo do ASO. O que a NR-7 estabelece é apenas o conteúdo mínimo.

Temos em nossa legislação trabalhista exemplos similares. O art. 58 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) assim coloca:

“A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

Interpretando: nesse caso, a CLT demarcou o limite máximo da duração de trabalho em 8 horas por dia, o que não quer dizer que categorias específicas possam ter jornadas de trabalhos fixadas em tempos menores, como, por exemplo, 6 horas por dia (ex.: alguns bancários).

Pelo exposto, fica valendo o seguinte: ninguém poderá restringir / suprimir os direitos trabalhistas, mas unicamente aumentá-los / melhorá-los. Na mesma linha, vem o julgado a seguir:

EMENTA: “NORMA COLETIVA MAIS BENÉFICA - PREVALÊNCIA. A Constituição Federal reconhece a validade dos acordos e convenções coletivas (art. 7º, XXVI), sendo aplicável ao trabalhador a norma mais benéfica, independentemente da hierarquia kelseniana.” (Processo: 01681-2008-090-02-00-3)

Voltando à questão inicial, perguntamos: o termo “apto com restrições” (ou “apto com recomendações”) aumenta / melhora o direito dos trabalhadores? Entendemos que sim, pelos motivos que passamos a colocar:

a) vemos o “apto com restrições / recomendações” de forma mais inclusiva ao trabalho do que o simples “apto” ou “inapto”. Imaginemos, por exemplo, um “auxiliar de serviços gerais” que apresente algumas poucas e sérias restrições físicas. Suponhamos que, no exercício da função de “auxiliar de serviços gerais” houvessem várias atividades laborais, desde as mais leves até as mais pesadas. Nesse contexto, diante apenas das opções “apto” e “inapto”, talvez esse empregado se enquadrasse melhor na condição de “inapto”. No entanto, com a possibilidade da opção “apto com restrições / recomendações”, provavelmente ele assim seria qualificado;

b) ao elencar as restrições (no ASO, em relatório, e no prontuário médico), o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” mostrará também seu inquestionável senso de cuidado para com o trabalhador em análise. É importante lembrar que é obrigação do Médico do Trabalho (incluo aqui o “Médico Examinador”grifo nosso) atuar visando, essencialmente, à promoção da saúde dos trabalhadores, conforme Código de Conduta do Médico do Trabalho. [ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), 2003].

c) o termo “apto com restrições” também tem o aval da ANAMT, conforme modelo de ASO elencado na Sugestão de Conduta Médico-Administrativa n. 6, 2001.

Assim, nosso entendimento caminha no sentido de que colocar no ASO os termos “apto com restrições” ou “apto com recomendações”, além de ser legal, é plenamente recomendável, pois caracteriza inquestionável zelo para com a saúde do trabalhador, além de ser um importante fator contribuinte de inclusão social.

Para que a saúde do(s) trabalhador(es) não seja(m) colocada(s) em risco, vale ratificar que as restrições / recomendações devem estar detalhadamente expressas, de forma escrita, no próprio ASO, além de serem verbalmente comunicadas ao empregador (ou a quem por ele responda) pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Isso não deve ser confundido com quebra de sigilo profissional, com fulcro no art. 76 do Código de Ética Médica:

“É vedado ao médico: revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.”

No caso em tela, visando a preservação da integridade do empregado, a comunicação ao empregador quanto às limitações do examinado reveste-se de elevado senso de cuidado e zelo. Já o silêncio se configuraria como omissão e ofensa direta ao aludido art. 76 do Código de Ética Médica.

Cabe-nos ressaltar que preferimos o termo “apto com recomendações” ao termo “apto com restrições”. Motivo: conquanto a análise prática seja exatamente a mesma, o termo “recomendações”, além de evidenciar o cuidado do Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, não dá margem a nenhum tipo de interpretação pejorativa ao empregado, diferentemente do uso do termo “restrições.”

Em outro texto desse blog (link: http://bit.ly/pH5boc) abordamos com propriedade o uso do termo “apto com contraindicação à função”, também colocado no modelo de ASO que propomos.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
         Twitter: @marcoshmendanha

SOBRE MEU (ESGOTADO) LIVRO

Prezados leitores.

Tenho o imenso orgulho de anunciar-lhes que, com apenas 3 meses após o lançamento, a primeira edição do meu livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas: aspectos práticos e polêmicos” está esgotada!

Provavelmente entre os meses de março e abril de 2012, mais uma vez em parceria com a competente Editora LTr, estarei lançando a segunda edição, já revisada e ampliada.

Agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com a confecção desse livro. Nesse momento, agradeço especialmente aos leitores. Tenho recebido e-mails de todos os lugares do Brasil comentando sobre a obra. Algumas mensagens são elogiosas, outras nem tanto (aliás, entre elas, algumas são críticas bem contundentes). Fantástico! A idéia do livro era essa mesmo. Através da legislação pertinente e, quando cabia, da minha opinião pessoal, propus um debate aberto e maduro (sem nenhum tipo de melindre) sobre os apaixonantes temas Medicina do Trabalho e Perícias Médicas. O objetivo foi satisfatoriamente alcançado.

Prova de que o debate foi válido é a necessidade que vejo da revisão e ampliação dos temas abordados para a segunda edição. Obrigado, Senhores leitores, por me fazerem entender que algumas coisas que escrevi podem ser revistas, melhoradas, ampliadas, etc. Muitas outras, no entanto, devem ser ratificadas, e agora com um vigor ainda maior, diante dos tantos exemplos práticos que me chegaram através de e-mails.

Como diria meu velho pai... “estou ficando mestre na arte de aprender”.

2012 promete...

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A PERÍCIA É MÉDICA, MAS O ASSISTENTE TÉCNICO É VETERINÁRIO. E AGORA?

Prezados leitores.

Imaginem uma perícia judicial, deferida por um juiz atuante na Justiça do Trabalho, para detecção (ou não) de uma doença ocupacional. Na sala da perícia estão: o médico perito, o periciando, e apenas um assistente técnico. No entanto, ao ver a documentação desse assistente técnico, o médico perito descobre que ele seja, por exemplo, um médico veterinário. E agora? O médico perito deve ou não permitir a participação desse outro profissional como assistente técnico dessa perícia médica?

Se estivéssemos falando de uma perícia previdenciária junto ao INSS, o assistente técnico necessariamente deveria ser um médico, tal qual o perito. Vejamos o que diz a Lei 8.213 / 1991, em seu Art. 42, § 1º: 

“A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.”

O “médico” ao qual se referiu esse artigo, é o próprio assistente técnico do segurado. No entanto, vale a pena lembrar que a Lei 8.213 / 1991 é específica para questões relacionadas à Previdência Social.

Para uma perícia médica na Justiça do Trabalho, a lei mais específica é a Lei 5.584 / 1970. Porém, sobre qual qualificativo deve ter o assistente técnico, ela nada fala. Dessa forma, subsidiariamente, aplicamos o Art. 422 do Código de Processo Civil (CPC) – redação dada pela Lei Ordinária n. 5.869 / 1973:

 “Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

O texto do CPC não deixa dúvidas: assistente técnico pode ser qualquer profissional, desde que seja de confiança da parte.

É importante lembrarmos que a escolha de um assistente técnico é uma opção (e não uma obrigação) dada às partes do processo. Com ou sem a escolha do assistente técnico, a perícia ocorrerá! Ora, se é uma opção, todo ônus e todo bônus pela escolha de um assistente técnico, será da parte que o escolheu.

Do Art. 422 do CPC extraímos que as partes são livres para escolherem os assistentes técnicos que desejarem, entre quaisquer profissionais: não há nenhum tipo de impedimento ou suspeição nessas escolhas. Todavia, se escolherem bem, a chance de um bom resultado no processo aumenta. Se escolherem mal, a chance de um mau resultado também será considerável.

Nesse contexto, imaginem-se como técnicos de uma determinada equipe de futebol. Vocês escalariam um exímio piloto de Formula 1 para ser o zagueiro do seu time? Penso que não, pois se assim fizessem, não estariam escolhendo o melhor profissional para defendê-los, por mais brilhante que esse profissional fosse numa outra área. Assim deve ser o pensamento das partes na hora de escolherem seus assistentes técnicos. A pergunta a ser respondida é: qual profissional é o mais qualificado para atuar na defesa dos interesses da parte que o contratará?  Na confecção dessa resposta, devem ser obrigatoriamente avaliados itens como: formação acadêmica, currículo e experiência pericial desse candidato.  

Mas e com relação aos aspectos éticos da perícia médica? Caso o perito (médico) verifique a presença de um assistente técnico (não médico), como deverá se portar?

Enquanto o Art. 422 do CPC diz que “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição”, assim coloca o Parecer n. 09 / 2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina):

"O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

E agora? Se verificado o conflito entre as duas normas acima, qual deve seguir o perito?

Vale lembrar que em um processo judicial o juiz é o árbitro, e os peritos são seus auxiliares, como nos ensina o Art. 139 do CPC. Os auxiliares não devem obedecer regras processuais próprias, mas sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo magistrado, o grande árbitro do processo.

Apenas para ilustrar, imaginem um juiz de futebol e seus auxiliares (bandeirinhas). Imaginem que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível! Nessa ilustração, o magistrado é o juiz de futebol; e os bandeirinhas são os peritos. Estes últimos devem, obviamente, conhecer e seguir as mesmas regras do juiz.

Pelo exposto, já tenho a minha convicção formada quanto ao tema, embora acredite que ela não seja majoritária. No caso da perícia médica na Justiça do Trabalho, realizada com um assistente técnico não médico, o Art. 422 do CPC é a regra que deve imperar, pois possui status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM, como o Parecer n. 09 / 2006. O Art. 422 do CPC é a regra que, provavelmente, norteará o magistrado. Sendo assim, no meu entendimento, o perito médico, como auxiliar do juiz que é, não deve impedir a participação de um assistente técnico (não médico) no ato pericial. Na mesma esteira, vem o julgado abaixo:

EMENTA: RECURSO DA RECLAMADA. NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA. PARTICIPAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO NA PROVA PERICIAL. Configura cerceamento de defesa a proibição da participação de assistente técnico indicado pela reclamada para acompanhar a perícia médica, pelo fato de possuir formação em fisioterapia e não em medicina, diante da ausência de vedação a respeito. Caracterizada ofensa ao art. 421, § 1º, inciso I, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT, bem como ao art. 5º, inciso LV, da Constituição da República. Determina-se o retorno dos autos à origem, a fim de que seja oportunizada ao assistente técnico da reclamada a participação na prova pericial. Recurso parcialmente provido. (RO 0018100-45.2008.5.04.0241 – TRT – 4a Região)

Em caso de lamentáveis conflitos, por que o perito médico optar pela regra usada pelo juiz (e não pela regra emanada, por exemplo, pelo CFM)? Vejamos:

·         Num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

·         De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz o absolver de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do periciando, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer as regras do juiz (no caso, o CPC), do que as eventuais regras divergentes estabelecidas pelo CFM. Ressalto aqui, a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação onde poderá haver conflito entre norma ética (editada pelo CFM) e legal (contida no CPC).

Mas ao permitir a entrada de um assistente técnico não médico, o perito médico não estaria sendo conivente com o “exercício ilegal da medicina”?

Sinceramente, acredito que não. O outro profissional não assinará como médico, mas como profissional que é. E sobre isso, vejamos o que diz a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5o, inciso IX:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Alguém dirá: "mas ele está exercendo uma atividade que é própria da medicina." Eu pergunto: em que lei está escrito quais são as atividades próprias do médico numa perícia judicial trabalhista? Resposta: nenhuma. A Lei do Ato Médico já está em vigor? Resposta: Não.

Apenas para ilustrar: outro dia cheguei espirrando num supermercado. A caixa do estabelecimento me disse: “isso é gripe, portanto, tome azitromicina, se não, irá ficar uns 30 dias com esses sintomas”.  Percebam que interessante! A caixa do supermercado me deu: diagnóstico, tratamento e prognóstico. Por acaso, agiu ela com “exercício ilegal da medicina”? Claro que não! Qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.  

Por tudo isso, estou convencido de que esse outro profissional  não médico (na figura de um assistente técnico de uma perícia médica) não realiza o exercício ilegal da medicina. Ele apenas dá uma opinião sobre um tema médico, e se identifica por isso. Ratifico: qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para isso.  

Corrobora com esse raciocínio, o mesmo Art. 422 do CPC, que assim coloca:

“Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

Pelo que diz a lei acima, independente da profissão, o assistente técnico de uma perícia judicial não pode ter impedida a sua participação.

Senhores, longe de ser uma verdade inquestionável, é o que sinceramente penso.

Um forte abraço a todos, e até quinta-feira (08/12), data provável para postagem de um novo texto nesse blog!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

BLOG COMPLETA 40 MIL ACESSOS

Prezados leitores.

No dia em que comemoramos a marca de 40 mil visualizações, apresento-lhes os 5 textos mais lidos desde 05 de março de 2011 (data de em que esse blog entrou no ar). Os textos estão colocados em ordem decrescente de número de acessos.

1)     “Atestado de fisioterapeuta tem valor legal?” Link: http://bit.ly/qQX66w
2)     “Perito do INSS x Médico do Trabalho: a quem seguir?” Link: http://bit.ly/hyz0cn
3)     “Empresa pode exigir CID no atestado?” Link: http://bit.ly/nNRdRp
4)     “Trabalho eventual e intermitente: qual a diferença?” Link: http://bit.ly/refo7v
5)     “Juiz sempre concorda com laudo médico-pericial?” Link: http://bit.ly/hD2D6R

O mês de novembro/2011 trouxe um novo recorde para esse blog: foi o maior número de acessos em apenas 30 dias. Agradeço a todos os leitores pelo prestígio dado a essa página! Segue abaixo o ranking dos textos mais lidos apenas nos últimos 30 dias:

1)     “Atestado de fisioterapeuta tem valor legal?” Link: http://bit.ly/qQX66w
2)     “O médico pode pedir exame de HIV no admissional?” Link: http://bit.ly/rVShkb
3)     “Empresa pode exigir CID no atestado?” Link: http://bit.ly/nNRdRp
4)     “Perito do INSS x Médico do Trabalho: a quem seguir?” Link: http://bit.ly/hyz0cn
5)     “Qual o tempo para entrega do atestado na empresa?” Link: http://bit.ly/jQvrA0

Sobre cada texto, sintam-se a vontade para emissão de opiniões. Um forte abraço a todos, um excelente mês de dezembro, e até segunda-feira (05/12), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe. 

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha