Prezados leitores.
Imaginem a seguinte situação hipotética: um indivíduo
trabalhou em uma mineradora, e dela se desligou há 37 anos. Hoje, recebeu
diagnóstico de silicose. Será que ele
poderá processar a empresa (caso ela ainda exista) solicitando algum tipo de
indenização? Resposta: sim.
Muitos dirão: “a resposta é não, pois no Direito do Trabalho, o (ex)empregado tem apenas 2 anos
para acionar juridicamente a empresa, e só poderá questionar os fatos relativos
aos últimos cinco anos, contados a partir da data em que ele ingressou com
a ação judicial (prescrição qüinqüenal, conforme art. 11 da CLT)”. Isso é bem
verdade, mas nos casos de doenças profissionais (equiparadas legalmente a acidentes de trabalho), a regra é diferente. Vejamos o
que diz a Súmula 230 do Supremo Tribunal Federal (STF):
“A prescrição da ação de acidente de
trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a
natureza da incapacidade”.
Na mesma linha, vem a Súmula 278 do Superior Tribunal de
Justiça (STJ):
“O termo inicial do prazo prescricional, na
ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral.”
Explicando: se o diagnóstico de silicose (naturalmente
considerada doença profissional) chegou hoje, então, somente hoje começa o
prazo para que esse indivíduo acione juridicamente a empresa da qual se desligou
há 37 anos, pleiteando assim uma provável indenização em virtude dessa moléstia
ocupacional. Dentro do mesmo raciocínio, veio o julgado a seguir:
EMENTA: “AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO, DANO MORAL E MATERIAL.
PRESCRIÇÃO. CERCEIO DE DEFESA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DECISÃO DENEGATÓRIA.
MANUTENÇÃO. Em se tratando de
acidente de trabalho e doença ocupacional, o marco inicial para a contagem do
prazo prescricional para a propositura da ação de indenização não é a data do
afastamento ou da constatação da doença, e sim a da ciência inequívoca da
incapacidade laboral - no caso, da constatação por laudo médico da incapacidade
total para o trabalho, apesar da alta previdenciária - por se considerar o
critério da actio nata. Esse é o sentido do art. 104, II, da Lei
8.213/91, o qual, conquanto direcionado às ações previdenciárias, aplica-se,
por analogia, às ações trabalhistas indenizatórias de acidente de trabalho.
Neste sentido, inclusive, o entendimento pacificado no âmbito da jurisprudência
do STF (Súmula 230) e no STJ (Súmula 278). Na hipótese, o Regional concluiu
estar presente o nexo de causalidade entre a atividade laboral e o acidente que
vitimou o Reclamante, o qual, em 5/6/1999, sofreu fratura na coluna, concluindo
o laudo pericial que o infortúnio decorreu do labor em carregamentos de sacos
de terra de 100 kg. O Reclamante permaneceu em auxílio-doença acidentário até
16/11/2006, quando teve alta definitiva pelo INSS. Entretanto, o laudo médico
atestou que o empregado teve incapacidade total para o trabalho braçal.
Portanto, em 16/11/2006, o Reclamante teve a ciência inequívoca da incapacidade
laboral, sendo este o marco inicial para o fluxo da prescrição de cinco anos
previsto no art. 7º, XXIX, CF. Como a ação foi ajuizada em 14/03/2008, dentro
do quinquídio legal, não está prescrita a pretensão. Inviável o processamento
do recurso de revista quando as razões expendidas no agravo de instrumento não
logram infirmar os termos da decisão denegatória, que subsistem por seus
próprios fundamentos. Agravo de
instrumento desprovido.” (AIRR - 22140-11.2008.5.10.0821)
Já que é assim, voltemos
ao exemplo da silicose. E se, diante de um processo judicial instaurado, houver
necessidade do prontuário, sob guarda do Médico do Trabalho daquela mineradora,
e este prontuário já não exista mais? Isso será lamentável.
Ora, então por quanto
tempo esse prontuário deveria ter sido guardado?
Diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) do Ministério do
Trabalho e Emprego, em seu item 7.4.5.1, que o prontuário médico de um
empregado deve ser guardado pelo período mínimo de 20 anos, contados a partir da data do desligamento desse empregado
da respectiva empresa. Essa regra também se aplica aos hospitais e clínicas de
uma forma geral, conforme Resolução 1.821 / 2007 do Conselho Federal de
Medicina, que assim resolveu:
“Art. 8º: Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último
registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel,
que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou
digitalizado.”
A mesma resolução determina que, no caso dos prontuários
arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado, a
guarda desses prontuários deverá ser permanente.
Na esfera da “saúde do trabalhador”, há situações
específicas onde, mesmo o prontuário sendo impresso, o tempo mínimo de seu
armanezamento é de 30 (trinta) anos.
Um exemplo, são os prontuários daqueles que trabalham com asbesto (amianto), conforme item 11.1 do Anexo 12 da NR-15, que
assim coloca:
“Os registros das avaliações deverão ser
mantidos por um período não inferior a 30 (trinta) anos.”
De maneira análoga é a armazenagem dos prontuários
impressos dos trabalhadores expostos às radiações
ionizantes, conforme item 32.4.8 da NR-32, transcrito a seguir:
“O prontuário clínico individual previsto
pela NR-07 deve ser mantido atualizado e ser conservado por 30 (trinta) anos
após o término de sua ocupação.”
No entanto, mesmo guardando o prontuário por 30 anos,
situações como as descritas no início desse tópico (indivíduo que recebe
diagnóstico de silicose 37 anos após ter se desligado da mineradora) poderão
ocorrer. Em tais situações, se o prontuário do serviço de Medicina do Trabalho
da empresa já tiver sido descartado, talvez, nem todos os fatos relativos à uma
determinada doença ocupacional poderão ser satisfatoriamente esclarecidos.
Assim, apesar
das legislações citadas, para uma maior segurança de todos os atores envolvidos
num processo judicial que envolva alguma hipotética doença ocupacional, o ideal
é que a guarda dos prontuários seja permanente (independente do prontuário ser
impresso, arquivado eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou
digitalizado).
Vale lembrar que até mesmo os familiares de um trabalhador
falecido poderão acionar a justiça em virtude de uma eventual doença
profissional, ou seja, nem mesmo a morte do trabalhador é indicativo de uma
segura destruição do seu respectivo prontuário.
Um forte abraço a todos!
Que Deus nos abençoe.
Marcos Henrique Mendanha
Notícia relativa ao tema:
EMPREGADO CONSEGUE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE
DE TRABALHO (PERDA AUDITIVA) 15 ANOS APÓS A DISPENSA.
O ex-empregado
de uma das maiores empresas têxteis do país procurou a Justiça do Trabalho
alegando que sofreu perda auditiva em decorrência dos ruídos e das condições
inadequadas de trabalho.
Por conta disso,
pediu que a reclamada fosse condenada ao pagamento de indenizações por danos
morais e materiais, além de ressarcimento pelo período de estabilidade que não
chegou a usufruir.
O problema é que
o contrato de trabalho durou de 1986 a 1997 e o reclamante ajuizou a ação
apenas em 2013. Em razão dessa demora, a empresa argumentou que o direito de
ação já estaria prescrito.
Mas a tese foi
rejeitada pela 6ª Turma do TRT-MG. Acompanhando o voto da juíza convocada
Rosemary de Oliveira Pires, os julgadores decidiram manter a sentença que
afastou a prescrição e concedeu indenizações ao reclamante.
A decisão se
baseou na teoria da "actio nata" (nascimento do direito de ação),
pela qual, somente a partir da ciência inequívoca das lesões é que começa a correr
o prazo prescricional.
O trabalhador
relatou que, por volta do ano de 1994, percebeu redução de acuidade auditiva à
direita e posteriormente à esquerda. Dispensado pela reclamada em 1997, foi
trabalhar no campo. Ao tentar retornar ao trabalho urbano, foi reprovado em
exame admissional realizado no dia 10/01/2012, em função da perda auditiva
bilateral constatada.
Na sentença, o
juiz entendeu que, apesar de ter percebido a redução da percepção auditiva há
mais tempo, o reclamante só teve ciência inequívoca da consolidação das lesões
e de sua incapacidade anos depois. A decisão rejeitou a prescrição,
reconhecendo que o direito de ação somente nasceu com as conclusões do laudo pericial
produzido nos autos.
Ao analisar o
recurso da indústria, a relatora também entendeu que não ocorreu a prescrição.
Ela lembrou que, até a edição da Emenda Constitucional 45/2004, havia
controvérsia sobre a competência para processar e julgar ações que versavam
sobre acidente do trabalho.
Com a nova
redação conferida ao artigo 114 da Constituição Federal pela EC 45/04, ficou
definido que a Justiça do Trabalho é competente para julgar os pedidos de
indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de
trabalho.
Com isso,
aplica-se o inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República, que prevê
que o direito de exigir os créditos resultantes das relações de trabalho se
sujeita ao "prazo prescricional de 5 (cinco) anos para os trabalhadores
urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de
trabalho".
De acordo com a
magistrada, o prazo do Direito Civil aplica-se às ações propostas antes da
vigência da Emenda 45/04. No caso do processo, como o reclamante propôs a
reclamação em 2013, ou seja, muitos anos depois da edição da Emenda
Constitucional, a julgadora não teve dúvidas de que a prescrição aplicável é mesmo
a trabalhista.
A relatora
aplicou ao caso a Súmula 278 do STJ, que prevê que o termo inicial do prazo
prescricional, na ação de indenização, é a data em que o empregado tem ciência
inequívoca de sua incapacidade laboral. No mesmo sentido, destacou o Enunciado
nº 46, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho,
segundo o qual:
"O termo
inicial do prazo prescricional da indenização por danos decorrentes de acidente
do trabalho é a data em que o trabalhador teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral ou do resultado gravoso para a saúde física e/ou
mental".
Nesse contexto,
a prescrição total foi afastada. "Apesar de o reclamante ter notado a
redução de sua capacidade auditiva há muitos anos, conforme exame realizado em
1996, exsurge dos autos que apenas em 10/01/2012, quando foi reprovado no exame
admissional realizado, é que teve ciência inequívoca do comprometimento de sua
audição e da incapacidade consequente", destacou a juíza convocada,
ponderando, ainda, que "se a própria reclamada não carreou aos autos a
audiometria realizada por ocasião da demissão, o que impede verificar a
consolidação da doença na época, não pode pretender que o marco inicial da
prescrição seja a dispensa, ocorrida no ano de 1997".
Dano moral decorrente da doença
Com base na
perícia médica, a magistrada reconheceu que as atividades desenvolvidas no
trabalho influenciaram no desenvolvimento da doença. Segundo o perito, o
problema de ruído é antigo na empresa, que não tinha tradição de oferecer proteção
auditiva eficiente.
A oferta de protetores auriculares era feita de forma irregular e destituído de
certificação de qualidade. Nesse cenário, a relatora considerou que a ré não
provou a adoção dos procedimentos imprescindíveis à humanização do trabalho,
devendo indenizar os danos causados.
"A
responsabilidade da empregadora em indenizar o empregado por danos provenientes
de acidente de trabalho, ou do surgimento de doenças ocupacionais, quando
incorrer em dolo ou culpa, consoante o disposto no artigo 7º, inciso XXVIII, da
Constituição da República, emerge do dever legal de conduta de evitar a
ocorrência de tais infortúnios, pela observância das regras previstas na CLT,
no art. 19, §1º da Lei 8.213/91 e nas Normas Regulamentadoras do MTE, referentes
à saúde, higiene e segurança do trabalho, elevadas a nível constitucional (art.
7º, XXII), exigindo do empregador a adoção de medidas tendentes a garantir a
integridade física e mental de seus empregados", registrou a relatora no
voto, acrescentando, ainda, que a concausa (causa que concorre com outra para a
produção do seu efeito) é suficiente para caracterizar a doença ocupacional,
nos termos do artigo 21, inciso I, da Lei 8.213/91.
Portanto,
considerando presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil,
a Turma de julgadores confirmou a obrigação da reclamada de reparar os danos
morais sofridos pelo reclamante. O valor da indenização por danos morais foi
elevado para R$ 15 mil.
Além disso, foi
reconhecido o direito à estabilidade provisória, nos termos da parte final do
item II da súmula 378 do TST. No entanto, por se tratar de doença profissional
constatada após a despedida, não foi exigido o afastamento superior a 15 dias e
a consequente percepção do auxílio-doença acidentário.
Processo: RO
0000599-67.2013.5.03.0100
Fonte: TRT/MG.