segunda-feira, 18 de julho de 2011

MÉDICO DO TRABALHO CONFRONTA PERITOS DO INSS.

Vídeo-aula sobre o tema desse texto:

       


 Caros leitores.

        Segue abaixo uma mensagem que chegou até mim.

“Caro Dr. Marcos.

Meu nome é XXXX, Médico do Trabalho. Em alguns textos do seu blog vc defende a idéia de que a decisão do médico perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho. Legalmente vc pode até ter razão, mas não concordo com seu posicionamento. Tenho vários pacientes que voltam da perícia do INSS e dizem que o médico “nem examinou”. Vejo erros incontestáveis entre os peritos, sempre no sentido de prejudicarem o trabalhador. Como posso concordar com isso? Não concordo mesmo. E vou além, acho irresponsável a conduta que vc propõe. Não se esqueça: nossa função como Médico do Trabalho é zelar da saúde do trabalhador, e não concordar cegamente com a análise dos peritos do INSS.

Dr. XXXX”

        Prezado Dr. XXXX, primeiramente ressalto que não defendo uma concordância inconseqüente entre o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” e o Médico Perito do INSS. Muito pelo contrário! Defendo que a decisão do Médico Perito do INSS seja acatada pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” por uma questão legal (conforme veremos adiante), e que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” assuma então uma posição mediadora entre empregador e empregado, sempre defendendo a saúde do trabalhador. Nesse contexto, por exemplo, se o Médico Perito do INSS concedeu capacidade laboral ao trabalhador, e o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” entenda que não há essa capacidade, poderá considerá-lo: (a) “apto com recomendações”, ou (b) “apto com contraindicação à função”. Até mesmo um repouso maior em casa, mediante remuneração do empregador, deve ser considerado. Obviamente que, em todas essas situações, o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” deverá sair de seu consultório e explicar, tanto ao empregador, quanto ao trabalhador, toda legislação e demais detalhes referentes a esse tema.  Talvez seja essa a sua dificuldade.

        Recoloco agora alguns fundamentos legais, sobre os quais defendo a idéia de que a decisão quanto a capacidade laboral do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho / “Médico Examinador”:

>> Lei 11.907 / 2009, Artigo 3, parágrafo 3: "compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social ..., em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários."

Comentário: perceba que o parecer conclusivo quanto à capacidade laboral, e consequente concessão (ou não) do benefício previdenciário é conferida pelo Médico Perito do INSS e não pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”.

>> Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”

Comentário: perceba que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS e não pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Lembro-o também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme Art. 482 da CLT.

>> Lei 605 / 49, Art. 6, Parágrafo 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”

Comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. Nessa hierarquia, o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou "Médico Examinador").

>> Súmula 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei."

Comentário: em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecido primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para só depois, a decisão do Médico do Trabalho / "Médico Examinador".

        Dr. XXXX, o Senhor diz: “legalmente vc pode até ter razão, mas não concordo com seu posicionamento.” Dr. XXXX, o Senhor tem todo direito de não concordar com meu posicionamento. Mas quando o Senhor reconhece que os fundamentos legais estão corretos, o Senhor, na verdade, está discordando das leis do nosso país. Apenas fazendo uma analogia, creio que o Senhor também não concorde com o elevado imposto de renda que paga... e mesmo assim paga. Por que? Pois trata-se de uma questão legal. A conduta que proponho, embora o Senhor a reconheça como legal, o Senhor também a classifica como “irresponsável”. É como se o Senhor dissesse: “pagar imposto de renda é uma questão legal, mas como eu não concordo, qualifico a conduta dos que continuam pagando como irresponsável.” Apologia ao anarquismo!

        E por falar em responsabilidade, imagine o Senhor qualificando um trabalhador como “inapto” após este ter retornado do INSS com a capacidade laboral reconhecida. Sua conduta, apesar de ilegal (conforme o Senhor mesmo reconhece), poderia até ser responsável, desde que o Senhor tivesse com esse trabalhador um discurso completo, parecido com esse: “Sr. Trabalhador, o Perito do INSS entende que o Senhor pode voltar ao trabalho, mas eu discordo e o qualificarei como ‘inapto’. Sendo assim, fique em sua casa até sua saúde melhorar por completo. Não se preocupe, pois se nem a Justiça, e nem o INSS reconhecer seu benefício; e também o empregador não concordar em pagar o seu salário integral durante sua ausência, eu mesmo pagarei. Mais do que isso: se em virtude das muitas faltas ao trabalho, o Senhor for dispensado por justa causa do emprego, eu vou pagar o seu acerto como se fosse uma dispensa sem justa causa.” Então, Dr. XXXX, o Senhor será completamente responsável por suas condutas (ilegais) de confronto ao Médico Perito do INSS, ou sua responsabilidade só vai até onde lhe convém?

        Dr. XXXX, também vi na sua mensagem: “vejo erros incontestáveis entre os peritos, sempre no sentido de prejudicarem o trabalhador.” Dr. XXXX, confesso que também tenho casos onde sugiro um afastamento maior do que é concedido pelo Médico Perito do INSS. Mas sendo bem sincero, e sem paixão no discurso, existem casos também (e não são raros) onde o afastamento conseguido pelo trabalhador é superior ao tempo que eu havia sugestionado. Estou certo de que o Senhor tem casos assim também. E quando isso ocorre? Por coerência, o Senhor também deveria discordar do Médico Perito do INSS, e fazer o trabalhador voltar às suas atividades no prazo que o Senhor sugeriu para afastamento, e não naquele prazo maior concedido pelo Médico Perito do INSS. O Senhor faz isso? Se não fizer, o Senhor mesmo está chamando de “irresponsável” a sua conduta, pois acatou a decisão do Médico Perito do INSS, mesmo não concordando com ela.

        Pra terminar, mais uma citação de sua mensagem: “tenho vários pacientes que voltam da perícia do INSS e dizem que o médico “nem examinou”. Dr. XXXX, lembre-se que essa afirmação está vindo de alguém que teve sua pretensão resistida. Pode ser absolutamente verdadeira... mas também pode não ser. Sugiro-lhe qualquer hora dessas fazer uma avaliação anônima do seu próprio atendimento, entre os seus próprios pacientes. O Senhor irá se surpreender! Digo-lhe com toda convicção que, por melhor que seja seu atendimento, muitos pacientes reprovarão suas condutas e relação interpessoal. Muitos o criticarão impiedosamente. Não é por sua culpa, fique tranqüilo. É porque jamais conseguiremos agradar todos que atendemos. Jamais! Conforme o secular ditado, “o médico só pode se considerar maduro e experiente, quando ciente de todas as ingratidões dos seus pacientes, consegue amá-los cada dia mais.” Esse deve ser o caminho dos que, como nós, escolheram a medicina como ofício.

        Que Deus nos abençoe.

        Um forte abraço a todos, e até a próxima quarta-feira (20/07), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

        Marcos Henrique Mendanha
        E-mail: marcos@asmetro.com.br
        Twitter: @marcoshmendanha

Processo judicial sobre o tema: RO nº 01096-2009-114-03-00-4. Veja matéria sobre esse processo através do link: http://bit.ly/nteoCC

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