sexta-feira, 7 de outubro de 2011

EMBRIAGUEZ E ALCOOLISMO GERAM ESTABILIDADE NO EMPREGO?

Prezados leitores.

É justo que o alcoolismo (em regra, doença não ocupacional) obrigue o empregador a manter vínculo com um empregado, mesmo quando essa doença não gere incapacidade que o faça receber algum benefício previdenciário?  

Que culpa tem o empregador pelo alcoolismo do empregado a ponto de ser responsável pela manutenção desse vínculo de emprego, muitas vezes em situações que colocam em risco, tanto a vida do empregado, quanto a vida de terceiros?

Por outro lado, arrumaria outro emprego o trabalhador alcoólatra que fosse dispensado de alguma empresa, em idade já avançada?

Dispensar alguém nessas condições é discriminatório, ou é uma questão de zelo para com ele e com terceiros? Essa dispensa ofenderia ou defenderia o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana?

Segue abaixo um texto que nos convida para essa boa reflexão. Trata-se da opinião do Dr. Cássio Casagrande, Procurador do MPT-RJ.

Boa leitura!

Um forte abraço a todos e até segunda-feira (10/10), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha


EMBRIAGUEZ E ALCOOLISMO NO TRABALHO

Cássio Casagrande*

Uma curiosa decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo proferida neste mês chamou a atenção para um problema social e médico comum nas relações do trabalho: a embriaguez e o alcoolismo.

O TRT paulista decidiu que a ingestão de cerveja no intervalo para refeição não constitui falta grave do empregado, ensejadora de justa causa. A empresa Verzani e Sancrino Segurança Patrimonial despediu um de seus vigilantes porque o mesmo fora flagrado bebendo cerveja, no horário de intervalo destinado ao descanso. Segundo a prova dos autos, o autor não aparentava embriaguez, porém a testemunha que o vira naquele momento declarou em juízo que o mesmo exalava o odor típico do fermentado. O Tribunal entendeu que a embriaguez só poderia estar configurada pelo “aparente e inequívoco estado do indivíduo que, nesta condição, não detém o governo de suas faculdades e mostra-se totalmente incapaz de exercer com prudência até mesmo as mais singelas atividades”.

A CLT autoriza o empregador a despedir o empregado por justa causa quando ocorrer “embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, letra f)”. Isto significa dizer que o despedimento é autorizado quando o empregado se apresentar habitualmente sob o efeito de álcool ou quando consumi-lo durante o expediente. Como foi visto, a jurisprudência entendeu no caso acima que a ingestão moderada de bebida alcoólica durante o intervalo não caracteriza a justa causa. Mas há outros importantes aspectos a serem considerados neste tema. Em alguns casos, o estado de embriaguez justificador da justa causa pode ocorrer até mesmo fora do ambiente de trabalho. Em outros, a embriaguez pode denotar a doença do alcoolismo, o que poderia até mesmo impedir o despedimento do empregado. Portanto, é importante distinguir inicialmente embriaguez de alcoolismo. Nem todo embriagado é alcoólatra e nem todo alcoólatra se apresenta publicamente em estado de embriaguez.

Comecemos com o estado de embriaguez eventual. O comparecimento ao trabalho neste estado pode ou não caracterizar a justa causa, dependendo das circunstâncias do caso. Um peão da uma fazenda de pecuária beber um pouco além da conta numa friorenta e longa jornada de trabalho pode ser algo socialmente tolerável se isto não o incapacita de todo para o trabalho. Já um comandante de aeronave apresentar-se para um vôo embriagado é algo tão grave que dispensa comentários. Claro que no primeiro caso se a embriaguez for habitual, a situação pode mudar.

Se a embriaguez ocorre “fora do serviço”, ainda que habitualmente, em princípio o empregador nada tem a ver com isto, já que se trata da vida privada do empregado. Mas também aqui pode haver circunstâncias que justifiquem uma demissão por justa causa. É que em certas atividades e profissões o empregado deve guardar certo decoro mesmo fora de seu horário de trabalho. Imagine-se um professor secundarista que “encha a cara” numa festa de fim de semana de seus alunos e acabe perdendo completamente a linha. Este comportamento pouco discreto pode abalar a imagem do seu empregador, que poderá considerar aquela conduta como falta grave.

Mas é no terreno da embriaguez “habitual”, que é preciso ter cuidado. Como é sabido, a Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo uma doença provocada por dependência química. E, como tal, ela afeta milhões de trabalhadores, com importantes repercussões nas relações laborais. Assim, ao constatar que um de seus empregados vem apresentando com freqüência problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool, o empregador deve agir com cautela e de forma diligente, de modo a averiguar o problema do ponto de visa da saúde ocupacional. Não raro o alcoolismo tem origem em condições opressivas de trabalho, sendo comum também entre trabalhadores submetidos a grande pressão psicológica, como aqueles que ficam isolados durante muito tempo em plataformas de petróleo ou os controladores de vôo, que não podem errar. Algumas profissões peculiares também facilitam a ocorrência da doença, como a de barman ou provadores de bebidas alcoólicas.

Ainda que o alcoolismo não tenha origem em problemas relacionados ao ambiente de trabalho, mesmo assim deve ser encarado como doença pelo empregador. E isso tem importante repercussão jurídica, já que ninguém pode ser despedido por estar doente. Certa vez, quando exercia a advocacia, defendi um trabalhador que havia sido despedido por embriaguez habitual, mas cujo caso ocultava um sério problema de alcoolismo. Este meu cliente havia trabalhado durante mais de vinte anos para uma companhia estadual de energia elétrica, tendo recebido ao longo de sua vida funcional diversos prêmios pela sua produtividade. Quando foi ao meu escritório percebi que estava num adiantado e perigoso estágio de alcoolismo. Contou-me que seus problemas com o álcool haviam começado há relativamente pouco tempo, em razão de problemas familiares. O curioso é que a empresa, percebendo a situação de seu antigo funcionário, chegou a afastá-lo de suas atividades e a pagar um tratamento contra o alcoolismo. O tratamento fora infrutífero e o meu cliente voltara a beber violentamente. A empresa, acreditando que já havia feito a sua parte e que o quadro era irreversível, simplesmente despediu o empregado por justa causa, alegando a “embriaguez habitual”. Não é preciso dizer que a Justiça do Trabalho considerou esta dispensa nula, pois se a própria empresa admitira que o seu empregado estava doente, não poderia despedi-lo por esta razão.

Em casos como esses, portanto, o problema deve ser visto do ponto de vista médico e não disciplinar - e se o empregado não conseguir superá-lo, a questão deve ser encaminhada à previdência social.

*Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Coordenador do CEDES – Centro de Estudos Direito e Sociedade. O presente texto também pode ser acessado no site do CEDES (www.cedes.iuperj.br), juntamente com outros artigos sobre “Cidadania no Trabalho”.

2 comentários:

  1. Este é um caso difícil. E para ser sincero fico com dó do empregador, que fica de mãos atadas diante dessa situação! Nesse caso penso que o empregado saiu em muita vantagem contra o empregador, que tem que engolir seco até o vício do alcool...

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  2. E sabido que mesmo tomando habitualmente, o individuo muda suas caracteristicas de comportamento. acho inaceitavel beber bebida alcoolica nas refeiçoes.

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