José Pastore*
Se a sua empregada
doméstica precisar fazer uma hora extra, lembre-se de que ela terá de descansar
15 minutos antes de começar. Se você precisa de muitas horas extras, atente que
ela não pode exceder dez horas por semana. Se dorme ou não no emprego, ela terá
de ficar 11 horas sem trabalhar depois de encerrada uma jornada. Atenção: ela
não pode comer em menos de uma hora em cada refeição. Se ela demorar mais de
dez minutos para entrar no serviço, trocar de roupa ou tomar banho na hora da
saída, esse tempo será contado como hora extra. Se ela dorme no quarto com uma
criança ou um doente, terá de ser remunerada com adicional noturno e
eventualmente hora extra por estar à disposição daquela pessoa. Se você tiver
de compensar em outro dia as horas a mais que ela trabalhou no dia anterior
(banco de horas), lembre-se de que isso tem de ser previamente negociado com o
sindicato das domésticas. Se você concede à sua empregada um plano de saúde e
ela se acidentar e for aposentada por invalidez, o plano terá de ser mantido
pelo resto da vida. Se, para melhor controle do seu desempenho, você
estabelecer metas e tarefas diárias que sua empregada considere exageradas, ela
pode processá-lo por danos morais. E se você não pagar a indenização que o juiz
determinar, ele penhorará (online) o saldo da sua conta bancária - sem prévio
aviso.
Tudo isso está na lei e na jurisprudência. E há muito mais. Para ser franco, o
espaço todo deste jornal não seria suficiente para explicar as complicações
decorrentes dos 922 artigos da CLT e dos milhares de normas administrativas e
orientações dos tribunais. Por isso vou parar por aqui, mesmo porque não quero
ser considerado catastrofista. Nem por isso, porém, posso concordar com a
opinião da nobre desembargadora Ivani Bramante, publicada neste caderno (2/4),
segundo a qual os patrões estão com paranoia (sic) em relação à nova lei das
domésticas.
O fato é que, no
País inteiro, não se fala noutra coisa. A apreensão é geral. Os políticos já
perceberam o desconforto e a irritação causados pelo impensado ato. Muitos já
reformulam o seu cálculo eleitoral: se ganharam a simpatia das empregadas,
perderam o apoio dos milhões de eleitores que não podem prescindir dos serviços
de uma babá ou de um cuidador de idoso. A esse grupo se juntarão as empregadas
que serão dispensadas.
Convenhamos, a
execução do atual cipoal trabalhista já é difícil nas empresas. O que dizer das
famílias, que não dispõem de contador, departamento de pessoal e assessoria
jurídica? A nova lei, além de encarecer os serviços (que já estão caros), vai
mudar o relacionamento entre empregada e empregador, que, de confiável e
amistoso, passará a burocrático e conflituoso.
Os políticos
buscam agora colocar uma tranca na porta que acabaram de arrombar. Mas as
emendas poderão sair pior do que os sonetos. E podem ser inúteis, pois, a esta
altura, as famílias que podem já se puseram a desenhar a sua vida sem a ajuda
das empregadas domésticas.
A questão do encarecimento também é séria. O meu amigo Osmani Teixeira de
Abreu, conhecedor profundo das relações do trabalho no Brasil, acredita que, em
médio prazo, vai sobrar empregada doméstica, porque muitos empregadores não
terão condições de cumprir a nova lei. Ele argumenta que na empresa, quando há
um aumento de custo, o empresário o repassa ao preço ou o retira do lucro. O
empregador doméstico não tem como fazer isso, porque geralmente é empregado e
vive de salário, que não é elástico.
Ou seja, na pretensão de melhorar a vida das empregadas domésticas, nossos
legisladores deixaram de lado o que é mais prioritário no momento presente, que
é a formalização dos 5 milhões de brasileiras que não contam sequer com as
proteções atuais. Será que aumentando os direitos e criando tanta insegurança
elas vão ser protegidas? Penso que não. Muitas serão forçadas a trabalhar como
diaristas, sem registro em carteira.
José Pastore é
professor de Relações do Trabalho da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de
Letras.
(Esse texto foi
publicado no jornal "O Estado de São Paulo” em 09 de abril de 2013.)
Antes dessa nova lei, o empregador doméstico não precisava pagar os primeiros 15 dias de atestado antes de encaminhar o empregado ao INSS, ele ia para o INSS no primeiro dia. Isso mudou?
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