segunda-feira, 21 de novembro de 2011

SOU MÉDICO DO TRABALHO, E O AUDITOR DO MTE DISCORDA. E AGORA?

Prezados leitores.

Segue abaixo um e-mail que recebi há alguns dias (alguns detalhes foram omitidos intencionalmente para que o autor da mensagem fosse preservado).

“Olá Marcos.

Sou seu colega, Médico do Trabalho, conforme as normas da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) / AMB (Associação Médica Brasileira) / CFM (Conselho Federal de Medicina). Fiz a prova de título de especialista por já ter mais de 5 anos de atuação na área de Medicina do Trabalho, e embora eu não tenha nenhum curso de Medicina do Trabalho (pós-graduação ou residência), consegui ser aprovado.

Ocorre que um auditor fiscal do Ministério do Trabalho da minha cidade (XXXXX-YY) resolveu pegar no meu pé! Segundo ele, eu sou obrigado a ter algum curso de Medicina do Trabalho, para só depois começar a assinar os PCMSOs. Ele se justifica na NR-4. Qual sua opinião legal sobre essa questão?

Obrigado, e parabéns pelo blog.

Dr. BBBBBBBB”

Ilustre Colega!

Antes de mais nada, se eu pudesse lhe dar um bom conselho, eu lhe diria o seguinte: sendo possível, nunca entre em “rota de colisão” (briga) com um auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego. A relação harmoniosa com os auditores deve ser sempre a primeira opção para o Médico do Trabalho, por inúmeros fatores. Não peço aqui para que você sempre abra mão de suas convicções. Não! O que lhe proponho é que suas argumentações com os auditores sejam feitas sempre em tom amistoso, elegante, educado, e de alto nível. Caso isso não ainda seja suficiente e a inegociável discordância se mantenha, procure a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) da sua região, e saiba quais os caminhos existentes para levar essa discussão para uma outra instância (lhe adianto que esses caminhos existem).

Pois bem, retomando o seu questionamento: há fundamento legal no fato do auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego exigir que você tenha algum curso de Medicina do Trabalho (pós-graduação ou residência)? À luz apenas da Norma Regulamentadora n. 4 do Ministério do Trabalho e Emprego, há sim. Explico nos próximos parágrafos.

Primeiramente, é importante ressaltar que o conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” varia de acordo com quem o emite. Lamentavelmente, ainda temos 3 conceitos distintos, o que gera inúmeras confusões, inclusive entre médicos. São eles: (1) conceito do MEC; (2) conceito da ANAMT/AMB/CFM; (3) conceito do Ministério do Trabalho e Emprego. Em resumo, cada um diz o seguinte:

1)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para o MEC: possuidor do título de pós-graduação Lato Sensu em Medicina do Trabalho, emitido de acordo com a Resolução MEC/CNE/CES n. 01 / 2007. Essa norma traz a regra geral para TODAS as pós-graduações (independente de ser de Medicina do Trabalho, Marketing, Iluminação, Direito Agrário, etc., etc., etc.). Para o MEC, além de outras condições, qualquer pós-graduação (também chamada de “especialização”) deve ter, no mínimo, 360 horas; 50% dos professores devem ser mestres ou doutores; etc. Cumprida todas as determinações estabelecidas nessa resolução, o certificado de conclusão dará ao concluinte o status de “especialista”, conforme o MEC.

2)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para a ANAMT/AMB/CFM: médico possuidor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho e/ou portador do certificado de conclusão em Residência Médica reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), conforme Art. 4 da Resolução 1634/2002 do CFM.

3)      “Especialista em Medicina do Trabalho” para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): para o MTE, Médico do Trabalho é o “médico portador de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, ou portador de certificado de residência médica em área de concentração em saúde do trabalhador ou denominação equivalente, reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica, do Ministério da Educação, ambos ministrados por universidade ou faculdade que mantenha curso de graduação em Medicina”, conforme vigente item 4.4.1, alínea “b” da Norma Regulamentadora n. 4 (Portaria 3.214/78), que tem sua existência assegurada pelo Art. 162, parágrafo único, alínea “c” da CLT.

Pelo fato da Norma Regulamentadora n. 4 (NR-4) ser editada pelo próprio MTE, a quem os auditores fiscais estão subordinados, a NR-4 não pode ser negligenciada por esses profissionais. A NR-7 (outra norma também editada pelo MTE, e que por isso deve ser observada pelos auditores) diz que o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) deve ser coordenado por um “Médico do Trabalho” (salvo em localidades onde não haja disponibilidade desse profissional). Pergunto: a qual conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” estaria se referindo a NR-7? Obviamente que ao conceito trazido pela NR-4, uma vez que todas as NRs foram editadas pelo mesmo ente, ou seja, o próprio MTE (a quem os auditores estão subordinados).

Portanto, meu Colega, se olharmos apenas a NR-4, há sim previsão legal na exigência do nobre auditor fiscal que está “pegando no seu pé”, e exigindo que, apesar do título de especialista que você possui (reconhecido pela ANAMT/AMB/CFM), você deva ter também alguma especialização (pós-graduação) ou residência médica, conforme nos ensina a própria NR-4, a quem o auditor está fortemente vinculado. Importante (apesar de óbvio): habitualmente, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego segue as regras do Ministério do Trabalho e Emprego (NRs), e não as da ANAMT/AMB/CFM.  

Apenas para ilustrar: nas faculdades, existe um quantitativo de professores que, sendo apenas “especialistas” (com certificados de pós-graduação reconhecidos pelo MEC) podem lecionar (mesmo não sendo mestres ou doutores). Caso os fiscais do MEC façam uma fiscalização nessas faculdades, a qual conceito de “especialista” esses fiscais irão seguir?  Obviamente que será ao conceito trazido pelo próprio MEC, a quem esses fiscais estão subordinados diretamente. Ou seja, no seu caso, apesar de ser “especialista” para ANAMT/AMB/CFM, pelo fato de não ser “especialista” para o MEC, em situações habituais, você também não poderia ministrar aulas em nenhuma faculdade. Viu como essa diferença de conceitos complica a vida de todo mundo?!

Voltando a sua questão propriamente dita, o que o auditor que está “pegando no seu pé” deve saber também (caso já não saiba), é que o fato de você não estar adequado ao conceito vigorante da NR-4, nada o impossibilita do exercício da Medicina do Trabalho, nos termos do Art. 17, da Lei 3.268 / 1957. Essa lei diz que o médico pode exercer a medicina em qualquer um de seus ramos (Pediatria, Cardiologia, Medicina do Trabalho, etc.) apenas pelo fato de estar inscrito no CRM de sua região. Ou seja, “se o médico tem CRM, ele pode exercer a medicina em qualquer uma de suas especialidades, mesmo não sendo especialista em nenhuma delas”. Alguns (especialmente não médicos) acharão isso grande um absurdo, mas é o que diz a lei.

Além disso, a Portaria DSST n. 11 / 1990, e a Portaria SSMT n. 25 / 1989, ambas editadas pelo MTE, garantem o pleno exercício profissional em Medicina do Trabalho para os médicos que se encontram registrados como "Médico do Trabalho", seja no CRM local, seja no MTE de sua jurisdição. Pelos bons anos já decorridos  da redação dessas portarias (e também pela pequena divulgação dada a elas), seus conteúdos, muitas vezes, são desconhecidos até os dias atuais, inclusive por alguns auditores fiscais do MTE.

Faz-se importante lembrar também que, conforme o Despacho n. 01 / 1996 do MTE, não há mais a obrigatoriedade de se registrar o Médico do Trabalho no MTE de sua jurisdição.

Concluindo: como na sua cidade existem outros “Médicos do Trabalho” disponíveis, se olharmos apenas a NR-4 / NR-7, há sim respaldo no fato do auditor solicitar que você não coordene nenhum PCMSO neste momento. Discutível? Claro que sim. Mas, à luz apenas das NR-4 / NR-7, não há incoerência na solicitação dele, uma vez que ele está diretamente subordinado às NRs citadas (normas expedidas pelo “patrão” dele, ou seja, o MTE).

Importante lembrar que em 2005, uma Nota Técnica expedida por um auditor fiscal do MTE chamado Daniel de Matos Sampaio Chagas (Nota Técnica n. 1 DMSC/DSST/SIT) determinou que “Médico do Trabalho” era quem possuísse Título de Especialista em Medicina do Trabalho e/ou fosse portador do certificado de conclusão em Residência Médica reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), conforme Art. 4 da Resolução 1634/2002 do CFM. Foi uma tentativa de igualar os conceitos trazidos pelo MTE e ANAMT/AMB/CFM. No entanto, por mais que eu a admire, essa Nota Técnica não tinha força hierárquica para revogar o texto vigorante trazido pela NR-4, pois foi um documento unilateral expedido pelo citado auditor, e que não passou pelo crivo da comissão tripartite, como deve ocorrer com a edição de todas as NRs. Por sua vez, a NR-4, aprovada pela comissão tripartite, é amparada pela CLT, e essa última tem seu respaldo assegurado pela Constituição Federal. Assim, legalmente falando, hoje, continua valendo o conceito trazido pela NR-4 (e não o que fôra expedido pela Nota Técnica n. 1 DMSC/DSST/SIT).

Para acabar com conflitos dessa natureza, na minha opinião, o conceito de “especialista em Medicina do Trabalho” deveria ser apenas um, e determinado por aqueles que são os mais competentes em falar sobre as qualificações médicas, ou seja, ANAMT/AMB/CFM (falo sobre isso num texto desse blog que pode ser visualizado pelo link: http://bit.ly/qOsFP0 ).

É o que penso, meu ilustre Colega. Estou na torcida para que você solucione, da melhor forma possível, toda essa problemática.

Um forte abraço a todos e até quarta-feira (23/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários só serão publicados após prévia análise do moderador deste blog (obs.: comentários anônimos não serão publicados em nenhuma hipótese).