segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

NOVA RESOLUÇÃO DO CFM É ILEGAL?

Prezados leitores.

Quão bom seria se na maior parte das cidades brasileiras houvesse uma clínica especializada em Geriatria; outra especializada em Ortopedia, e assim sucessivamente. A partir de agora, esse sonho está cada vez mais difícil de ser alcançado.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), através da Resolução n. 2007/2013 (publicada no Diário Oficial da União em 02/02/2013, na pág. 200) assim determina:

Art. 1: Para o médico exercer o cargo de diretor técnico ou de supervisão, chefia ou responsabilidade médica pelos serviços assistenciais especializados é obrigatória a titulação em especialidade médica, registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM), conforme os parâmetros instituídos pela Resolução CFM 2005/12.

Parágrafo Primeiro: Em instituição destinada ao exercício de uma única especialidade, o diretor técnico deverá ter título de especialista registrado no CRM.

Parágrafo Segundo: O supervisor, coordenador, chefe ou responsável pelos serviços assistenciais de que fala o caput deste artigo somente podem assumir a responsabilidade técnica pelo serviço especializado em até duas unidades de serviços assistenciais.

Art 2: Esta resolução entre em vigor na data de sua publicação.

Em suma, o que ocorre é o seguinte: conforme farta legislação em vigor, qualquer organização hospitalar ou de assistência médica, pública ou privada, obrigatoriamente tem que funcionar com um diretor técnico, habilitado para o exercício da medicina. A partir de agora, com base na Resolução CFM n. 2007/2013, no caso de uma clínica que atenda uma única especialidade, esse diretor técnico deve ter o título de especialista na respectiva especialidade.

Aí é que vem o problema: a maioria (repito: a maioria!) das cidades brasileiras não possui entre os seus moradores um médico com algum título de especialista, independente da especialidade.

Alguém dirá: “isso não impedirá que a clínica seja aberta, afinal, o médico com título de especialista que será o diretor técnico poderá residir em outro local.” De fato não impedirá. Mas como dito no início desse texto, indubitavelmente dificultará.

Soma-se a isso, o fato de o médico só poder assumir a direção técnica em até duas unidades de serviços assistenciais. Não há dúvida: faltarão diretores técnicos. Sem eles, não há clínicas especializadas. É simples e matemático.

Alguém dirá: “basta não abrir uma clínica de uma única especialidade, e sim uma clínica que atenda múltiplas áreas da medicina, pelo menos no papel.” No país do “jeitinho”, essa parece ser uma opção a ser tentada pela a maior parte das cidades brasileiras a partir de agora.

Outra coisa a ser questionada: a Lei 3268/1957 afirma em seu art. 17 que “os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. Trata-se da chamada “permissão legal” que os médicos possuem para o exercício da medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades. Na mesma esteira, assim já se posicionou o próprio CFM e diversas oportunidades:

Parecer CFM n. 08/1996: “Nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato médico. O título de especialista é apenas um presuntivo de ‘plus’ de conhecimento em uma determinada área da ciência médica”.

Parecer CFM n. 17/2004: “Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus atos (...).”

Parecer CFM n. 21/2010: O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos; no entanto, só é lícito o anúncio de especialidade médica àquele que registrou seu titulo de especialista no Conselho.”

Se a Lei 3268/1957 e o próprio CFM entendem que qualquer médico devidamente registrado está apto para o exercício da medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, por que proibí-lo do exercício da direção técnica (um ato médico) quando ele não possui o título de especialista? Qual o fundamento legal (e não resolutivo) disso? Enfim, perguntas como essas me levam crer (é a minha respeitosa opinião) que o CFM extrapolou em suas competências, e quis se sobrepor a própria lei. Trata-se de uma norma inferior (Resolução), querendo prevalecer sobre uma norma superior (Lei). Quanto ao tema, assim se posicionou o STF (Supremo Tribunal Federal):

“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (STF - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 25.06.2007)

Muitos acham que a medicina deveria se restringir apenas à especialidade do próprio médico. Por exemplo: que a cardiologia fosse exclusiva dos cardiologistas; que a psiquiatria fosse exclusiva dos psiquiatras, etc. De fato seria ótimo, mas nesse momento, é preciso aceitar que isso ainda é inviável, por uma razão simples: não existem médicos de todas as especialidades em todas as cidades. Se o exercício da medicina se restringisse apenas aos especialistas, a maioria das cidades brasileiras ficaria sem nenhum médico hábil. Nenhum!

Sei que dirão que o objetivo maior da Resolução CFM n. 2007/2013 é o aumento da qualidade nos serviços médicos. De fato seria se houvessem médicos com os qualificativos exigidos em número suficiente, em todo território nacional. Mas não há. Nem de longe.

Concluo lamentando o teor da Resolução CFM n. 2007/2013. Com base no ensinamento do STF, julgo, com todo respeito, o seu teor como ilegal (uma vez que afronta o art. 17 da Lei 3268/1957, a quem deveria se submeter), e inoportuno (uma vez que presume a farta existência de médicos com títulos de especialista, algo que se reveste de profunda irrealidade no momento atual, na maior parte das cidades do Brasil). Em última instância: a Resolução CFM n. 2007/2013 facilitará a abertura/manutenção de serviços médicos para a população? Não, infelizmente não. Pelo contrário, dificultará.

Reflitamos.

À vontade para os comentários. 

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha
Facebook: marcoshmendanha
Flickr: marcoshmendanha

5 comentários:

  1. Prezado Dr. Marcos,

    esta resolução portanto se aplica também às clínicas especializadas em medicina do trabalho, correto?

    O que serão das clínicas em que o diretor técnico não tem o Título de Especialista em Medicina do Trabalho? Terão que se adequar?? Em quanto tempo?


    Marcelo Braz - Médico do Trabalho

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  2. Prezado Dr. Marcos,

    Parabéns pela clara e qualificada revisão sobre o tema.
    Concordo com seu posicionamento. Zelar e lutar por qualidade em atenção à saúde é o desejo de todos, mas normas distantes da realidade e impossíveis de serem cumpridas não auxiliam a alcançar esse objetivo.

    Att,
    Juliana Santos
    Médica de Família e Comunidade
    Belo Horizonte

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  3. Parabéns.

    Vislumbro que a única questão ética a ser tratada é o anúncio como especialista sem titulação e não o real exercício de qualquer especialidade ou área de conhecimento, pois o exercício é livre por determinação legal, e mesmo alteração na legislação federal só atingiria os futuros, diante do direito adquirido.

    Se fossemos tomar ao pé da letra, o médico nem poderia ser chamado de doutor, pois titulação acadêmica de quem fez doutorado.

    Assim, o diretor técnico está exercendo um cargo médico e não se anunciando como especialista, o tal plus.

    Ademais, não ter a titulação não significa necessariamente saber menos. A residência médica possibilita a titulação automática, e sabemos que muitas são sofríveis em sua qualidade. Por outro lado, todos nós conhecemos médicos sem titulação nenhuma que são referência de qualidade de trabalho, reconhecidos pela população e classe. Os próprios meus médicos são senhores que não têm especialidade.

    Devemos tomar cuidado e separar bem a ética da, mesma involuntária, reserva de mercado, ainda mais em tempos que advoga a importação de médicos por falta de assistência. Assim, tenho a esperança que o Douto Conselho pondere e volte atrás.

    A preocupação teve ser na efetiva qualidade da assistência médica e não de papeis na parede, isto é cultura de regime monárquico, títulos.

    Como o Conselho não pode infelizmente intervir na graduação, as qualificações mínimas devem ser impostas antes do registro, e uma prova obrigatória para o exercício dos futuros médicos graduados seria o correto. Basta perguntar. Se os médicos estrangeiros têm que fazer uma prova, por qual motivo os médicos nacionais, muitos formados em faculdades péssimas, têm a inscrição automática?

    Li a consulta 18/2012 que originou a Resolução. Posso estar enganado, no entanto, não imagino pediatras prescrevendo quimioterapias equivocadas apenas por não serem oncologistas pediatras. Por outro lado, sempre é noticiado casos escabrosos de procedimentos teoricamente simples, justamente aqueles proporcionadas pela atenção básica e direcionados à população carente. Inusitadamente, não se fala neste atendimento SUS sobre qualidade e especialidade.

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  4. Boa tarde...
    Prof: Marcos fui aluno seu e Medicina do Trabalho em Teresina.

    Estou tentanto ser Responsável Técnico em uma clínica de atendimento médico Geral com Psicólogos, Fisioterapeutas, Terapeutas Ocupacionais. Porém a secretaria do CRM-MA insiste em dizer que eu tenho que ter uma especialidade registrada (qualquer que seja) para ser responsável Técnico. Como proceder então, pois a clínica é não especializada e estou tendo meu direito de exercer a medicina aviltado com a Resolução.

    GRATO

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  5. Boa tarde,
    como os colegas acima estou preocupado com a situação que esta resolução criará.
    Como médico com especialidade latu senso, reconhecida pelo MEC, tenho o direito de ser medico coordenador de PCMSO, porem não posso ter meu consultório para atender os funcionários destas empresas? Ao menos não sem ter que pagar alguém para assinar como responsável técnico?
    Não sei se o senhor tem conhecimento mas, comparando o edital para titulação da ANAMT de 2012 com o de 2013, tornou-se praticamente impossível a titulação sem residencia médica. Antes eles aceitavam participações em congressos como expectadores para a pontuação e agora não aceitam mais.
    Caso a unica saída seja agregar outras especialidades ao consultório de medicina do trabalho, teria que abrir novo CNPJ e contrato social? O registro no CRM geraria um pagamento de pessoa juridica superior ao já pago no momento?
    Agradeço se puder dar atenção a essas indagações uma vez que não adquiri respostas quando questionei a ANAMT e o CRM a este respeito.
    Att
    lucasmarqueze@yahoo.com.br

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