segunda-feira, 22 de agosto de 2011

MÉDICO DO TRABALHO E ASSISTENTE TÉCNICO DA MESMA EMPRESA?

Prezados leitores.

Com o advento da Resolução 1.488 / 98 do CFM (Conselho Federal de Medicina), muitas polêmicas tem sido levantadas naquilo que tange a atuação do Médico do Trabalho como assistente técnico em processos judiciais, para empresas nas quais presta (ou prestou) serviços. À luz da legislação em vigor, (não) pode ou (não) deve o médico do trabalho fazer essa atuação?

O artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98 assim nos traz: “o médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresa e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho, não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, ou assistentes técnicos da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)”

No entanto, o Código de Processo Civil, em seu artigo 422, assim coloca: os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.” Tal redação foi dada pela Lei 8.455 / 92.

Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de ANTINOMIA, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada num caso real. Para solucionar esse conflito de normas, a doutrina jurídica apresenta algumas alternativas: (a) critério hierárquico (norma superior revoga a inferior); (b) critério da especialidade (norma especial revoga norma geral), (c) critério cronológico (norma mais recente revoga norma mais antiga). Juridicamente (e não administrativamente, em nível de sindicâncias nos CRMs), no caso em tela, a Lei 8.455 / 92 goza de uma posição hierárquica privilegiada frente à Resolução 1.488 / 98 do CFM, uma vez que se classifica como Lei Ordinária (norma superior), enquanto a última, como Ato Administrativo (norma inferior) de um ente da administração pública indireta (Conselho Federal de Medicina, uma autarquia).

É sabido, entretanto, que os CRMs (Conselhos Regionais de Medicina), balizados pelas Resoluções do CFM, possuem a prerrogativa de penalizar os médicos pelas infrações éticas eventualmente cometidas. Sendo assim, não obstante a maior força jurídica hierárquica da Lei 8.455 / 92 frente às Resoluções do CFM, para efeito administrativo, muitos Médicos do Trabalho ainda tem sido penalizados em seus conselhos por atuarem como assistentes técnicos de empresas para as quais prestam/prestaram serviços, com base no Art. 12 da Resolução do CFM n. 1488 / 98. Na óptica jurídica, tal atitude dos conselhos, é ilegal, se não vejamos:  

Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398. Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/07)

A manutenção desta visão condenatória por parte dos CRMs, deixa os próprios conselhos muito vulneráveis a indenizações por danos morais, pleiteadas juridicamente pelos próprios Médicos do Trabalho já penalizados. Tanto assim que, por ordem judicial, o artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98 já não tem aplicação para várias empresas (ex.: Funasa, Copel, Transpetro e Codesa).

Mas eis que surge uma novidade! A interpretação coerente dos artigos 93 e 94 do NOVO Código de Ética Médica, parece esclarecer definitivamente tal questão, dando mais autonomia aos Médicos do Trabalho, e protegendo assim os próprios conselhos de indenizações indevidas, se não vejamos:

>> Art. 93: é vedado ao médico ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado (excluiu a figura do assistente técnico para atuação junto às empresas – grifo nosso).

>> Art. 94: é vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório (não excluiu a figura do assistente técnico, mostrando que não houve omissão ou esquecimento na redação do artigo 93 – grifo nosso).

Importante ressaltar que o novo Código de Ética Médica, em seu artigo 3o, revoga todas as disposições contrárias ao próprio código, o que, segundo nosso entendimento, também inclui o artigo 12 da Resolução do CFM n. 1.488 / 98. 

Concluindo: à luz de toda legislação vigente, incluindo o NOVO Código de Ética Médica, entendemos que o Médico do Trabalho pode sim atuar como assistente técnico para empresa na qual presta/prestou serviços, valendo-se para aceitação do nobre encargo, apenas dos ditames de sua consciência. No entanto, acreditamos também que, apesar da permissividade legal constatada, tal mister deve ser elegantemente recusado para que não se coloque em risco a credibilidade e necessária imparcialidade que o Médico do Trabalho deve ter, tanto perante aos gestores da empresa, quanto perante aos próprios empregados.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe e até a próxima quinta-feira (25/08), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.

Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha 

2 comentários:

  1. Código de Ética Médica antigo:
    É vedado ao médico:
    "Art. 120 - Ser perito de paciente seu, de pessoa de
    sua família ou de qualquer pessoa com a qual
    tenha relações capazes de influir em seu trabalho".
    É um impedimento QUANTO À PESSOA (não pode ser médico ...)
    Art. 121 -. Intervir, quando em função de auditor
    ou perito, nos atos profissionais de outro médico,
    ou fazer qualquer apreciação em presença do
    examinado, reservando suas observações para o
    relatório.
    É um impedimento QUANTO AO ATO (o médico não pode fazer...)
    A Resoluçao CFM 1488/98, no seu artigo 12, nos remete aos IMPEDIMENTOS QUANTO À PESSOA (os médicos não podem atuar "ser"...)
    Novo Código de Ética:
    É vedado ao médico:
    Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio
    paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer
    outra com a qual tenha relações capazes de influir
    em seu trabalho ou de empresa em que atue ou
    tenha atuado.
    Logo vemos que ocorreu uma ampliação do rol de impedidos. Relembrando que o rol de impedidos NUNCA, DE FORMA EXPRESSSA, teve a figura do assistente técnico.
    Se o antigo artigo 120 era o sustentáculo da referida Resolução/CFM e ocorreu AMPLIAÇÃO do rol de impedidos no novel Código, entendo que, por critério hermenêutico, não há razão para acreditar que tenha havido a revogação do artigo 12 da dita Resolução.
    Inclusive, não ocorreu manifestação pelo judiciário no sentido da revogação da referida liminar, informando a perda do objeto da ação, eis que continuam aguardando julgamento, na via recursal, as ações que afastaram a aplicabilidade do referido artigo da norma para algumas poucas empresas.
    Adotando posição divergente, manifesto minha opinião.
    Um abraço ao colega dúplice
    Anderson
    Médico/advogado.

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  2. Bacana, Dr. Anderson!

    Obrigado pelo post.

    Quanto mais opiniões divergentes tivermos, mais cresceremos coletivamente nesse tão intrigante tema. Fique a vontade para opinar e fazer as suas provocações sempre que quiser!

    Por amor ao debate, devo dizer-lhe que gostei da sua tese, embora não tenha me convencido de que ela está correta. Para, respeitosamente, provocá-lo, exponho meus motivos:

    1) Seja impedimento quanto ao ato, ou quanto a pessoa, objetivamente o que vale é: "é vedado ao médico", o que também entendo (opinião minha) como "o médico está impedido de...".

    2) o Senhor diz que "o rol de impedidos NUNCA, DE FORMA EXPRESSSA, teve a figura do assistente técnico." No entanto, o Art. 12 da Resolução 1488/98 é enfático ao dizer que o médico da empresa NÃO PODE SER ASSISTENTE TÉCNICO da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados). Entendo (opinião minha) que houve sim uma tentativa do CFM de impedimento quanto a pessoa do médico da empresa atuar como assistente técnico (também da empresa). Não?!

    3) Ainda sobre o Art. 12 da Resolução 1488/98, O Senhor diz que algumas ações (ainda não concluídas) afastaram a aplicabilidade do referido artigo da norma para algumas poucas empresas. Atualmente, são 4 empresas: Copel, Funasa, Transpetro e Codesa. O Senhor acha mesmo pouco? Não é estranho que já tenhamos 4 empresas ganhando liminares contra à Resolução 1488/98 do CFM?

    4) O Senhor diz que "não há razão para acreditar que tenha havido a revogação do artigo 12 da dita Resolução (1488/98)". Pois bem, se ela ainda vigora, e um médico é penalizado administrativamente no CRM por ter atuado como assistente técnico da própria empresa. Se esse médico entrar na justiça contra o CRM sob o argumento de que usou da prerrogativa que lhe foi dada pelo Art. 422 do CPC (uma lei hierarquicamente superior à Resolução 1488/98), a quem o Senhor acha que o juiz vai seguir para prolatar sua sentença: Resolução 1488/98 do CFM, ou Art. 422 do CPC (já que no exemplo citado não há conciliação entre as duas normas)? Se o Senhor responder Art. 422 do CPC, eu também pergunto: até quando deixar vigorar uma Resolução dessa, que sempre que confrontada com uma lei superior perderá sua eficácia? Caso responda que o juiz seguirá a Resolução 1488/98 do CFM, confesso estar curioso para ver sua argumentação!

    Um forte abraço, Dr. Anderson.

    Aguardo sua promissora resposta!

    Marcos

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