terça-feira, 27 de março de 2012

GESTANTE NO EXAME DEMISSIONAL: ESTÁ APTA OU INAPTA?

Prezados leitores.

Imaginemos a seguinte situação: gestante de 28 semanas (aproximadamente 6 meses e meio), dentro de sua normalidade clínica, e com pré-natal sendo feito de forma correta. Ela está sendo dispensada (sem justa causa) da empresa onde trabalhava na função de “auxiliar administrativa”. Em seu exame demissional, será considerada “apta” ou “inapta” pelo Médico do Trabalho / Médico Examinador? Entendemos que ela deverá ser considerada “apta”, pelos fundamentos que passamos a expor.

O item 7.4.1 da Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7), assim nos traz:

“O PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) deve incluir, entre outros, a realização obrigatória dos exames médicos:

a) admissional;
b) periódico;
c) de retorno ao trabalho;
d) de mudança de função;
e) demissional.”

Não nos parece razoável admitir que haja critérios médicos distintos quando da realização de cada um dos exames acima. Ou seja, em regra, o critério a ser usado no exame admissional deverá ser o mesmo usado no exame demissional, periódico, etc. Por quê? Pelo simples risco de haver uma conduta discriminatória por parte do médico que realiza tais exames com análises diferenciadas em cada um deles. Não cabe, dentro do campo da saúde do trabalhador, “dois pesos e duas medidas”. Ou o exame é completo, ou é incompleto, seja ele admissional, periódico, demissional, etc.

Na mesma esteira, assim coloca o item 7.4.4.3, alínea “e” da Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7):

“O ASO deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.”

Interpretando: seja para a função que o trabalhador vai exercer (no exame “admissional”, no de “retorno ao trabalho” e no de “mudança de função”), exerce (no exame “periódico”), ou exerceu (no exame “demissional”), o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) terá a mesma conclusão mínima: “apto” ou “inapto”.  Repousamos nosso entendimento no sentido de que: se as conclusões possíveis são as mesmas, os critérios que levam a essas possíveis conclusões também devem ser os mesmos.  

Partindo desse princípio, refazemos a pergunta inicial desse tópico, substituindo “exame demissional” por “exame admissional”: gestante de 28 semanas (aproximadamente 6 meses e meio), dentro da normalidade clínica, e com pré-natal sendo feito de forma correta. Ela está sendo admitida numa empresa na função de “auxiliar administrativa”. Em seu exame admissional, será considerada “apta” ou “inapta” pelo Médico do Trabalho / Médico Examinador? Ora, sendo verificada a compatibilidade dela com o posto de trabalho que a recepcionará, dúvidas não restam de que ela estaria “apta”, nos termos da fundamentação abaixo:

 “É obrigação do Médico do Trabalho, no exame admissional, compatibilizar aptidão do candidato, do ponto de vista médico, ao posto de trabalho.” (Código de Conduta do Médico do Trabalho. ANAMT, 2003.)

Se a análise dos exames deve ser a mesma para que não se configure uma conduta discriminatória em suas abordagens, estando “apta” no exame admissional, essa gestante também deverá ser considerada “apta” no exame demissional.

Além disso, se, como médicos, qualificássemos essa trabalhadora como “inapta” no exame demissional, a conduta natural seguinte seria encaminhá-la ao serviço de perícias médicas do INSS, no sentido de tentar lhe garantir o auxílio-doença previdenciário (código 31), enquanto estivesse incapaz de exercer suas atividades laborais. Esse benefício, provavelmente lhe seria negado, pois o Médico Perito do INSS não encontraria nenhuma incapacidade ao trabalho nessa paciente, que justificasse o recebimento do auxílio-doença, com toda razão.

Aliás, sempre que houver dúvida em um exame demissional quanto à aptidão ou inaptidão de qualquer trabalhador, recomendamos aos Médicos do Trabalho / "Médicos Examinadores" que avaliem a mesma situação como se fosse um exame admissional. Normalmente a análise fica mais simplificada (e justa) dessa forma.

Por que de tanta polêmica no caso da gestante? Vejamos o que diz o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10, inciso II, item b: 

“Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”

É incontestável o direito da estabilidade provisória à uma empregada gestante, nos termos constitucionais expostos. No entanto, essa é uma questão administrativa, que se resolve entre essa trabalhadora e a empresa. A função do Médico do Trabalho/”Médico Examinador”, no exame demissional, é qualificá-la, no mínimo, como “apta” ou “inapta” para a função específica que ela exerceu, nos termos do item 7.4.1 da NR-7. Tudo que extrapolar essa análise é uma questão a ser resolvida pelos outros atores envolvidos, e não pelo médico da empresa.

Obviamente que numa situação de exame demissional de uma trabalhadora gestante, para evitar transtornos futuros, convém que o Médico do Trabalho/”Médico Examinador” comunique à empresa sobre a gestação dessa empregada (após expresso consentimento da trabalhadora – o que, nesse caso, normalmente não é de difícil obtenção), e sobre a possibilidade de ter que reintegrá-la posteriormente, uma vez que isso é um direito consagrado dessa empregada gestante.  O mesmo raciocínio teve o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em repetidos julgados:

EMENTA: “RECURSO DE REVISTA. EMPREGADA GESTANTE. GARANTIA AO EMPREGO. 1. Na dicção do c. TST, prescindível a ciência prévia da empresa sobre o estado gravídico da empregada, para a aquisição do direito à garantia tratada no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT (OJSBDI 1 nº 88). 2. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR- 464450-95.1998.5.02.5555)

EMENTA: “RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 10, II, "B", DO ADCT / CF / 88. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. DESCONHECIMENTO DA GRAVIDEZ PELO EMPREGADOR. O artigo 10, inciso II, do ADCT não impôs qualquer condição à proteção da empregada gestante. Assim, o desconhecimento da gravidez, pelo empregador, no momento da despedida imotivada não constitui obstáculo para o reconhecimento da estabilidade constitucional. Dessa forma, viola o texto constitucional a decisão que não reconhece a estabilidade da empregada gestante em virtude do desconhecimento da gravidez pelo empregador no ato da sua demissão.” (ROAR 400356/1997)

Ainda em tempo, pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10, inciso II, item b, cabe-nos ressaltar que só faz jus a estabilidade provisória, a empregada gestante dispensada arbitrariamente, ou seja, sem justa causa.

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha

Um comentário:

  1. Mais uma vez gostaria de parabenlizar o colega Marcos Medanha pela brilhante dissertação. Principalmente na parte em que tenta separar as obrigações legais administrativas dos pareceres médicos. Da mesma forma cabe o entendimento sobre a demissão por justa causa de pessoas em situação de fragilidade social e dificuldade de reinserção no mercado de trabalho como idosos, sequelados e portadores de necessidades especiais. Infelizmente o que muitos médicos do trabalho optam é encaminhar tais casos para a previdencia social que arca com o ônus da política de descarte de algumas empresas.

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