Li nos jornais que o
governo se assustou ao saber que o subterfúgio da "bolsa-formação" a
ser usado para remunerar os médicos cubanos não está isento do recolhimento das
contribuições previdenciárias. O aviso veio da Secretaria da Receita Federal. O
órgão alertou que a importância mensal paga aos médicos constitui salário e,
como tal, está sujeita ao recolhimento ao INSS de 11% pelos contratados e de
20% pelo contratante. Para o governo, a despesa mensal subiu de R$ 10 mil para
R$ 12 mil por médico.
Como se trata de
salário, haverá sobre ele incidência de todos os encargos sociais (FGTS, seguro
acidente do trabalho, salário-educação, descanso semanal remunerado, férias,
abono, aviso prévio e outros) que somam 102,43% do salário. É isso que diz a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O governo, que previa
gastar R$ 511 milhões para contratar 4 mil médicos cubanos por quatro anos,
terá de reservar mais de R$ 1 bilhão só para essas despesas. Não estão nessa
conta os gastos com transporte e acomodação dos médicos no Brasil, nem tampouco
os adicionais por insalubridade e periculosidade a que muitos farão jus.
Há que se considerar
ainda que, mais cedo ou mais tarde, os médicos cubanos conhecerão o alcance das
nossas leis trabalhistas, que, se não forem cumpridas, detonarão ações
judiciais - individuais ou coletivas - com vistas a receberem atrasados e
reparar danos morais. Eles saberão que, ao contrário de Cuba, as portas dos
tribunais do Brasil estão permanentemente abertas para todos os cidadãos que
aqui trabalham. Basta acioná-los.
Por isso, a conta pode
subir muito. Todos sabem que, no campo trabalhista, quem paga mal paga duas vezes.
Pagamentos realizados por força de sentenças judiciais são sujeitos a elevadas
multas e pesada correção monetária.
Suponho que os
competentes advogados da União tenham prevenido os nossos governantes sobre os
riscos a que estavam submetendo a Nação. Tudo indica, porém, que a urgência
para montar um programa eleitoral falou mais alto, e venceu. Agora, o bom senso
recomenda fazer provisões para o desfecho, que pode ser desastroso.
Tenho estranhado o silêncio
do Ministério Público do Trabalho. Da mesma forma, intriga-me o mutismo das
associações de magistrados do trabalho. Mais surpreendente ainda é a
indiferença das centrais sindicais, que, sendo contrárias à necessária
regularização da terceirização no Brasil, assistem pacificamente a um tipo de
contratação que tem tudo do trabalho escravo. Basta lembrar que os médicos
cubanos não podem trazer seus familiares; estão impedidos de sair do Brasil; se
pedirem asilo, será negado; e ainda têm 70% do seu salário confiscado e
remetido ao governo cubano, que nada pode fazer para os brasileiros. Situações
mais brandas que essa têm sido denunciadas pelas centrais sindicais como
"análogas ao trabalho escravo". Neste caso, "ouve-se um sonoro
silêncio". Não me deterei nesse aspecto, pois o assunto já foi bastante
comentado pela imprensa. Não comentarei tampouco a insinuação de que os
recursos que vão para Cuba acabarão voltando para o Brasil - não se sabe para
quê.
A minha preocupação está
na área trabalhista, porque, a julgar pela conduta rigorosa da Justiça do
Trabalho, a conta dessa contratação pode se tornar colossal, o que vai demandar
recursos que poderiam ser aplicados na própria solução eficaz do problema da
saúde em prazo médio.
Para dizer o mínimo, a
fórmula escolhida pelo governo agrediu o interesse nacional. Por mais nobres
que sejam os propósitos do Programa Mais Médicos, nada justificava afrontar o
nosso ordenamento jurídico de forma tão contundente. Afinal, tudo poderia ser
feito seguindo as regras vigentes, como, aliás, ocorre com os médicos que vêm
da Argentina, Portugal, Espanha e de outros países que aqui estão para ajudar a
aliviar a dor dos brasileiros. Até quando nossos governantes poderão desperdiçar
o dinheiro do povo impunemente?
(Sobre o autor do texto: José Pastore
é professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração e
membro da Academia Paulista de Letras.)
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