Prezados leitores.
Como um dos
objetivos desse blog é falar sobre a saúde dos trabalhadores, falaremos hoje
sobre a saúde dos médicos. Para ser mais específico, falaremos sobre a jornada
de trabalho dos médicos como fator adoecedor. Infelizmente, não é um texto de “boas
novas”.
Abordaremos nesse
texto apenas aspectos do Direito Privado. A vigente Lei 3.999/61 (que só é
aplicada no Direito Privado, conforme determina a própria lei), assim nos traz:
Art. 8º A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira
de modo algum o disposto no artigo 12, será:
a) para médicos, no mínimo de
duas horas e no máximo de quatro horas diárias;
§ 1º Para cada noventa minutos de trabalho gozará o médico de um repouso
de dez minutos.
§ 2º Aos médicos e auxiliares
que contratarem com mais de um empregador, é vedado o trabalho além de seis
horas diárias.
§ 3º Mediante acordo escrito, ou por motivo de força maior, poderá ser o
horário normal acrescido de horas suplementares, em número não excedente de duas.
Na minha modesta interpretação, o texto acima
estabelece sim um limite
máximo para jornada de trabalho médico. Conforme a lei, o normal seria que os
médicos trabalhassem até 4 horas/dia. A partir daí, já estaríamos dentro do
excepcional, exemplo: 6 horas/dia para os médicos que tiverem mais de um
empregador, com possibilidade de, no máximo 2 horas-extras por motivo de força
maior.
Entendo que o que o legislador quis dizer em 1961
foi o seguinte: “no regime privado, na
pior das hipóteses, mediante motivo de força maior (que não ocorre diariamente)
médico vai trabalhar no máximo 8 horas/dia – já considerando as horas-extras
desse dia de trabalho extremo.”
Penso que naquela época, já poderíamos ter
levantado essa bandeira nas faculdades de medicina, e em nossos sindicatos. Mas
ao invés disso, o que fizemos (nós, médicos)? Continuamos sem uma politização
de classe, trabalhando cada vez mais.
O fato é que nós mesmos (os médicos) fizemos o que
era excepcional (trabalharmos bem mais que 4horas/dia) virar uma coisa normal. Tanto
assim, que em 2005 o TST reconheceu que 4 horas/dia era muito pouco para os
médicos, apesar da vigente Lei 3.999/61.
É o que expressa a Súmula 370 do TST:
Súmula 370 do TST: “Tendo em vista que as Leis nº
3999/1961 e 4950/1966 não estipulam a jornada reduzida,
mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4
horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em
horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário
mínimo/horário das categorias.”
Minha
modesta crítica sobre essa Súmula: não estipula jornada
reduzida? Como não?! Vejamos o texto da Lei 3.999/61: “A duração normal do trabalho, será:para médicos, no mínimo de duas horas
e no máximo de quatro horas diárias.” Isso não é estipular jornada reduzida?! Pra mim,
claro que é. Mas como nada fizemos, e a lei continua sem ser obedecida por nós
mesmos (os médicos), o próprio TST “inventou” uma interpretação pra ela, e
colocou essa interpretação na forma da Súmula 370. Oficializou-se então que
podemos trabalhar bem mais do que 4h/dia.
Nesse mesmo caminho (da Súmula), já existem vários
julgados (que parecem traduzir o entendimento majoritário dos juízes). Cito
alguns:
EMENTA: HORAS EXTRAS. LEI N. 3.999/61. MÉDICO. A Lei n.
3999/61, que rege a categoria profissional dos médicos, estabelece o salário
mínimo da categoria para uma jornada de quatro horas, e não que a jornada máxima diária desses profissionais deva observar
esse limite. (...) Adoção da Súmula n. 370 do TST. (RO
769-42-2010.5.04.0221)
EMENTA: MÉDICOS. Tendo em vista que as Leis nº 3999/1961 e 4950/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas
apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas
para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas
extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário
mínimo/horário das categorias. (RR 815008120075040010 81500-81.2007.5.04.0010)
Resumindo: no
aspecto da jornada de trabalho, o que um dia foi excepcional, hoje é normal, e
sumulado! Esqueçamos as tais 4 horas/dia. Hoje, tudo é normal: 4h, 6h, 8h, 12h,
24h, 36h... e assim vamos nós, orgulhando
nossos pais, e brigando vorazmente com outras categorias profissionais para
encabeçar o ranking das profissões que mais adoecem (vide estatísticas
previdenciárias).
Ratificando a constatação mais triste:
olhando por um panorama histórico, de 1961 pra cá, talvez nenhuma outra
categoria profissional viu a sua jornada de trabalho ser tão oficialmente
aumentada, como ocorreu com os médicos. De quem é a culpa? Pra mim, com todo
respeito, dos próprios médicos (pela falta de politização e lutas trabalhistas,
fartamente evidenciadas nas grades curriculares das faculdades de medicina).
Outro detalhe
interessante a ser considerado: o acordo coletivo. A
negociação coletiva de trabalho pressupõe a presença do sindicato profissional,
como representante legítimo da classe trabalhadora, de um lado, e o sindicato
patronal (convenção coletiva de trabalho) ou a própria empresa (acordo coletivo
de trabalho), de outro. O acordo coletivo é uma norma de eficácia reconhecida
pela Constituição (Art. 7, inciso XXVI), desde que não se frontalize com leis
já estabelecidas.
Em alguns casos (acredito que não seja a
maior parte dos casos), mesmo frontalizando as leis, as negociações acabam
prevalecendo. Um exemplo: a CLT não permite, como regra, jornada de trabalho
superior a 10 horas/dia (já contando as horas-extras). Mesmo assim, o TST
entende como “vantajoso ao trabalhador” a escala de 12/36 (tanto é assim, que os
plantões dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, etc. – continuam
sendo de 12 horas), desde que seja feita via negociação coletiva.
A escala de 12/36 se funda no chamado
“Banco de Horas”, ou seja, as horas a mais trabalhadas num dia, serão
compensadas com folgas em outro dia. Para alguns doutrinadores, ela é ideal
para algumas categorias profissionais, entre elas, os profissionais da saúde. Será?
· Pesquisas recentes mostram que os
chamados “erros médicos” ocorrem com maior prevalência justamente nas últimas 4
horas de plantão (após as 8 horas já trabalhadas, e quando o cansaço já é
evidente).
·
Quem nos dera se os profissionais da
saúde trabalhassem 12h, e efetivamente descansassem 36h. Sabemos que não é
assim que funciona.
A propósito, pra
finalizar com essa boa reflexão, deixo as seguintes perguntas:
- · de onde vem essa história de que o plantão tenha que ser de 12 horas?
- · Por que 12?
- · Por que não ser igual em muitos países europeus, onde há 3 escalas de plantões diárias, com 8 horas cada uma?
- · Por que nunca apareceu pelo menos uma numeróloga pra explicar o “porque de 12 e não 8”, já que a jornada de trabalho estabelecida na Constituição Federal, como regra, é de 8h/dia?
“Vivemos
esperando dias melhores...”
Que
Deus nos abençoe.
Um
forte abraço a todos.
Marcos
Henrique Mendanha
E-mail:
marcos@asmetro.com.br
Twitter:
@marcoshmendanha
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