Prezados leitores.
Dentre
os vários aspectos polêmicos que envolvem as perícias médicas, certamente que o
assunto “prontuário” é um dos mais festejados. Sobre ele, assim nos traz o
vigente Código de Ética Médica (Resolução n. 1.931/2009 do Conselho Federal de
Medicina — CFM).
“Art. 87. É vedado ao médico: deixar de
elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1º O prontuário deve conter os dados
clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada
avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro
do médico no Conselho Regional de Medicina.
§ 2º O prontuário estará sob a guarda do
médico ou da instituição que assiste o paciente.
Art. 88. É vedado ao médico: negar, ao
paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando
solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua
compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a
terceiros.
Art. 89. É vedado ao médico: liberar cópias
do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo
paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
§ 1º Quando requisitado judicialmente, o
prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.
§ 2º Quando o prontuário for apresentado em
sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo
profissional.”
É
inquestionável que é de propriedade do paciente a disponibilidade permanente
das informações que possam ser objeto da sua necessidade, de ordem pública ou
privada, desde que o acesso a essas informações não gere riscos ao próprio
paciente ou a terceiros, conforme art. 88 do aludido Código de Ética Médica.
No
entanto, o médico e a instituição clínica têm o direito e o dever da boa guarda
dos prontuários, em virtude do sigilo profissional, conforme inciso XIV, art.
5º, da CF/1988, combinado art. 87, § 2º, do mesmo Código de Ética Médica.
Outro
ponto importante a ser lembrado é que não existe nenhum dispositivo ético ou
jurídico que determine ao médico e/ou ao diretor clínico de uma instituição de
saúde entregar os originais do prontuário, de fichas de ocorrências ou
de observações clínicas a quem quer que seja, autoridade ou não. Nesse
particular, o art. 89 do Código de Ética Médica deixa claro que, em possíveis
casos de entrega do prontuário, as cópias é que devem ser entregues (e
não os originais do documento).
O
próprio STF (Supremo Tribunal Federal) entende como possível a não
obrigatoriedade da entrega dos originais do prontuário inclusive à Justiça,
desde que não se obstacularizem as devidas investigações processuais, conforme
decisão a seguir:
“Ementa
oficial. Segredo profissional. A obrigatoriedade do
sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua
delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de
cada caso. A revelação do segredo médico em caso de investigação de possível
abortamento criminoso faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse
do cliente. Na espécie, o Hospital pôs a ficha clínica à disposição de perito
médico (...) por que se exigir a requisição da ficha clínica (original)? Nas
circunstâncias do caso, o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o
segredo profissional.” (Acórdão de Recurso Extraordinário Criminal n.
91.218-5SP — STF)
Por
todo o exposto, diante de uma requisição de prontuário para fins periciais,
sugerimos ao médico/instituição que:
1) tente obter a autorização expressa do
paciente antes de proceder a entrega do prontuário, em obediência ao art. 89 do
Código de Ética Médica vigente;
2) não sendo possível obter a autorização
expressa do paciente, vendo o mandado judicial, entregar ao
perito/assistente/Justiça a cópia autenticada do prontuário, e arquivar o
mandado juntamente com o prontuário original. Justificativa:
“Art. 429 do Código de Processo Civil (CPC):
“Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos
utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo
informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte
ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos,
fotografias e outras quaisquer peças.”
3) Se houver recusa quanto ao recebimento das cópias
do prontuário (por exigência do documento original), se possível, solicitar ao
perito/assistente/Justiça um novo mandado judicial que peça literalmente
o prontuário original;
4) recebendo o novo mandado judicial, entregar o
original do prontuário, guardando sua cópia autenticada juntamente com o novo
mandado expedido.
Alguns
dirão: “mas o art. 89 do Código de Ética Médica obriga que o médico peça ao
paciente autorização por escrito para entregar seu prontuário, mesmo que
seja sob mandado judicial”. É verdade. Mas, enquanto o Código de Ética
Médica (Resolução n. 1.931/2009 do CFM) faz essa obrigação, por sua vez, o
Código Penal — CP (art. 330) e o CPC (art. 14) qualificam como crime e ato
atentatório ao exercício da jurisdição, respectivamente, o descumprimento
de ordem (mandado) judicial.
E
agora? Se verificado o conflito inconciliável de normas: a quem seguir? Com imenso respeito às opiniões divergentes,
acreditamos que o Código Penal e o Código de Processo Civil devem prevalecer
sobre o Código de Ética Médica. Por quê? Pois, dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, os primeiros possuem status de Lei Ordinária, e estão
hierarquicamente superiores às normativas expedidas pelo CFM, como a
respeitável Resolução n. 1.931/2009 (Código de Ética Médica).
Para
ilustrar e justificar melhor nosso posicionamento, vejamos:
• num caso hipotético, se alguma provável
sindicância do CFM concluir que um médico não cometeu nenhuma infração
ética, mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto,
o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso,
qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?
• De maneira inversa: se uma provável
sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico,
mas, por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz
absolver esse médico de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão
prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?
Como
nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz),
para nós, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis e inconciliáveis
conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de
preservação da intimidade do paciente, e fazendo sempre o uso do bom senso, é
melhor obedecer às regras judiciais (no caso, o CPC), do que às eventuais
regras administrativas divergentes estabelecidas pelo CFM. Ressaltamos aqui
a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma
rara situação em que poderá haver conflito entre a norma ética (editada pelo
CFM) e o texto legal (contido em Leis Ordinárias).
Além
disso, orientamos aos Peritos/Assistentes Técnicos que, para que não se avente
a hipótese de quebra de sigilo profissional, sempre sugiram ao juiz em seus
Laudos/Pareceres Técnicos que o processo corra em segredo de justiça, com base
no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, que assim coloca:
“A lei só poderá restringir a publicidade dos
atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem.”
Entendemos
que, em regra, os procedimentos médicos relativos às perícias judiciais, em
maior ou menor grau, expõem a intimidade do periciando. Daí a nossa
justificativa para que esses processos corram preferivelmente em segredo de
justiça, nos termos da lei fundamental de 1988.
Vale
lembrar, também, da importância de solicitar aos periciandos o “termo de
autorização”. Vejamos um exemplo abaixo:
“Eu, XXXXXX, brasileiro, casado, portador do
RG n. XXXXX, e CPF XXXXXX, movendo ação trabalhista em face de XXXXXXXXXX, autorizo
o Dr. Fulano de Tal, Médico, CRM n. XXXXXX, nomeado por este Juízo para
atuar como Perito/Assistente Técnico no Processo XXXXXXXXX, a manusear e expor,
neste laudo pericial/parecer técnico, todos os documentos necessários para a
conclusão deste trabalho, tais como: fotografias, filmagens, depoimentos,
prontuários, relatórios médicos, atestados médicos, boletins de ocorrência,
etc., com fulcro no art. 429 do Código de Processo Civil.
Local, data, e assinatura do Examinado.”
Que
Deus nos abençoe.
Um
forte abraço a todos.
Marcos
Henrique Mendanha
E-mail:
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Bom dia. Sou articulador do blog http://tstcariri.blogspot.com.br/. Gostei muito das tuas postagens e gostaria de tua autorização para postar alguns comentários seus, sempre divulgando a fonte.
ResponderExcluirFique à vontade, Charles.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho.
Abraço.
Marcos