sábado, 22 de junho de 2013

DILMA E OS MÉDICOS ESTRANGEIROS.

Prezados leitores.

Acompanhei ontem (21/06/2013) o discurso de nossa Presidenta Dilma. Apesar de ela bem entender (a história nos mostra) que essa conversa de “Manifestação Pacífica” logo vira “Caminhada Feliz”, e que acaba não resultando em mudanças mais profundas, é claro que sua postura foi na defesa irrestrita da paz social. Perfeito!  

Disse a Chefe Maior: “Como Presidenta, eu tenho a obrigação, tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os seguimentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem: indispensáveis para a democracia.”

É isso aí, Presidenta! Se é lei, podemos até discutir, mas para garantia da paz social que a Senhora tanto advoga, cumpramos-a.

Minutos depois, para o meu desencanto, Ela me solta essa:

“(Irei) Trazer, de imediato, milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema único de Saúde, o SUS.”

Querida, Excelentíssima, Salve Salve, Presidenta, não era pra ser tudo dentro dos primados da lei? Se era, essa conduta (ainda que via Medida Provisória) não deveria ser feita. Ela afrontaria de forma incisiva e desrespeitosa a própria Constituição Federal/1988, nosso maior documento legal. Senão vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. 

Neste caso a nossa Carta Magna faz referência às profissões legalmente regulamentadas, ou seja, àquelas que foram criadas por lei e em cujo diploma legal são estabelecidas as condições, prerrogativas, atribuições, etc., para o exercício destas atividades. Exemplo: médicos.

Para atuar como médico no Brasil, dentro dos primados da lei, não basta aprender ou ter habilidade de fato para desempenhar o trabalho. É indispensável que se conquiste o direito de exercer tal atividade através da formação acadêmica e do registro do diploma no respectivo Conselho Regional de Medicina; em outras palavras, tem-se que atender às qualificações profissionais que a lei específica estabelecer. E que lei específica seria essa? Vejamos:

Lei 3.268/1957:

Art. 17. Os médicos poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

Art. 18. Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habilitará ao exercício da medicina em todo o País.

Deixe-me ver se entendi: a Senhora, de forma unilateral, pretende legalizar “na canetada” milhares médicos estrangeiros (cuja formação mal conhecemos) para cuidar da saúde da nossa gente, é isso mesmo?! Se for, Presidenta, a Senhora mostrou que não está nenhum pouco preocupada com a saúde dos brasileiros e com os primados da lei e da democracia. Ao contrário, tentou jogar a população contra os médicos brasileiros. Sim! Sabemos que só se importa aquilo cuja qualidade nacional é questionável e/ou quantidade é insuficiente. Para os médicos, estudos comprovam que nenhuma dessas teses é verdadeira. Para os políticos, talvez fosse (especialmente a primeira tese). A única verdade (vista diariamente em todos os telejornais) é que existe um descaso histórico dos governantes com o SUS. Qualquer pesquisa na área de recursos humanos nos dirá: num longo prazo, o ambiente e as condições de trabalho são muito mais importantes do que o próprio salário. Trabalhar sem condições básicas é terrível. É o Neymar sem a bola, a Gisele sem a passarela, o Caetano sem o palco. Esse é o médico brasileiro que trabalha no SUS. E a culpa da falta de medicamentos e insumos, e das péssimas condições dos hospitais e postos de atendimento públicos, Presidenta, não é dos médicos. A Senhora bem sabe disso.

Uma outra hipótese é a de que a Senhora tenha mentido em rede nacional quando disse que traria, de imediato, esses milhares de médicos.

De verdade, entre as difíceis opções acima, ainda prefiro acreditar que a Senhora mentiu, Presidenta. Entendo sua inquietação e necessidade de uma rápida resposta para um povo que também está saturado e cansado. Sério, não queria estar na sua pele agora.

Mas que tenha sido uma sincera e bem-intencionada mentira, e que logo a Senhora se retrate com esse país, com seu povo e com os muitos e competentes médicos que aqui existem e investem. Fico com Cazuza: nesse momento, para acalentar os ânimos de um país Maior Abandonado, é provável que boa parte da população ainda acredite que “mentiras sinceras nos interessam”. Só não esqueça que o país está perdido, sem pai nem mãe, bem na porta da sua casa, Presidenta.

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter / Facebook / Flickr: @marcoshmendanha

terça-feira, 18 de junho de 2013

O ATO MÉDICO FOI APROVADO. E AGORA?

Prezados leitores.

É verdade que o foco desse blog é a discussão de temas relacionados à Saúde Ocupacional, à Medicina do Trabalho, e às Perícias Médicas. Excepcionalmente hoje, me permitirei confabular sobre um assunto mais genérico, e não menos importante: o “Ato Médico”.

Hoje, 18 de junho de 2013, após 12 anos de tramitação, o projeto de lei do “Ato Médico” foi finalmente aprovado no Senado Federal. Agora, aguarda a sanção presidencial. Sobre esse tema, de lados simetricamente opostos tenho visto árduos e apaixonados defensores, cada um com sua bandeira, seu argumento, sua mágoa, seus afetos e desafetos. Ótimo! Toda discussão é válida num ambiente democrático.

Nesse texto, não me proponho a rediscutir sobre os parágrafos e incisos do “Ato Médico”. Não! Longe disso. Aliás, peço respeitosamente licença a todos os outros profissionais e esclareço que esse texto é dirigido exclusivamente aos meus colegas médicos.

Prezados colegas médicos: tenho observado um elevado grau de expectativa em nossa classe no que tange às consequências da aprovação da Lei do Ato Médico. Com isso, tenho me perguntado: e se o “Ato Médico” entrar em vigor amanhã? O que muda? Quais conquistas nos seriam imediatamente palpáveis? O que poderíamos esperar do futuro da nossa profissão médica?

Obviamente que, como orgulhoso médico que sou, minha esperança reside em dias melhores, em todos os aspectos da nossa profissão. Gostaria de opinar com sincero otimismo nas respostas para as perguntas que acabo de formular, mas infelizmente e racionalmente, não consigo. Sei que não posso prever as consequências futuras da aprovação do “Ato Médico”. Por outro lado, o passado é rico em nos mostrar a pouca aplicabilidade das leis que defendem os médicos no Brasil, mesmo quando estas já estão aprovadas, sancionadas e em vigor.  Cito como exemplo a Lei 3.999/1961. Essa norma está em vigor há mais de 50 anos. Enalteço: há mais de 50 anos! Vejamos alguns trechos dessa que é uma das mais importantes leis para a profissão médica (especialmente para os que são contratados na iniciativa privada):

Art. 8º. A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo algum o disposto no artigo 12, será:
a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas diárias;
§ 1º Para cada noventa minutos de trabalho gozará o médico de um repouso de dez minutos.
§ 2º Aos médicos e auxiliares que contratarem com mais de um empregador, é vedado o trabalho além de seis horas diárias.
§ 3º Mediante acordo escrito, ou por motivo de força maior, poderá ser o horário normal acrescido de horas suplementares, em número não excedente de duas.
§ 4º A remuneração da hora suplementar não será nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) à da hora normal.
Nota: a Constituição de 1988 atribuiu que o valor da hora suplementar não será nunca inferior a 50% (cinquenta por cento) a mais do que o valor da hora normal, o que requer uma leitura contextualizada desse parágrafo.
Art. 9º. O trabalho noturno terá remuneração superior à do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20% (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.
Art. 15. Os cargos ou funções de chefias de serviços médicos somente poderão ser exercidos por médicos, devidamente habilitados na forma da lei.
Art. 21. São automaticamente nulos todos os contratos de trabalho que, de qualquer forma, visem a elidir a presente lei.

Mais uma vez ratifico: essa lei está em vigor! E já faz mais de 50 anos!

Meus queridos colegas: quantos dos Senhores tiveram em seus cursos de medicina pelo menos uma aula específica sobre a presente lei? Quantos dos Senhores já foram conclamados a lutar pela efetivação dessa norma, em qualquer momento dos últimos 50 anos? Qual a porcentagem de aplicabilidade real dessa legislação no cotidiano dos médicos brasileiros em atuação? Tristes respostas...

É por essas e outras que estou convencido, mesmo com imensa vontade de estar profundamente enganado, que com a aprovação do “Ato Médico”, na realidade, nada (ou na melhor das hipóteses, muito pouca coisa) muda. Mas quem sabe eu esteja equivocado?! Como médico (e com todo respeito aos discordantes), torço pelo “Ato Médico”. Mas torço bem mais pela sua efetivação, afinal, “de leis que nada significam” já estamos fartos...

Vamos com fé, meus colegas! Mas como temos visto o povo brasileiro fazer e parafraseando Gabriel - O Pensador, "não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta..."

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha

Twitter / Facebook / Flickr: @marcoshmendanha 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

GESTANTE NO CONTRATO DE EXPERIÊNCIA TEM ESTABILIDADE?

Prezados leitores.

Antigamente, as trabalhadoras que engravidavam na vigência do “contrato de experiência” não tinham direito à estabilidade no emprego prevista para as gestantes, nos termos da antiga redação da Súmula n. 244, inciso III, do TST:

“Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.”

No entanto, essa mesma súmula foi modificada em setembro de 2012, e agora se apresenta nos seguintes termos:

“A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.”

Assim, sedimentou-se o entendimento de que as trabalhadoras que engravidam no curso do “contrato de experiência” (que é um tipo de “contrato por tempo determinado”) possuem todos os direitos relativos à estabilidade provisória prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10, inciso II, item b, que assim coloca:

“Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”

A empregada gestante que quiser sair do emprego (por vontade própria) pode abrir mão de sua estabilidade? Sim, desde que se cumpram os procedimentos determinados pelo art. 500 da CLT, que assim expressa:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com assistência do respectivo Sindicato e, se não houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho ou da Justiça do Trabalho.”

Ratifica o texto celetista a matéria divulgada no site do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, em 10 de junho de 2011 (título: “Ambiente de trabalho estressante leva trabalhadora grávida a renunciar à estabilidade”). O caso divulgado foi de uma empregada gestante que optou por sair do emprego, e abrir mão de sua própria estabilidade provisória. De acordo com a matéria, “a forma de tratamento dispensada à reclamante fez com que ela desistisse da estabilidade a que tinha direito em razão de sua gravidez. A trabalhadora foi informada pela juíza de que haveria renúncia ao seu direito de estabilidade caso ela persistisse com o pedido de rescisão indireta. Mas, segundo a reclamante, as reiteradas condutas abusivas da supervisora tornaram o ambiente de trabalho tão insuportável, que ela preferiu abrir mão da garantia de emprego para nunca mais ter que retornar à empresa”. (Processo 01763-2009-016-03-00-3).

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe!

Marcos Henrique Mendanha
Twitter / Facebook / Flickr: marcoshmendanha

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A EMPRESA PODE FAZER ISSO COM O TRABALHADOR?

Prezados leitores.

Abaixo, escrevo algumas palavras para reflexão de todos nós (especialmente para os médicos que trabalham em empresas). Obs.: o texto é intencionalmente provocativo.

Boa leitura! Que Deus nos abençoe. Um forte abraço a todos, Marcos.


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Empregador pode dispensar uma gestante saudável (que exerce uma atividade compatível com sua gestação)? Sim, desde que arque com todas as consequências legais disso. O médico não precisa mentir e qualificá-la como inapta no exame demissional. Obs.: sim, seria uma mentira, afinal, o médico saberia que ela não estaria inapta.

Empregador pode dispensar um trabalhador plenamente saudável com estabilidade pós acidente de trabalho? Sim, desde que arque com todas as consequências legais disso. O médico não precisa mentir e qualificá-lo como inapto no exame demissional. Obs.: sim, seria uma mentira, afinal, o médico saberia que ele não estaria inapto.

Empregador pode contratar alguém qualificado como “apto com restrições” pelo médico do trabalho? Sim, desde que arque com todas as consequências legais disso (nesse caso, zelar pela saúde do trabalhador, nos termos do art. 157 da CLT). O médico não precisa mentir e qualificá-lo como inapto no exame admissional. Obs.: sim, seria uma mentira, afinal, o médico saberia que ele não estaria inapto. O empregado conseguiria exercer aquela função, mas não seria recomendável que executasse algumas atividades específicas daquela mesma função.

Empregador pode contratar alguém qualificado como “apto com contraindicação a função” pelo médico da empresa?  Sim, desde que arque com todas as consequências legais disso (nesse caso, zelar pela saúde do trabalhador, nos termos do art. 157 da CLT). O médico não precisa mentir e qualificá-lo como inapto no exame admissional. Obs.: sim, seria uma mentira, afinal, o médico saberia que ele não estaria inapto para todas as funções, mas unicamente para uma. Esse empregado provavelmente conseguiria exercer, por exemplo, uma outra função dentro da mesma instituição, função esta estabelecida e conhecida pelo médico da empresa.

Empregador pode contratar alguém qualificado como “inapto” pelo médico do trabalho? Sim, desde que arque com as todas consequências legais disso (nesse caso, zelar pela saúde do trabalhador, nos termos do art. 157 da CLT). Se isso ocorrer, o médico teria alguma culpa no caso de algum acidente/agravamento de doença? Claro que não. O empregado foi contratado por conta e risco do empregador.

Empregador pode dispensar algum empregado? Sim. Qualquer um (independente da avaliação do médico da empresa), e a qualquer tempo, desde que arque com as todas consequências legais disso. Essas consequências vão desde absolutamente nada, até o pagamento de alguma indenização cumulada com a reintegração desse trabalhador. Cada caso requererá análises e condutas específicas.  

Que fique claro: a última palavra não é a do médico do trabalho. Quem dispensa e contrata é sempre o empregador, e não o médico da empresa.

Reflitamos.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

PRECISO TER PPRA E PCMSO NA MINHA CASA?

Prezados leitores.

Pela efervescência do tema chamo a atenção, mais uma vez, para a já vigente Emenda Constitucional n. 72/2013, que alterou o art. 7 da Constituição de 1988 (CF/88), e que ficou popularmente conhecida como “PEC das Domésticas”.

Abaixo, transcrevo o exato conteúdo do novo texto constitucional:

"Art. 7º (...).

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social."

Conforme amplamente divulgado, o intuito do legislador foi equiparar os direitos dos empregados domésticos com o direito dos empregados das empresas em geral, nos que tange aos incisos citados.

Assim, conforme a nova redação da Carta Magna, são assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos, entre outros direitos, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Sim! É exatamente isso que está previsto no inciso XXII do art. 7 da CF/88.

E agora? Como regra, as empresas devem seguir as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (NRs), afinal, isso é um direito constitucional que assiste aos seus empregados. Se o objetivo do legislador foi o de equiparar os direitos dos empregados domésticos com o direito dos empregados das empresas em geral, só nos resta uma conclusão: as NRs, a partir de agora, tem cumprimento obrigatório para todos(as) aqueles(as) que possuem um empregado doméstico à sua disposição.

Fica o questionamento: quer dizer então que as residências precisarão ter a partir de agora, por exemplo, um PPRA e um PCMSO próprios? Por mais estranho e bizarro que pareça, ou a resposta para essa pergunta é SIM (à luz da literalidade do novo texto constitucional, conforme exposto acima), ou estamos diante de mais uma, das tantas legislações que o Brasil possui, que não apresenta nenhuma efetividade prática (me referindo neste momento, unicamente, ao inciso XXII).

Reflitamos.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
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