"MP 664 poderia estimular o correto manejo das causas do
absenteísmo-doença
Não nos iludamos: as Medidas Provisórias
(MPs) 664 e 665, de 30 de dezembro de 2014, trazendo um grande “pacote de
maldades” – como trabalhadores e empregadores rotularam - tiveram o objetivo
precípuo de reduzir os gastos financeiros públicos, havendo sido, inclusive, já
estimados os valores da crescente “poupança” resultante das modificações das
regras da concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas.
Meu foco, nesta página, são alterações na
concessão do auxílio-doença (MP 664), em especial a extensão do pagamento dos
primeiros 15 para os primeiros 30 dias de afastamento por incapacidade devida a
razões de saúde, isto é, o custeio ampliado do “absenteísmo-doença”. Quase
todas as leituras até agora feitas sobre a nova redação dos parágrafos 3º e 4º
do artigo 60 da Lei no 8213/91 têm visto apenas o aumento dos custos que essa
ampliação da cobertura patronal irá provocar.
No entanto, faz parte das atribuições de um
identificador e analista de potenciais fatos portadores de futuro (“sinais
ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por
suas consequências e potencialidades”, segundo Michel Godet), fazer leituras
alternativas – talvez otimistas, mas não ingênuas – dos mesmos fatos lidos por
outros, buscando deles extrair o potencial oculto de transformação das crises
em oportunidades. No caso da MP 664, de custos em oportunidades.
Sem a pretensão de transformar as “maldades”
do pacote em “bondades”, fui levado a enxergar na ampliação de 15 para 30 dias
de responsabilidade financeira do empregador um elenco de oportunidades de
atuação, que parte da premissa de que as faltas ao trabalho por motivo de
doença de fato incapacitante não são – na maioria das vezes - um “acidente”, no
sentido de algo inesperado, “um raio que caiu do céu” (ou de algum outro
lugar...), algo marcado pela subtaneidade. Antes pelo contrário: o
absenteísmo-doença deve ser visto como um etapa de um processo bem mais longo,
quer sob a óptica do “modelo de história natural” proposto por Leavell &
Clark, ainda na década de 1960; quer sob a óptica do “modelo da pirâmide”,
proposto entre nós por Paulo Reis e por mim. Ambos os modelos coincidem em
apontar as etapas anteriores, em que os fatores de risco já estão presentes e
atuantes, fase em que poderiam ser detectados e modificados, seja em etapas de
alterações precoces da saúde, porém sem incapacidade (que bons PCMSOs poderiam
detectar), seja para impedir o agravamento do processo. Muitas outras
oportunidades de “intervenção” se apresentam a quem queira e a quem saiba atuar
na prevenção das principais causas de absenteísmo-doença, bem como na sua
gestão, onde o domínio da informação será condição necessária.
Com efeito, as oportunidades criadas com a
ampliação da duração do custeio do absenteísmo-doença, ou melhor, do custeio e
gestão, deveriam começar com o entendimento das causas do absenteísmo-doença, o
que requereria não apenas um SESMT atuante e capacitado, mas a existência de um
bom sistema de informações de SST que interligue informações dos ambientes e
condições de trabalho, com informações do espectro completo do processo
doença-incapacidade dos trabalhadores-empregados, organizadas, tratadas e
analisadas sobre os princípios da Epidemiologia, como, aliás, preconiza a NR
7.2.2, o que, na maioria das vezes, não é feito.
Assim, a correta identificação de fatores de
risco relacionados ao trabalho (“ocupacionais”) oportuniza – ou melhor, obriga
– a que as empresas tomem esse tempo mais ampliado, para modificar as condições
e os ambientes de trabalho, direta ou indiretamente adoecedores. Isto poderia
não apenas reduzir a duração do afastamento, como evitar a recidiva ou outros
afastamentos de mesma origem ocupacional, como também seria vital para o
acolhimento e reinserção do empregado, pós-afastamento previdenciário.
Por outro lado, a verificação competente de
causas não ocupacionais poderia estimular as empresas a investir mais em
programas de promoção da saúde e de prevenção de doenças, principalmente as
doenças crônicas que acompanham o processo de envelhecimento.
Alguns identificam outros ganhos (melhor
manejo da tipificação do tipo de afastamento, melhor “gestão de atestados”,
eventual redução do FAP, entre outros), mas a transformação de custo em
oportunidade irá depender de decisão política da alta direção da organização e,
sobretudo, de médicos do trabalho e SESMTs qualificados, tanto na esfera
técnica, quanto na esfera ética!"
Autor: Prof. Dr. René Mendes [Médico especialista em Saúde Pública e em Medicina do Trabalho. Livre-Docente em Saúde Pública pela USP. Professor titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da UFMG (Belo Horizonte). Foi presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) nas gestões 2001-2004 e 2004-2007. Foi membro, por dois mandatos, do Conselho Diretor (Board) da Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH)].
Título original: Custo ou oportunidade?
Não podemos nos esquecer de dois aspectos que pesaram e aina vão pesar no aumento da franquia de dias do auxílio doença:
ResponderExcluir1- A falência do INSS enquanto instituição médico pericial, instituição essa que teria (ou deveria ter) a atribuição legal de aferir pericialmente a (in)capacidade laboral dos trabalhadores de forma técnica, isenta e ágil. Devido à tal inépcia, o ônus de tal atribuição está sendo dividido (à força) com as empresas, sem qualquer contrapartida governamental.
2- A sabida "malandragem" de grande parte dos trabalhadores brasileiros e de alguns operadores do Direito que na prática vão encarar tal mudança como uma perspectiva de mais 30 dias de férias anuais para a "sofrida classe proletária".