segunda-feira, 30 de maio de 2011

ASSISTENTE TÉCNICO NÃO MÉDICO: É PERMITIDO?

Caros leitores.

Eis um e-mail que chegou até mim.

"Dr. Marcos, boa tarde.

O Parecer-Consulta n. 100-545/10 do CRM-SP entende que o profissional não médico pode ser denunciado pelo exercício ilegal da medicina, quando em atuação como assistente técnico de uma perícia médica. Concordo plenamente com esse parecer.

Qual sua opinião?

Abraço.

Dr. XXXX"

Sobre o tema, já expressei minha opinião através de um texto desse blog. Transcrevo-o abaixo.

“Imaginem uma perícia judicial, deferida por um juiz atuante na Justiça do Trabalho, para detecção (ou não) de uma doença ocupacional. Na sala da perícia estão: o médico perito, o periciando, e apenas um assistente técnico. No entanto, ao ver a documentação desse assistente técnico, o médico perito descobre que ele seja, por exemplo, um médico veterinário. E agora? O médico perito deve ou não permitir a participação desse outro profissional como assistente técnico dessa perícia médica?

Se estivéssemos falando de uma perícia previdenciária junto ao INSS, o assistente técnico necessariamente deveria ser um médico, tal qual o perito. Vejamos o que diz a Lei 8.213 / 1991, em seu Art. 42, § 1º: 

“A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.”

O “médico” ao qual se referiu esse artigo, é o próprio assistente técnico do segurado. No entanto, vale a pena lembrar que a Lei 8.213 / 1991 é específica para perícias do INSS..

Para uma perícia médica na Justiça do Trabalho, a lei mais específica é a Lei 5.584 / 1970. No entanto, sobre qual qualificativo deve ter o assistente técnico, ela nada fala. Dessa forma, subsidiariamente, aplicamos o Art. 422 do Código de Processo Civil (CPC) – redação dada pela Lei Ordinária n. 5.869 / 1973:

 “O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

O texto do CPC não deixa dúvidas: assistente técnico pode ser qualquer profissional, desde que seja de confiança da parte.

Imagine-se como técnico de uma equipe de futebol. Você escalaria um exímio piloto de Formula 1 para ser o zagueiro do seu time? Penso que não, pois se assim o fizesse, não estaria escolhendo o melhor profissional para defendê-lo, por mais brilhante que ele fosse numa outra área.

Portanto, todo ônus e todo bônus pela escolha do assistente técnico, é da parte que o escolheu. Até o fato de indicar um assistente técnico (ou não) é facultativo às partes. Se escolherem bem, a chance de um bom resultado no processo aumenta. Se escolherem mal, a chance de um mau resultado também será considerável.

Mas e com relação aos aspectos éticos da perícia médica?

Enquanto o Art. 422 do CPC diz que “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição”, assim coloca o Parecer n. 09 / 2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina):

"O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.”

E agora? Se verificado o conflito, a quem seguir?

Imaginem um juiz de futebol e seus auxiliares (bandeirinhas). Imaginem que um desses auxiliares não entenda nada das regras do futebol, mas apenas de regras de basquete. Não precisamos de muito esforço para prever que alguma coisa não vai dar certo nessa arbitragem. Esse jogo será terrível.

Assim é uma perícia médica: o juiz é o árbitro, e os médicos peritos são seus auxiliares. Os auxiliares não obedecem regras processuais próprias, mas sim, as mesmas regras estabelecidas ao/pelo magistrado.

Já tenho a minha convicção formada quanto ao tema, embora acredite que ela não seja majoritária. No caso da perícia médica com um assistente técnico não médico, o Art. 422 do CPC é a regra que impera no processo judicial, pois possui status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM, como o Parecer n. 09 / 2006.

Mais do que isso:

·         Num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM/CRM concluir que eu não cometi nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que meu registro de médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?

·         De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM/CRM casse meu exercício profissional, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz me absolva de qualquer acusação e ratifica que é livre o meu exercício profissional. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do periciando, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer às regras do juiz (no caso, o CPC), do que às regras divergentes estabelecidas pelo CFM/CRM.

Mas e o médico perito que permite a entrada de um assistente técnico não médico: não está sendo conivente com o “exercício ilegal da medicina”?

Sinceramente, acredito que não. O outro profissional não assinará como médico, mas como profissional que é. E sobre isso, vejamos o que diz a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5o, inciso IX:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Alguém dirá: "mas ele está exercendo uma atividade que é própria da medicina." Eu pergunto: em que lei está escrito quais são as atividades próprias de médico numa perícia da Justiça do Trabalho? Resposta: nenhuma. A Lei do Ato Médico já está em vigor? Resposta: Não.

Por tudo isso, estou convencido de que, hoje, esse outro profissional  não realiza o exercício ilegal da medicina. Ele apenas dá uma opinião sobre um tema médico, e se identifica por isso. Qualquer pessoa pode opinar sobre algum tema médico, mesmo não gozando de credibilidade para tal fim.

Corrobora com esse raciocínio, o mesmo Art. 422 do CPC, que assim coloca:

“O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimentos ou suspeição."

Pelo que diz a lei acima, independente da profissão, o assistente técnico de uma perícia judicial não pode ter impedida a sua participação.

Senhores, longe de ser uma verdade inquestionável, é o que sinceramente penso.”

Obs.: apesar de ver o Parecer-Consulta 100-545/10 do CRM-SP com ressalvas, ratifico meu apreço, respeito e admiração por essa instituição.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha  

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