domingo, 6 de março de 2011

NO ASO: "APTO COM RESTRIÇÕES" É LEGAL?

Prezados leitores.

Muitos Médicos do Trabalho defendem a idéia de que no ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) devam constar apenas os dizeres: “apto” ou “inapto”. Eles justificam essa defesa no texto da própria Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7).

Temos fortes reservas quanto a isso. Vejamos o que, de fato, diz a NR-7 em seu item 7.4.4.3, alínea “e”:

“O ASO deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.”

O termo “no mínimo” deixa margem à possibilidade de ampliação do conteúdo do ASO. O que a NR-7 estabelece é apenas o conteúdo mínimo.

Temos em nossa legislação trabalhista exemplos similares. O art. 58 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) assim coloca:

“A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

Interpretando: nesse caso, a CLT demarcou o limite máximo da duração de trabalho em 8 horas por dia, o que não quer dizer que categorias específicas possam ter jornadas de trabalhos fixadas em tempos menores, como, por exemplo, 6 horas por dia (ex.: alguns bancários).

Pelo exposto, fica valendo o seguinte: ninguém poderá restringir / suprimir os direitos trabalhistas, mas unicamente aumentá-los / melhorá-los. Na mesma linha, vem o julgado a seguir:

EMENTA: “NORMA COLETIVA MAIS BENÉFICA - PREVALÊNCIA. A Constituição Federal reconhece a validade dos acordos e convenções coletivas (art. 7º, XXVI), sendo aplicável ao trabalhador a norma mais benéfica, independentemente da hierarquia kelseniana.” (Processo: 01681-2008-090-02-00-3)

Voltando à questão inicial, perguntamos: o termo “apto com restrições” (ou “apto com recomendações”) aumenta / melhora o direito dos trabalhadores? Entendemos que sim, pelos motivos que passamos a colocar:

a) vemos o “apto com restrições / recomendações” de forma mais inclusiva ao trabalho do que o simples “apto” ou “inapto”. Imaginemos, por exemplo, um “auxiliar de serviços gerais” que apresente algumas poucas e sérias restrições físicas. Suponhamos que, no exercício da função de “auxiliar de serviços gerais” houvessem várias atividades laborais, desde as mais leves até as mais pesadas. Nesse contexto, diante apenas das opções “apto” e “inapto”, talvez esse empregado se enquadrasse melhor na condição de “inapto”. No entanto, com a possibilidade da opção “apto com restrições / recomendações”, provavelmente ele assim seria qualificado;

b) ao elencar as restrições (no ASO, em relatório, e no prontuário médico), o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” mostrará também seu inquestionável senso de cuidado para com o trabalhador em análise. É importante lembrar que é obrigação do Médico do Trabalho (incluo aqui o “Médico Examinador”grifo nosso) atuar visando, essencialmente, à promoção da saúde dos trabalhadores, conforme Código de Conduta do Médico do Trabalho. [ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), 2003].

c) o termo “apto com restrições” também tem o aval da ANAMT, conforme modelo de ASO elencado na Sugestão de Conduta Médico-Administrativa n. 6, 2001.

Assim, nosso entendimento caminha no sentido de que colocar no ASO os termos “apto com restrições” ou “apto com recomendações”, além de ser legal, é plenamente recomendável, pois caracteriza inquestionável zelo para com a saúde do trabalhador, além de ser um importante fator contribuinte de inclusão social.

Para que a saúde do(s) trabalhador(es) não seja(m) colocada(s) em risco, vale ratificar que as restrições / recomendações devem estar detalhadamente expressas, de forma escrita, no próprio ASO, além de serem verbalmente comunicadas ao empregador (ou a quem por ele responda) pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador”. Isso não deve ser confundido com quebra de sigilo profissional, com fulcro no art. 76 do Código de Ética Médica:

“É vedado ao médico: revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.”

No caso em tela, visando a preservação da integridade do empregado, a comunicação ao empregador quanto às limitações do examinado reveste-se de elevado senso de cuidado e zelo. Já o silêncio se configuraria como omissão e ofensa direta ao aludido art. 76 do Código de Ética Médica.

Cabe-nos ressaltar que preferimos o termo “apto com recomendações” ao termo “apto com restrições”. Motivo: conquanto a análise prática seja exatamente a mesma, o termo “recomendações”, além de evidenciar o cuidado do Médico do Trabalho / “Médico Examinador”, não dá margem a nenhum tipo de interpretação pejorativa ao empregado, diferentemente do uso do termo “restrições.”

Em outro texto desse blog (link: http://bit.ly/pH5boc) abordamos com propriedade o uso do termo “apto com contraindicação à função”, também colocado no modelo de ASO que propomos.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
         Twitter: @marcoshmendanha

11 comentários:

  1. Olá Marcos... parabéns pela iniciativa do blog... está ótimo. Bem, também tenho o mesmo pensamento sobre a validade do ASO apto com restrição, porém o que vivencio na prática é a dificuldade do empregador entender o apto com restrição. Muitas vezes quando emito um aso desta forma o empregador prefere que seja colocado como inapto. Mas o conflito é resolvido com umaz boa explicação e claro muito bom senso. Abraços Valéria

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  2. Saudosa amiga, Dra. Valéria!

    Concordo contigo: a prática se faz bem diferente da teoria.

    Infelizmente, a falta de informação sobre o "exercício da Medicina do Trabalho" por parte do empresariado ainda é muito grande, e contribui para situações como a que você bem descreveu.

    Penso que "inapto" seja bem diferente de "apto com restrições". Conforme Sugestão de Conduta Médico-Administrativa da ANAMT n. 5, de maio/2000, podemos admitir até uma outra qualificação: “contra-indicado” para função.

    O “inapto” não tem condição clínica para o exercício laboral.

    O “apto com restrições”, tem ressalvas em sua condição laboral (mas não está inapto).

    O “contra-indicado para função” tem condições laborais (está apto), mas não convém que execute determinada função.

    Enfim, se a empresa não quiser contratar alguém que apresente alguma restrição / contra-indicação, que assim o faça. Mas isso não siginifica que houve uma "inaptidão médica".

    Empresa celetista nenhuma é obrigada a criar/manter um vínculo trabalhista apenas porque o Médico do Trabalho atribuiu no ASO, ou "apto", ou "apto com restrições", ou “contra-indicado para função”.

    Respeito opiniões diversas, essa é uma polêmica que nunca cessa!

    Obrigado por seu comentário... faça isso sempre. Quanto mais experiências forem trocadas aqui, mais a gente aprende enquanto coletividade profissional.

    Fique com Deus.

    Marcos

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  3. Olá, Marcos.
    Entendi perfeitamente toda a sua consideração a respeito. Porém, tenho uma dúvida: em alguns casos, o "apto com restrições" pode chegar às vias judiciais, quando o empregado é demitido aposjpa ter tido períodos de licença por Acidente de Trabalho. Se no ASO da admissão nada constava de restrição, houve o acidente de trabalho e agora ´"apto com restrições" (no caso a que me refiro é "com restrições do CRP"), fica claro que as restrições são exigidas pelas sequelas do acidente, certo?
    O que você pensa sobre isso? A demissão logo após este PCMSO não torna-se ilegal, mesmo o empregado não estando mais usufruindo do benefício (Inss)?

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  4. Oi Cíntia.

    Você tocou em um ponto polêmico. Sobre ele já temos legislação específica (Art. 118 da Lei 8.213 /91).

    Nesse blog, fiz um texto que pode lhe auxiliar a encontrar as respostas que você procura, e que pode ser lido através do link: http://marcosmendanha.blogspot.com/2011/03/estabilidade-vitalicia-apos-acidente-de.html

    Um forte abraço!

    Marcos

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  5. Caro Marcos, entendo a sua posição, mas vejo que a admissão com restrição nos coloca à mercê da concausualidade, visto que todas as situações diretas de exposição possam ser atendidas. O agravamento de qualquer limitação atestada em admissão não é visto como uma situação extra ocupacional em uma causa trabalhista, por mais munida de informações a empresa possa estar. O paternalismo da justiça do trabalho e a tendenciosidade da posição do empregado em uma causa trabalhista faz com que o zelo na admissão seja entendido como um atestado de óbito da empresa no abraçar de uma situação "meticulosa". O apto com restrição refere ao ponto do funcionário estar inapto para exercer algumas atividades inerentes à sua função. Atos de tal humanidade tem resultado em cifras importantes aos cofres das empresas. Admitir um funcionário com restrições de saúde para uma função que ele irá exercer... me perdoe, mas é loucura!!!

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  6. Rsrs.. está perdoado, Dr. Maciel.

    Embora eu mantenha minha convicção, compreendi perfeitamente seu raciocínio.

    Abração.

    Marcos

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  7. Dr. Ricardo A. Salgueiro3 de abril de 2012 às 20:15

    Esta posição pode ser conflituante com a Readaptação Funcional de origem Previdenciária. Além do mais, o candidato é candidato a função específica e não a adequações sugeridas pelo Médico.

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  8. E se considerarmos trabalho em altura, os EPIs tem CA testado para um limite de peso de 100kg. Poderiamos entender que um candidato com peso superior a 100kg seja considerado contra indicado para a função? e extrapolando um pouco o tema, se o EPI é testado para 100kg, mesmo que se saiba que a resistência é muito maior, seria prudente deixar um trabalhador com mais de 100kg, utilizar um EPI que não foi testado para o peso dele?
    Roberta

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  9. Olá Marcos, vou resumi um pouco do que vem acontecendo com um amigo, ele foi aposentado por invalidez(dependente quimico)logo que se aposentou parou de usar depois de 3 anos de aposentadoria ele decidiu retonar , foi ao INSS que então lhe deu alta.. a Empresa na qual ele trabalha (petrobras) não gostou nem um pouco .. ele é inspetor de segurança interna usava arma e dirigia veiculos.. ja fazem 6 anos que ele retornou, todos os exames piscologico e pisquiatrico , ou melhor o exames periodicos nunca acusam nada.. mais até hoje a empresa (petrobras ) so emite o ASO com restrições, ele esta sendo prejudicado por ñ poder exercer sua função na plenitude..o que gostaria de saber se é correto a empresa não expecificar o porque das restriçoes, e pressionar ele a assinar , sem ao menos da uma justificativa..
    abraços

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  10. Ola bom dia.
    Tenho uma duvida ....paciente foi negado na pericia e considerado apto apos 3 anos parado por problemas psiquiatricos que por sinal esta em tratamento.
    Psiquiatra deu parecer que ele nao esta apto a retornar ,o que nao concordo pela clinica e outros motivos.
    coloco apto cpm restriçao ou com recomendaçao em relatorio?
    A proposito parabens pela palestra em brasilia no congresso de medicina do trabalho adorei...

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  11. Olá Dr. Marcos, no caso dos Militares, o apto com restrições em alguns casos, se resulta em um pesadelo, pois a Junta Médica, não expecifica o que cada um poderá desenvolver dentro de suas profissões. Deixando por conta de seus encarregados que por muitas vezes não tem conhecimento de saúde ou até mesmo tendo, expõem seus subordinados a serviços que não condizem com as restrições exaradas por Junta Médica. Ex: Sou portadora de Hérnia discal, estou afastada da profissão de Enfermagem, mas trabalho atualmente conferindo pesagem de roupa numa lavanderia, ficando horas em pé!

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