Prezados leitores.
A participação de
fisioterapeutas como peritos judiciais, em lides que envolvam os chamados
“assuntos médicos”, é um tópico sempre muito polêmico.
Na postagem
anterior, mostrei uma série de decisões que mostram que, mesmo entre os
julgadores, essa é uma pauta completamente aberta e não pacificada.
E no que tange às
questões penais? O
profissional fisioterapeuta que atua como perito judicial num processo que
envolva, por exemplo, o diagnóstico de uma doença ocupacional, atua de forma
criminosa? Faz exercício ilegal da medicina? Incorre na prática do
curandeirismo?
Vejamos abaixo
alguns artigos do vigente Código Penal brasileiro:
Exercício ilegal da medicina, arte
dentária ou farmacêutica
Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a
profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou
excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim
de lucro, aplica-se também multa.
Curandeirismo
Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante
remuneração, o agente fica também sujeito à multa.
Com base em tais
artigos, muitos estudiosos (a quem verdadeiramente respeito e admiro) entendem
que um profissional fisioterapeuta que atua como perito judicial num processo
que envolva, por exemplo, o diagnóstico de uma doença ocupacional, atua
sim de forma criminosa, fazendo exercício ilegal da medicina, e
incorrendo na prática do curandeirismo.
Como médico (e
defensor árduo desta classe profissional), gostaria de compactuar com tais
pensadores... mas isso não me seria sincero à luz do pouco das ciências
jurídicas que aprendi. Explico: os artigos 282 e 284 do Código Penal (supra
citados) deixam claros a ilicitude e, consequentemente, o ato criminoso
daqueles que realizam o exercício ilegal da medicina e a prática do
curandeirismo (por exemplo, realizando diagnósticos que ultrapassem os limites
de suas competências profissionais).
No entanto, o mesmo
Código Penal, e seu artigo 23, assim coloca:
Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.
Suponhamos então,
por exemplo, que o juiz espontaneamente nomeie um fisioterapeuta para que este
profissional realize uma perícia judicial que envolva o diagnóstico de uma
doença ocupacional, dando-lhe a opção de aceitar ou recusar esse nobre ofício.
Por sua vez, este fisioterapeuta aceita tal encargo. A partir de agora, caberá
ao fisioterapeuta cumprir o dever legal que lhe foi outorgado, nos termos do
art. 422 do Código de Processo Civil, que assim nos ensina:
O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que
lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.
Na mesma esteira,
o próprio Código Penal, em seu artigo 330, nos faz interpretar que o
descumprimento de uma ordem judicial também deve ser qualificada e autuada como
crime.
Ora, se o próprio
juiz (dentro da sua margem de discricionariedade) outorgou para esse
profissional fisioterapeuta a tarefa de confeccionar o laudo pericial, a
realização deste trabalho constitui-se, a partir de então, uma obrigação, um
estrito cumprimento de dever legal e, portanto, exclui qualquer possibilidade
de crime do ato. Não há mais que se cogitar a hipótese (também discutível – em
virtude da ainda falta de previsão legal do que realmente venha a ser o chamado
“ato médico”) de crime de exercício ilegal de medicina e/ou de curandeirismo,
pois a antijuridicidade foi literalmente excluída nos termos no art. 23, III,
do Código Penal, combinado com art. 422 do Código de Processo Civil.
Ratificando: foi o próprio juiz quem escolheu este fisioterapeuta, e de forma espontânea.
Aos que assim não
entendem, cabe uma reflexão a mais: se um eventual crime não foi
desconstituído, o mandante do crime então é o próprio juiz e, portanto, também
deverá ser considerado criminoso. Reflitamos sem paixão e com
franqueza: alguém já ouviu falar de algum magistrado que tenha sido condenado
penalmente por tal ato? Que tenha sido preso por tal conduta? Que nossas
análises jamais se desconectem da realidade fática.
Alguns
dirão: “mas um
juiz trabalhista pode mesmo escolher um profissional não médico para a
realização de uma perícia de diagnóstico de doença ocupacional?” Assim nos traz o Código de Processo Civil
(CPC):
Art.
145. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o
juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421.
§
1º Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário,
devidamente inscritos no órgão de classe competente, respeitado o disposto no
Livro I, Título VIII, Capítulo VI, Seção VII, deste Código.
§
2º Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão
opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos.
§
3º Nas localidades onde não houver profissionais qualificados que preencham os
requisitos dos parágrafos anteriores, a indicação dos peritos será de livre
escolha do juiz.
Tenho observado na
prática pericial, especialmente na Justiça do Trabalho, uma grande dificuldade
dos magistrados em conseguir médicos para atuar como peritos. Os baixos
honorários pagos, aliados à demora no recebimento destes, são os principais
fatores relacionados à falta de médicos no campo pericial trabalhista. Da forma
como as coisas estão estruturadas na Justiça do Trabalho, o desestímulo médico
é evidente.
No entanto, se os
médicos, de forma legítima, abrem mão do ofício pericial em virtude da baixa
remuneração, a Justiça não pode parar por esse motivo. Em regra, os magistrados
são sensíveis aos baixos valores pagos pelas atividades periciais (a todos os
profissionais que a executam), ao mesmo tempo em que não possuem autonomia
legislativa e orçamentária para mudar esse cenário. Aplica-se, então, uma
adequação do “princípio da reserva do possível” no que tange ao pagamento dos
honorários periciais.
Nesse contexto,
ganha força o § 3º do art. 145 do CPC: “nas localidades onde não houver
profissionais qualificados que preencham os requisitos dos parágrafos
anteriores, a indicação dos peritos será de livre escolha do juiz”. Tal
dispositivo era para ser uma exceção, mas em alguns locais, já se configura
como regra. Ou seja, se um profissional (qualquer um) não aceitar o encargo
pericial, outro profissional (qualquer um) poderá ser indicado mediante livre
escolha do juiz. Chocante para muitos? Sim, mas é o que nos ensina as leis que
elencamos ao longo desse texto.
À vontade para os
sempre bem-vindos contraditórios e outros posicionamentos quanto ao tema.
Que Deus nos
abençoe.
Marcos Henrique
Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter:
@marcoshmendanha
Facebook /
Instagram / Flickr: marcoshmendanha
Prezado DR Marcos Mendanha , em pese seus argumentos , SIM o Juiz pode nomear o perito Fisioterapeuta para realizar uma pericia por sobre o objeto da lide, porém isto nunca se chamará "PERÍCIA MÉDICA" E SIM PERICIA CINESIOLÓGICA OU OUTRO QUE O VALHA .
ResponderExcluirO requisito básico para se realizar PERICIA MÉDICA É SER MÉDICO REGULARMENTE HABILITADO. Exemplificando e apimentando. Médico de um estado da União que tem cassação medica em estado diferente não pode exercer realizar a Pericia Medica naquele local , mas pode ser nomeado enquanto notório saber para fazer uma Pericia Não Médica.
abraços
Leandro Presumido.
Boa, Dr. Leandro!
ExcluirNão foi à toa que coloquei no título o termo "perícia médica" (com aspas), me referindo ao fato de alguns juízes (especialmente na área trabalhista, enfoque maior desse blog) nomearem outros profissionais para realização de perícias que, em tese, deveriam ser feitas por médicos.
Por coerência ortográfica, perícia médica é para médicos; perícia fisioterápica é para fisioterapeutas, e assim sucessivamente.
Mas no Direito, o que existe é a Perícia Judicial, ou seja, a que serve ao juiz e à Justiça. E olhando por esse enfoque, por mais que nos pareça estranho (me incluo entre os acometidos por essa estranheza), a "perícia médica" não só pode, como frequentemente é (vide vários julgados que temos) feita por profissionais não médicos.
Essa é a realidade que temos.
Obrigado por sua importante e respeitosa contribuição! Fique à vontade para fazê-la sempre. Só assim poderemos construir novos (e melhores) patamares de entendimento sobre esse importante tema.
Abração, Dr. Leandro.
Olá Dr. Marcos, bom dia. Esta não é uma verdade absoluta... Cabe aos Peritos Médicos a busca de outra vertente, vejamos:
ResponderExcluirRECURSO ORDINÁRIO PROCESSO TRT – 15ª REGIÃO – 0001417-25.2000.5.15.0008 RO – Perícia Médica realizada por Fisioterapeuta - “Inegável, portanto, que somente a perícia médica pode dirimir, com precisão, as questões relacionadas ao acidente de trabalho e/ou doença profissional aduzidos na peça de estréia, fornecendo ao julgador elementos seguros e necessários ao desate da lide”. FÁBIO ALLEGRETTI COOPER - Juiz Relator.
Att.
Rubens Cenci Motta - seu leitor assíduo.
Querido Dr. Rubens, bom dia!
ResponderExcluirEstou contigo: esta não é uma verdade absoluta.
Prova disso são os diversos julgados diferentes existentes sobre o tema, veja:
http://www.saudeocupacional.org/2013/05/fisioterapeutas-podem-realizar-perícias.html
Abração, amigo!
Prezado Dr. Marcos,
ResponderExcluirAqui no TRT da 1ºRegião, para o arrepio da nossa justiça e da perícia médica como instituição, já temos cinco fisioterapeutas atuando regularmente como peritos judiciais em processos de alegada doença ocupacional. Algumas vezes conseguimos impugná-los na primeira instância, outros somente em recurso. Nossa argumentação principal é que como eles não podem realizar diagnósticos diferenciais, no mínimo tem sua análise restrita, viciosa e prejudicada. Como não temos escolas ou normatizações para o exercíco destas atividades , as perícias ficam "largadas" a mercê de seu executor. Para que possa ver a que ponto chegamos, mês passado participei de uma perícia, na qual o perito fisioperapeuta, retirou de sua mochila uma balança de banheiro, colocou sobre a mesa e tentou pesar um grampeador e um mouse. É claro que a balança nem acionou. Seria cômico se não fosse trágico. A perícia médica está na UTI e temos que salvar-la. Maurício Iglesias
Caro Dr. Marcos, tenho acompanhado com frequência sobre Pericias e inclusive o Ato Médico. No que tange de nosso conhecimento quanto a Pericia Clínica dentro do Jurídico Trabalhista, aqui especificamente o NEXO DE CAUSA, o profissional Fisioterapeuta tem todo respaldo e capacidade técnica para a realização deste, um dos fatores é a grade de CIÉSIOLOGIA; BIOMECÂNICA; ERGONOMIA. Há fatores que aqui sem discussão os colegas médicos não os detêm, e o Processo ou como queira chamar dos Autos já contem o DIAGNÓSTICO, por quem os colegas alegam que iremos realizar, MAS COMO DISSE JÁ CONSTATANDO NOS AUTOS e onde expressivamente "BATEM" achando que não estamos amparados por tais conhecimentos e inclusive por representatividade legal. Cabe aqui sim a alegação se ocorreu ou não o NEXO e não o diagnóstico. ou Perito a 7 anos e realizo apenas em Nexo de Causa, e ate os dias de hoje não obtive nenhuma suspensão e ou laudo impugnado, sim já ocorreu de colegas médicos serem assistentes, tentarem "desmoralizar" minha profissão que tenho como orgulho que é ser Fisioterapeuta e sustentei para que estes não se indispusessem com a minha profissão e sim tentassem descaracterizar os meus laudos o que ate hoje com minha palavra não conseguiram e inclusive hoje o respeito e admiração pelo meu trabalho muitos destes recorrem a minha pessoa para auxilia los em dinâmicas que não possuem como já colocado acima também; e para conhecimento já por diversas vezes realizei complementação de laudo a pedido dos Magistrados por que devido a falta de um parecer não o fechavam deferindo ou não o NEXO. Também finalizei o curso de medicina a qual não quis ser apenas para contexto e sou bacharel em direito. Fica aqui finalizado quanto a esta "política" em que muitos profissionais médicos, fisioterapeutas entre outras profissões estão muitíssimo mal preparado para lidar com um denominador chamador Vida. Cabe salientar que aqui fica expressado apenas o que penso. O sol nasce para todos e a sombra também, antes achava que a sombra era apenas para os preguiçosos e faladores, mas entendo que a sombra se faz para quem o merece. Abraços.
ResponderExcluirPrezado DR Marcos Mendanha
ResponderExcluirAlexsander A. da Silva. Sou fisioterapeuta especialista em Acupuntura, e alguns dias participei de um curso em saúde e segurança do trabalhador, onde foi me indicado realizar outro curso em pericia para fisioterapeuta, sabendo eu que qualquer forma de laudo que eu realizar no momento que for contrato pelo empregador ou pelo empregado será no âmbito da minha graduação nos aspectos da CIÉSIOLOGIA; BIOMECÂNICA; ERGONOMIA, estarei cometendo um crime?
Alexsander, vai procurar o teu CREFITO para melhor se informar! Você tem um órgão de classe que te representa. Vai ficar consultando médico pra questões de nossa profissão? É claro que o rapaz vai dizer que é crime!
ExcluirPrezado DR Marcos Mendanha. sou fisioterapeuta e estou pensando em fazer o curso de pericia para fisioterapeuta estaria eu exercendo crime se fosse contratado por um empregador ou um empregado
ResponderExcluirDr.Marcos,
ResponderExcluirhoje lendo sua análise, verifico que o artigo 195 da CLT que estipula que médico e engenheiro do trabalho é que farão as perícias, então esse artigo está revogado?
Francinete França - Manaus
http://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/3108020/as-pericias-de-saude-o-erro-medico-o-erro-fisioterapeutico-e-o-erro-judicial
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