domingo, 21 de abril de 2013

DE QUEM É O "PRONTUÁRIO MÉDICO"?


Prezados leitores.

Dentre os vários aspectos polêmicos que envolvem as perícias médicas, certamente que o assunto “prontuário” é um dos mais festejados. Sobre ele, assim nos traz o vigente Código de Ética Médica (Resolução n. 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina — CFM).

“Art. 87. É vedado ao médico: deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
§ 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.
Art. 88. É vedado ao médico: negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.
Art. 89. É vedado ao médico: liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
§ 1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.
§ 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.”

É inquestionável que é de propriedade do paciente a disponibilidade permanente das informações que possam ser objeto da sua necessidade, de ordem pública ou privada, desde que o acesso a essas informações não gere riscos ao próprio paciente ou a terceiros, conforme art. 88 do aludido Código de Ética Médica.

No entanto, o médico e a instituição clínica têm o direito e o dever da boa guarda dos prontuários, em virtude do sigilo profissional, conforme inciso XIV, art. 5º, da CF/1988, combinado art. 87, § 2º, do mesmo Código de Ética Médica.

Outro ponto importante a ser lembrado é que não existe nenhum dispositivo ético ou jurídico que determine ao médico e/ou ao diretor clínico de uma instituição de saúde entregar os originais do prontuário, de fichas de ocorrências ou de observações clínicas a quem quer que seja, autoridade ou não. Nesse particular, o art. 89 do Código de Ética Médica deixa claro que, em possíveis casos de entrega do prontuário, as cópias é que devem ser entregues (e não os originais do documento).

O próprio STF (Supremo Tribunal Federal) entende como possível a não obrigatoriedade da entrega dos originais do prontuário inclusive à Justiça, desde que não se obstacularizem as devidas investigações processuais, conforme decisão a seguir:

“Ementa oficial. Segredo profissional. A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso. A revelação do segredo médico em caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente. Na espécie, o Hospital pôs a ficha clínica à disposição de perito médico (...) por que se exigir a requisição da ficha clínica (original)? Nas circunstâncias do caso, o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o segredo profissional.” (Acórdão de Recurso Extraordinário Criminal n. 91.218-5SP — STF)

Por todo o exposto, diante de uma requisição de prontuário para fins periciais, sugerimos ao médico/instituição que:

1)    tente obter a autorização expressa do paciente antes de proceder a entrega do prontuário, em obediência ao art. 89 do Código de Ética Médica vigente;

2)    não sendo possível obter a autorização expressa do paciente, vendo o mandado judicial, entregar ao perito/assistente/Justiça a cópia autenticada do prontuário, e arquivar o mandado juntamente com o prontuário original. Justificativa:

“Art. 429 do Código de Processo Civil (CPC): “Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças.”

3)    Se houver recusa quanto ao recebimento das cópias do prontuário (por exigência do documento original), se possível, solicitar ao perito/assistente/Justiça um novo mandado judicial que peça literalmente o prontuário original;

4)    recebendo o novo mandado judicial, entregar o original do prontuário, guardando sua cópia autenticada juntamente com o novo mandado expedido.

Alguns dirão: “mas o art. 89 do Código de Ética Médica obriga que o médico peça ao paciente autorização por escrito para entregar seu prontuário, mesmo que seja sob mandado judicial”. É verdade. Mas, enquanto o Código de Ética Médica (Resolução n. 1.931/2009 do CFM) faz essa obrigação, por sua vez, o Código Penal — CP (art. 330) e o CPC (art. 14) qualificam como crime e ato atentatório ao exercício da jurisdição, respectivamente, o descumprimento de ordem (mandado) judicial.

E agora? Se verificado o conflito inconciliável de normas: a quem seguir? Com imenso respeito às opiniões divergentes, acreditamos que o Código Penal e o Código de Processo Civil devem prevalecer sobre o Código de Ética Médica. Por quê? Pois, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, os primeiros possuem status de Lei Ordinária, e estão hierarquicamente superiores às normativas expedidas pelo CFM, como a respeitável Resolução n. 1.931/2009 (Código de Ética Médica).

Para ilustrar e justificar melhor nosso posicionamento, vejamos:

• num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração ética, mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

• De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz absolver esse médico de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?

Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), para nós, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis e inconciliáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do paciente, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer às regras judiciais (no caso, o CPC), do que às eventuais regras administrativas divergentes estabelecidas pelo CFM. Ressaltamos aqui a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação em que poderá haver conflito entre a norma ética (editada pelo CFM) e o texto legal (contido em Leis Ordinárias).

Além disso, orientamos aos Peritos/Assistentes Técnicos que, para que não se avente a hipótese de quebra de sigilo profissional, sempre sugiram ao juiz em seus Laudos/Pareceres Técnicos que o processo corra em segredo de justiça, com base no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, que assim coloca:

“A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”

Entendemos que, em regra, os procedimentos médicos relativos às perícias judiciais, em maior ou menor grau, expõem a intimidade do periciando. Daí a nossa justificativa para que esses processos corram preferivelmente em segredo de justiça, nos termos da lei fundamental de 1988.

Vale lembrar, também, da importância de solicitar aos periciandos o “termo de autorização”. Vejamos um exemplo abaixo:

“Eu, XXXXXX, brasileiro, casado, portador do RG n. XXXXX, e CPF XXXXXX, movendo ação trabalhista em face de XXXXXXXXXX, autorizo o Dr. Fulano de Tal, Médico, CRM n. XXXXXX, nomeado por este Juízo para atuar como Perito/Assistente Técnico no Processo XXXXXXXXX, a manusear e expor, neste laudo pericial/parecer técnico, todos os documentos necessários para a conclusão deste trabalho, tais como: fotografias, filmagens, depoimentos, prontuários, relatórios médicos, atestados médicos, boletins de ocorrência, etc., com fulcro no art. 429 do Código de Processo Civil.
Local, data, e assinatura do Examinado.”

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos.

Marcos Henrique Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha
Facebook: marcoshmendanha
Flickr: marcoshmendanha

2 comentários:

  1. Bom dia. Sou articulador do blog http://tstcariri.blogspot.com.br/. Gostei muito das tuas postagens e gostaria de tua autorização para postar alguns comentários seus, sempre divulgando a fonte.

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  2. Fique à vontade, Charles.

    Parabéns pelo trabalho.

    Abraço.

    Marcos

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