quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A PERÍCIA DO INSS ATRASOU? VEJA AS CONSEQUÊNCIAS.


Prezados leitores.

Segue abaixo um questionário hipotético constituído de apenas 8 perguntas, e suas respectivas respostas. Julgo tais perguntas importantes, especialmente pelas muitas dúvidas que ainda pairam sobre os temas abordados, e pelos comuns atrasos referentes aos agendamentos periciais. Vale a pena dar uma conferida.

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1)   O atestado médico que tenho em mãos sugere 60 dias de afastamento. No entanto, a perícia só foi agendada para o quadragésimo dia após a data de emissão do atestado. Sei que os primeiros 15 dias são pagos pela empresa. O INSS pagará os outros 25 dias, pelo atraso no agendamento da perícia?

R.: Tudo dependerá da avaliação do perito médico da previdência. Se o perito entender que não houve incapacidade, o INSS não pagará os 25 dias. Se o perito entender que houve incapacidade apenas até a data da perícia, o INSS pagará apenas esses 25 dias (caso o benefício tenha sido requerido até o trigésimo dia de afastamento). Se o perito entender que a incapacidade persiste, poderá fixar um prazo ainda maior para concessão do benefício.

Fundamentação legal: Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o; Lei 8.213/1991, art. 60, parágrafos 3o e 4o; Instrução Normativa INSS n. 45/2010, arts. 275, 276 e 277; Orientação Interna INSS n. 138/2006, art. 1o.

2) Meu auxílio-doença termina dia 20 de agosto. A partir do dia 05 de agosto (e nos 15 dias que antecedem o término do meu benefício), caso eu entenda que ainda não estou em condições de voltar ao trabalho, sei que posso solicitar o pedido de prorrogação (PP). E se a nova perícia for agendada só para o dia 10 de setembro, o INSS pagará esses 20 dias de atraso no agendamento pericial?

R.: Por ser um pedido de prorrogação (PP), o INSS irá arcar com os custos do atraso da perícia. Isso ocorre desde o dia 19/07/2010 por força de decisão emanada do processo do Tribunal Regional Federal da 1a Região, cujo número é 2006.33.00006577-3,combinada com Resolução INSS n. 97/2010.  

3)   Ora, já que é assim, se a minha intenção é prorrogar o benefício, é melhor solicitar o pedido de prorrogação (PP) o mais próximo possível do término do meu benefício, pois assim, a própria provável demora para realização de uma nova perícia já me garantirá alguns dias a mais de repouso, pagos pelo INSS. Confere?

R.: Sim, confere.

4)   Meu auxílio-doença termina dia 20 de agosto. Caso eu entenda que ainda não estou em condições de voltar ao trabalho, e não entre com o pedido de prorrogação (PP), sei que a partir do dia 21 de agosto (e nos 30 dias que sucedem o término do meu benefício) eu já posso solicitar o pedido de reconsideração (PR). E se a nova perícia for agendada só para o dia 10 de setembro, o INSS pagará esses 20 dias que sucederão o término do meu benefício, em virtude do atraso no agendamento pericial?

R.: Por ser um pedido de reconsideração (PR), tudo também irá depender da avaliação do perito médico da previdência. Se o perito entender que não era necessário estender o benefício, o INSS não pagará os 20 dias que sucederão o término do seu benefício. Se o perito entender que houve incapacidade apenas até a data da perícia, o INSS pagará apenas esses 20 dias. Se o perito entender que a incapacidade persiste, poderá fixar um prazo ainda maior para concessão do benefício.

Fundamentação legal: Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o; Lei 8.213/1991, art. 60, parágrafos 3o e 4o; Instrução Normativa INSS n. 45/2010, arts. 275, 276 e 277; Orientação Interna INSS n. 138/2006, art. 1o.

5)   O atestado médico que tenho em mãos sugere 90 dias de afastamento. No entanto, a perícia só foi agendada para o 60o dia após a data de emissão do atestado. Com apenas 40 dias de afastamento, já me sinto melhor e em condições de voltar ao trabalho. Sou obrigado que esperar a ocorrência da perícia para, só de depois, retornar ao trabalho?

R.: Conforme vimos no item 1 desse questionário, o perito médico da previdência terá a liberdade de lhe conceder quantos dias de benefício ele (perito) julgar necessário. Assim, no dia da perícia, caso você leve ao perito um relatório do médico do trabalho / “médico examinador” da empresa que você trabalha (ou até mesmo do seu médico assistente), atestando que a partir do quadragésimo dia você já estava “apto” para retornar às suas atividades laborais (tanto é que assim o fez),o perito terá a liberdade (caso assim entenda) de lhe conceder o benefício apenas durante o tempo relativo aos dias em que você esteve ausente do trabalho (ou seja, do décimo sexto ao quadragésimo dia de afastamento, uma vez que os 15 primeiros dias devem ser pagos pela sua empresa). O INSS, no entanto, estará obrigado a lhe pagar por todo tempo de atraso na perícia, se esta tiver sido solicitada via PP (pedido de prorrogação), conforme Resolução INSS n. 97/2010. Concluímos então, que há a possibilidade de não esperar pela realização da perícia para poder retornar às suas atividades laborais.

Fundamentação legal: Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o; Lei 8.213/1991, art. 60, parágrafos 3o e 4o; Instrução Normativa INSS n. 45/2010, arts. 275, 276 e 277; Orientação Interna INSS n. 138/2006, art. 1o; Resolução INSS n. 97/2010.

6) Ainda com base na pergunta anterior, e se apesar do aval do meu médico assistente, e do médico do trabalho / “médico examinador” para que eu volte ao trabalho, o perito entender que ainda há incapacidade laboral em mim, e mantiver/prorrogar meu benefício?

R.: Pelas prerrogativas legais que os peritos possuem, é possível que isso aconteça, embora a chance seja pequena. Lembramos novamente que o INSS estará obrigado a lhe pagar por todo tempo de atraso na perícia, se esta tiver sido solicitada via PP (pedido de prorrogação), conforme Resolução INSS n. 97/2010.  Excluindo a possibilidade administrativa de pagamento, nos casos em que a perícia tenha sido solicitada via PP, vale ressaltar que, conforme estatísticas do INSS (de 2012), mais de 85% dos benefícios por incapacidade que são solicitados, são deferidos. Isso mostra um elevado grau de concordância entre os peritos e os médicos que assistem os segurados. De maneira análoga, poderíamos inferir que mais de 85% dos peritos também concordariam com os documentos médicos trazidos pelos segurados, atestando sua condição de retorno ao trabalho.

Aprofundando no tema, cabe-nos perguntar: quais os riscos do segurado voltar ao trabalho, caso se julgue capaz de fazê-lo, mas ainda assim o perito do INSS prorrogue seu benefício? São eles:

·         Perder o benefício (como também ocorre, por exemplo, com aposentados por invalidez que retomam a capacidade laboral, conforme interpretação do art. 46 da Lei 8.213/1991). Ratificamos aqui, que a perda do benefício, na situação narrada, seria justo e desejável.

·         Mesmo diante da vontade do próprio segurado de voltar ao trabalho, e com o aval do médico assistente, médico do trabalho / “médico examinador”, a empresa poderá não aceitar o segurado retornar ao trabalho por entender que este poderá receber monetariamente de forma conjunta: tanto do INSS, quanto da própria empresa. É verdade que, em menos de 15% dos casos (conforme estatísticas do INSS), isso pode ocorrer. Cabe aqui, duas reflexões: (a) e se o perito decidir que o trabalhador não deve receber até a data da perícia (nos casos onde a perícia ainda ocorrerá)? A empresa custeará seus dias não trabalhados? Se não, deveria. Pelo menos esse tem sido o entendimento dos magistrados (nesse blog já publicamos várias decisões judiciais nesse sentido); (b) ainda que o empregado recebesse de forma conjunta (do INSS e da empresa), se esse trabalhador for importante para a instituição, qual o problema?! Se a empresa ver algum óbice nisso, uma conclusão fica patente: esse empregado não faz a menor falta nessa instituição. Nesse caso, a discussão já é outra e extrapola o assunto desse texto. Ao empregado, um importante recado: numa situação de recebimento conjunto (INSS e empresa), mesmo que o empregador saiba, torna-se obrigação moral de sua parte comunicá-lo que houve esse recebimento do INSS. 

·         Mesmo diante da vontade do próprio segurado de voltar ao trabalho, e com o aval do médico assistente, o médico do trabalho / “médico examinador” poderá não aceitar o trabalhador de volta, mesmo estando convicto de sua capacidade laboral. Legalmente, isso procede. Basta lembrarmos que a Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o conferem ao perito um maior poder de decisão quanto a capacidade laboral do segurado. Se for da vontade do segurado não retornar ao emprego nessas condições, reconhecemos que a atitude desse obreiro também reveste-se de plena legalidade, e o médico do trabalho / “médico examinador” nada tem a contestar. Por outro lado, se trabalhador quiser voltar ao trabalho, o médico do trabalho / “médico examinador” confere aptidão a esse trabalhador de forma tecnicamente embasada (uma vez que é responsável por essa conduta), e conjuntamente com a vontade da empresa o recepciona em seu local de trabalho, não havendo nenhuma intercorrência (ex.: acidente de trabalho, agravamento de doença, etc.), nenhuma sanção poderá ser imputada (por falta de previsão legal), seja ao médico do trabalho / “médico examinador”, seja a empresa.

7)  O atestado médico que tenho em mãos sugere 90 dias de afastamento. No entanto, a perícia só foi agendada para o 60o dia após a data de emissão do atestado. E se eu voltar a trabalhar no 40o dia, mas necessitar de repouso novamente, pela mesma doença, já no 50o dia?

R.: Nesse caso, no dia da perícia (60o dia após emissão do atestado), conforme vimos no item 1 desse questionário, o perito médico da previdência terá a liberdade de lhe conceder quantos dias de benefício ele (perito) julgar necessário. Suponha então, que o perito lhe conceda os 90 dias de benefício sugeridos no atestado inicial, quem pagará os 10 dias trabalhados (entre o 40o e 50o dia): empresa ou INSS? Nesse caso, o próprio sistema do INSS não dá outra alternativa ao perito, se não a possibilidade de lhe conceder o benefício integral pertinente aos seus 90 dias de afastamento (lembrando que os primeiros 15 dias de afastamento são pagos pela empresa). Isto é, mesmo você tendo trabalhado entre o 40o e 50o dia, o INSS lhe pagará os 75 dias que sucederam os primeiros 15 dias de afastamento. Assim, mesmo que o empregador saiba, torna-se obrigação moral de sua parte comunicá-lo que houve esse recebimento do INSS. 

Fundamentação legal: Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o; Lei 8.213/1991, art. 60, parágrafos 3o e 4o; Instrução Normativa INSS n. 45/2010, arts. 275, 276 e 277; Orientação Interna INSS n. 138/2006, art. 1o.
  
8)  Ainda com base na pergunta anterior, e se, tendo trabalhado os 10 dias, no 50o dia eu novamente precisasse de repouso, mas em virtude de uma outra doença, bem diferente daquela atestada inicialmente?

R.: Nesse caso, começa-se tudo do “zero”. Se o afastamento sugerido devido a “nova” doença for inferior a 15 dias, não há necessidade de uma “nova” perícia previdenciária. A empresa deverá custear esses dias, caso o serviço médico da empresa concorde com o “novo” tempo de afastamento sugerido. Se esse “novo” tempo for maior do que 15 dias, você será encaminhado ao INSS para uma “nova” perícia, e o tempo de benefício (caso haja) será determinado pelo perito médico previdenciário, conforme item 1 desse questionário.

Fundamentação legal: Lei 11.907/2009, art. 30, parágrafo 3o, inciso I; Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2o; Lei 8.213/1991, art. 60, parágrafos 3o e 4o; Instrução Normativa INSS n. 45/2010, arts. 275, 276 e 277; Orientação Interna INSS n. 138/2006, art. 1o; Parecer 3.657/2009 do CRM-MG.


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Que essas informações cheguem apenas às pessoas bem intencionadas.

Fiquem à vontade para opinar. 

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Facebook: marcoshmendanha
Twitter: @marcoshmendanha

HÁ PRAZO PARA ENTREGA DE ATESTADO?


Vídeo-aula sobre esse texto:




Prezados leitores.

Quando falamos em Direito precisamos dividi-lo em: Direito Privado e Direito Público.

No que tange às relações de emprego no Direito Privado, as regras básicas estão contidas na CLT (Consolidações das Leis Trabalhistas). Sobre em qual tempo que o empregado deve levar o atestado médico à empresa, após recebê-lo do profissional de saúde de sua confiança, a CLT nada fala de forma expressa. Assim, cabe ao empregador arbitrar um tempo razoável para esse fim, e colocar isso da forma mais clara possível no contrato de trabalho e/ou na ordem de serviço dada aos seus empregados.

De quanto pode ser esse tempo? Sugerimos um tempo que varie de 48 a 72 horas, após recebimento do atestado. Caso, em virtude de seu quadro clínico, o próprio empregado não possa fazer pessoalmente a entrega desse documento na empresa, que um responsável/representante o faça.

Por que determinar esse tempo? Lamentavelmente, muitos empregados ainda pensam, por exemplo, que se receberem um atestado sugerindo 90 dias de afastamento, eles podem levar esse atestado à empresa somente após decorridos esses 90 dias, mesmo não tendo recebido nenhum benefício previdenciário durante esse todo esse tempo. Grande engano!  Dependendo das condições clínicas do trabalhador, e considerando a hierarquia dos atestados prevista na Lei 605/1949, art. 6, parágrafo 2º, o próprio serviço médico da empresa tem a competência legal de discordar do número de dias propostos nesse atestado. Nesse caso, o trabalhador que assumir o risco, e optar por levar esse documento na empresa somente após transcorridos os dias nele descritos, poderá não receber por esse tempo (caso o serviço médico da empresa entenda que eles não sejam necessários).

Ainda no exemplo do atestado de 90 dias, caso o empregado recebesse apenas 30 dias de benefício previdenciário (situação onde o Médico Perito do INSS tivesse discordado do emissor do atestado), e não voltasse à empresa nos 60 dias subseqüentes confiando na eficácia do documento que está em seu poder, em casos extremos, essa atitude poderia configurar até “abandono de emprego”, nos termos da Súmula 32 do TST, que assim nos traz:

“Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Por todo exposto, no Direito Privado, concluímos que a determinação expressa do tempo para entrega do atestado na empresa pelos trabalhadores, muito antes de ser uma arbitrariedade infundada do empregador, é uma atitude que visa segurança jurídica, tanto para o empregado, quanto para o próprio empregador.

Já no Direito Público, as relações de trabalho, além da CLT, podem se balizar por outras regras, por exemplo: pelos estatutos dos servidores públicos e pelos contratos de trabalho por tempo determinado. Nesses dois últimos casos o Poder Público, em regra, faz constar nesses instrumentos o prazo para entrega dos atestados recebidos por seus servidores. Como exemplo, temos o Estatuto do Servidor Público de Florianópolis/SC, que assim coloca:

“Art. 44, § 3°: O servidor, ou pessoa que por ele responda, encaminhará atestado médico, no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas da data em que se iniciou o afastamento do serviço por motivo de doença, para obtenção do laudo da Junta Médica Oficial, na forma regulamentar.”

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

JÁ MELHOREI. DEVO ESPERAR A PERÍCIA PARA VOLTAR AO TRABALHO?


“Existe um conceito entre empregadores, empregados e médicos do trabalho e assistentes que precisa ser modificado: não existe nenhuma obrigação, por parte do segurado e do empregador,  de ‘ter que passar na perícia’ para voltar ao trabalho nos casos em que sabidamente o segurado já recuperou sua condição laborativa. Nestes casos, quem decide o tempo de tratamento e o retorno ao emprego, ou seja, a ‘alta’, é o médico assistente junto com o médico do trabalho.

O INSS não dá ‘alta’. O INSS apenas avalia a incapacidade no período apontado pelo segurado. O perito, salvo raros e pontuais casos, não pode ir além do alegado pelo segurado e dizer que ele estava incapaz mesmo quando comprovadamente o mesmo exerceu trabalho e se declarava apto. (Digo comprovadamente, pois há casos onde o segurado frauda período ‘trabalhado’ para tentar vantagem indevida no cálculo da carência.)

O INSS apenas apura se é verdade ou não a alegação de incapacidade laborativa para fins pecuniários e calcula o tempo estimado de afastamento, se houver, baseado no exame pericial.

Mas se o cidadão já melhorou e teve alta do ortopedista, por exemplo, porém ainda aguarda fila no INSS, TEM QUE SE REAPRESENTAR na empresa e o médico do trabalho tem que aceitá-lo, mesmo se a perícia ainda não foi feita. A perícia, quando for feita, apurará se houve incapacidade no período em que ele ficou parado. Apenas isso.

Não é o ideal. O ideal seria passar em perícia, mas essa vinculação de retorno ao trabalho APENAS após a perícia mesmo que sabidamente o trabalhador tenha se recuperado antes da data marcada pelo INSS, isso não existe em lugar algum. Não tem lei, norma médica ou legal que sustente essa aberração.”

Obs.: texto escrito pelo Médico Perito do INSS, Dr. Francisco Cardoso, e publicado no site: www.perito.med

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

CFM PROÍBE, MAS LEI MANDA. A QUEM SEGUIR?


Prezados leitores.

Acabo de ter ciência do Parecer n. 26/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja ementa assim coloca: “não é eticamente aceitável a solicitação de exames de monitoramento de drogas ilícitas, em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho, pois isto contraria os postulados éticos.”

No texto, o parecer é enfático: “os exames exigidos pela empresa por ocasião da admissão devem ser aqueles previstos na legislação específica, visando sempre a avaliação da capacidade laborativa do empregado, caracterizando-se discriminatória qualquer exigência de realização de exames que extrapolem os requisitos técnicos para a função a ser exercida. Em resposta à solicitação, não é cabível a realização de exames em funcionários de empresas para detectar a presença de álcool e/ou drogas, por se tratar de postura discriminatória.

Não tenho a menor dúvida de que a intenção do CFM, ao proferir esse parecer, foi nobre. Vislumbrou-se, acima de tudo, proteger qualquer trabalhador de alguma possível atitude discriminatória, por parte dos empregadores.

Lindo no papel, mas na prática, a coisa não é tão simples assim...

Imaginemos um motorista profissional! Conforme a nova redação do art. 235-B da CLT (instituída pela Lei 12.619/2012), é dever do motorista profissional submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. E complementa: “a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei.”

Convenhamos: essa lei é necessária, e merece louvores. Não se trata de uma simples discriminação, pelo contrário: o cunho maior é a proteção (do trabalhador e de tantas outras pessoas que podem ser vitimadas). Se fosse apenas discriminação avaliar o estado de um motorista, o "bafômetro" já estaria proibido. Mas graças a Deus, não está. A regra é simples: um direito individual jamais pode se sobrepor a um direito coletivo. Exemplificando: um sujeito pode beber (é um direito individual que lhe assiste), mas não pode dirigir alcoolizado (pois estaria afrontando um direito coletivo: de ter um trânsito mais seguro, além do fato de estar colocando em risco a própria vida - o bem maior a ser resguardado por nossa legislação).

Voltando ao assunto inicial, e agora? Sabendo que os Médicos do Trabalho / “Médicos Examinadores” são quem solicitam testes de drogas, a quem eles devem seguir: ao Parecer n. 26/2012 do CFM ou à CLT? E se optarem por serem éticos, não solicitarem nenhum teste, e algum motorista profissional venha a provocar um grave acidente em virtude do uso de drogas em sua jornada de trabalho?  Vale lembrar, que o art. 132 do Código Penal, diz que “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”.  Por terem sido éticos e não terem solicitado o teste de droga pertinente, estariam então os Médicos do Trabalho / “Médicos Examinadores” cometendo um crime? Complicado, não?!

Com imenso respeito às opiniões divergentes, acredito que a CLT e o Código Penal devem prevalecer sobre o nobre parecer emitido pelo CFM. Por quê? Pois, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, os primeiros possuem status de Lei Ordinária, e estão hierarquicamente superiores às normativas expedidas pelo CFM, como o respeitável Parecer n. 26/2012.

Para ilustrar e justificar melhor meu posicionamento, vejamos:

·  num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

·  De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz o absolver esse médico de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), para mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis e inconciliáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do paciente, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer as regras do juiz (no caso, a CLT e o Código Penal), do que as eventuais regras divergentes estabelecidas pelo CFM, por uma simples questão hierárquica. Ressalto aqui a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação onde poderá haver conflito entre a norma ética (editada pelo CFM) e o texto legal (contido em leis hierarquicamente superiores).

Pra finalizar, vale salientar que muitos exames toxicológicos negativam-se (tornam-se normais) pouco tempo após a interrupção do uso da substância em análise. Isso é verdade. No entanto, na minha opinião, por questões legais e preventivas, esse argumento é pobre para justificar a não realização de tais exames de forma indistinta.

À vontade para os comentários.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha
Instagram: marcoshmendanha

Matéria na Folha de São Paulo relacionada a esse tema: 

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1197665-dobra-o-numero-de-empresas-que-exigem-antidoping-aos-funcionarios.shtml

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

EMPREGADO PODE SER DEMITIDO DOENTE?


Quer aprofundar seu conhecimento sobre o assunto desse texto?


Veja a programação completa através do link: www.congressomedicina.com.br

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Quando o assunto é estabilidade no emprego em virtude de alguma doença, logo nos vem à memória a redação do art. 118 da Lei 8.213/1991:

“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.”

Conforme nos ensina o art. 20 da mesma lei, o acidente do trabalho equipara-se à doença ocupacional. Sendo assim, o empregado acometido por alguma doença relacionada ao trabalho também tem a prerrogativa do gozo da estabilidade mínima de 12 meses, após cessação de seu auxílio-doença acidentário. É o que nos confirma o inciso II da Súmula n. 378 do TST:

São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”

E quando a doença não é ocupacional: gozará o empregado de algum direito quando de sua dispensa do trabalho?

A dispensa arbitrária (sem justa causa) é permitida em nossa legislação, baseada no direito que o empregador tem, assegurado constitucionalmente, da livre iniciativa, e do exercício do seu poder potestativo (poder que o empregador tem de “escolher com quem quer trabalhar”).

Mas, se por um lado a CF/1988 dá ao empregador a possibilidade de este contratar (e descontratar) quem quiser, e quando quiser, a mesma CF/1988 dá garantias fundamentais a cada cidadão brasileiro, tais como: preservação da intimidade, da liberdade de expressão, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, etc.

E quando a CF/1988 for contrária à própria CF/1988? Ou seja, e quando o poder potestativo do empregador (de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser) ofender alguma garantia fundamental do cidadão, como a preservação da igualdade, ou da dignidade da pessoa humana?
Vejamos alguns exemplos desses casos.

1)   Suponhamos um excelente professor de uma escola de ensino médio. Nas horas vagas, esse professor escreve poesias eróticas e alimenta um blog pessoal com tais poesias. A escola poderia dispensá-lo do emprego por esse motivo, ou haveria aí uma afronta à garantia constitucional da liberdade de expressão desse professor?

2)   Um empregado é HIV positivo. Ao revelar isso na empresa, esse empregado é dispensado do trabalho. Houve lesão à preservação da igualdade estabelecida na CF/1988, ou seja, houve discriminação?

3)   Um trabalhador é dispensado em virtude de uma doença crônica não ocupacional (por exemplo, câncer). Há lesão ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana?

Todos os exemplos citados confrontam os direitos fundamentais e constitucionais do empregador e do empregado. Qual deve prevalecer? O juiz decidirá.

Nesse contexto, a dispensa de um trabalhador portador de doença não ocupacional também poderá gerar a respectiva reintegração ao emprego, estabilidade, ou alguma indenização. Vejamos o exemplo a seguir:

Processo 810404-10.2001.5.12.5555. Aqui, o empregado comunicou à empresa que faria uma cirurgia corretiva de hérnia inguinal (nesse caso, considerada doença não ocupacional), e que depois da cirurgia teria de ficar afastado do trabalho por alguns dias visando à sua própria recuperação. Após o comunicado, e antes que a cirurgia ocorresse, o empregador dispensou o empregado (sem justa causa), uma vez que esse empregado não gozava de estabilidade. Resultado: a empresa foi condenada a pagar o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por danos morais em virtude da afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, mesmo diante de uma doença não relacionada ao trabalho.

Ainda nessa esteira, e no sentido de uniformizar os julgados, em setembro de 2012 o TST enunciou a Súmula n. 443, que assim expressa:

“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”

Observamos que a aludida súmula não impede apenas as dispensas de empregados acometidos por doenças ocupacionais. Ao contrário, garante a reintegração ao emprego para todo empregado despedido que seja portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito (independente de estar relacionada ao trabalho), pela presunção de discriminação nesse ato. À bem da verdade, o teor da Súmula n. 443 do TST já vinha sendo aplicado em casos concretos há vários anos, como podemos perceber pelas decisões abaixo:

a)   Processo n. 0000467-07.2010.5.04.0611. Nesse caso, o empregador dispensou (sem justa causa) um empregado HIV positivo (cuja contaminação não tinha nenhuma relação com o trabalho), pouco mais de uma semana após ter ciência do diagnóstico do trabalhador. Como a contaminação com o vírus HIV não foi em virtude do trabalho, teoricamente esse empregado não gozava de estabilidade, nos termos do art. 118 da Lei 8.213/1991. No entanto, o empregador foi condenado a indenizar esse trabalhador em R$ 8.000,00 (oito mil reais) por danos morais em virtude da afronta à garantia constitucional da igualdade.

b)   Processo n. 165140-46.2006.5.01.0027. No caso em tela, após a cessação do auxílio-doença previdenciário do INSS (código 31), um empregado portador de cirrose (considerada como doença não ocupacional) foi dispensado do emprego, uma vez que foi considerado “apto”, e legalmente não gozava de estabilidade. Por ordem judicial, a empresa foi obrigada a reintegrá-lo, por afronta ao direitos fundamentais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

c)   Processo n. 49/2006-046-02-40.7. Nesse caso, o empregador dispensou um empregado acometido por câncer (aqui considerada uma doença não ocupacional). O Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi enfático: “o trabalhador comprovadamente portador de doença grave não pode ter seu contrato rompido, esteja ou não afastado previdenciariamente do serviço, uma vez que a manutenção da atividade laborativa, em certos casos, é parte integrante do próprio tratamento médico”. Além disso, o TST qualificou a atitude da empresa como discriminatória. Consequência: o empregado foi reintegrado ao trabalho.

d)   Processo RR n. 105500-32.2008.5.04.0101. Aqui, a uma empresa que atua no ramo de hipermercados teve de reintegrar um ex--empregado, portador de esquizofrenia (doença não ocupacional), dispensado sem justa causa logo após ter ficado afastado do trabalho, recebendo auxílio-doença do INSS, para tratamento médico. A decisão, que considerou a dispensa arbitrária e discriminatória (pois se deu após a empresa ter ciência de que o empregado possuía enfermidade ligada ao uso de drogas), prevaleceu em todas as instâncias judiciais, inclusive no TST.

e)   Processo AIRR n. 12635-31.2010.5.04.0000. No caso em tela, temos uma situação frontalmente oposta ao exemplo anterior. Vejamos: uma ex-diretora de uma fundação, portadora de transtorno afetivo bipolar foi dispensada do emprego. Por ter gozado de auxílio-doença (não acidentário), ajuizou uma ação trabalhista alegando que sua doença era ocupa-cional, e que sua dispensa da empresa caracterizava uma atitude discriminatória, pedindo assim indenização. A perícia médica judicial concluiu pela ausência do nexo de (con)causalidade entre o transtorno afetivo bipolar e o trabalho da ex-diretora. O TST não reconheceu existência de doença ocupacional que justificasse a indenização, “embora a doença a tornasse incapaz para o trabalho”. Entendeu ainda a Egrégia Corte, que a dispensa não foi discriminatória, e absolveu a fundação. Cabe-nos perguntar: será que hoje, com o advento da Súmula n. 443 do TST, esse caso teria tido a mesma sentença? O transtorno afetivo bipolar pode ser considerado uma doença grave que suscita estigma e/ou preconceito? Como não há respostas unânimes para essas perguntas, percebemos, que apesar da Súmula n. 443 do TST, muitas decisões futuras ainda estarão calcadas em aspectos subjetivos e individuais, sobretudo dos juízes, e dos peritos.

Por todo exposto, especialmente após a redação da Súmula n. 443 do TST, é razoável admitirmos a possibilidade de que, independente de serem (ou não) doenças ocupacionais, praticamente todas as doenças  (especialmente as doenças crônicas) podem garantir ao trabalhador a reintegração ao emprego, estabilidade, ou alguma indenização, apesar de não haver lei em vigor que imponha isso de forma específica. Isso ocorre porque, em geral, as doenças geram algum tipo estigma ou preconceito (ainda que momentâneo), em maior ou menor grau. Quando de uma dispensa de um empregado, o empregador deverá estar atento e vigilante para que não haja possibilidade de afronta, especialmente aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, e da igualdade (não discriminação) dos cidadãos/trabalhadores.

Concluindo, é dado constitucionalmente ao empregador o poder potestativo, ou seja, o poder de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser. No entanto, se, ao dispensar algum empregado, houver questionamento judicial de que houve lesão de alguma garantia fundamental do cidadão estabelecida na mesma CF/1988 (ex.: intimidade, liberdade de expressão, igualdade - não discriminação, dignidade da pessoa humana, etc.), a reintegração ao emprego, a estabilidade, e alguma indenização poderão ser pleiteadas.

À vontade para os comentários.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
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